quinta-feira, 28 de agosto de 2025

841 - A CAMINHADA, O PÉZINHO, O DEDINHO …

 

  UMA CAMINHADA, UM PÉZINHO, UM DEDINHO …

 

Tinha sido uma caminhada exigente, espinhosa, o que lhe valera fora um jogo de ténis novos, novíssimos, mas, como não há bela sem senão, morderam-lhe os dedinhos. Certo que por mor disso fora porém das primeiras a chegar, levou para casa uma menção honrosa e uma borrega horrorosa.

 

Tratei-a na chegada, mera bolhinha muito miudinha, muito pequenina, junto ao dedinho pikinino, ao dedinho mindinho do seu pezinho bonitinho, Formosinho, engraçadinho, e que eu segurava nas mãos.

 

Comovido ou enternecido ante tal visão, ou melhor, ante tal aparição, ao ver a bolhinha pequenina, miudinha no dedinho engraçadinho não me contive, ergui os braços, uma mão deslizando pela barriguinha da perna, a outra segurando o pezinho formosinho, que levei à boca e onde, com carinho, depositei um beijinho. Não passou dum jinho pequerruchinho, um carinho, depositado inocentemente e devagarinho com ternura e doçura naquele lindo pezinho. 


É noite de sábado ou domingo, é uma noite fatal, é noite de fim-de-semana, daquelas em que se bebe ou uma ou outra coisinha e depois…. Coiso e tal etc. e tal e coiso… a gente por vezes nem sabe como acaba, ou se acabará em festival, outras nem imagina como tal começará, mas é fatal que comece, depois….

 

O tempo dirá…

 

Geralmente um abracinho apertadinho marca o começo e tal e coiso, e depois… se coladinhos, o comboio desata a apitar não parando mais… e nem três vezes, por vezes, chega ele a apitar…

 

Mas sabeis, não é bem no dedinho mindinho que ela tem a tal bolhinha, pequenina, pequenina no dedinho miudinho, engraçadinho. É lá pertinho e, claro, naquele mesmo pezinho.

 

É bom esclarecer estas coisas, porque ao principio enganava-me e pressuroso descalçava o sapatinho que não era, e depois, atencioso, subia-lhe aos beijinhos pela alva perna acima, ao joelhinho, à coxa rija, chegando à derivação, onde nem sinal nem proibição, para depois e só depois, de mansinho, recomeçar, descendo devagarinho p’la outra perninha abaixo enquanto ela, aos risinhos, libertava coceguinhas junto com as risadinhas e c’o pezinho descalço, descalçava o outro pezinho atirando o sapatinho lá p’ra longe, coitadinho, talvez p’ra que eu não parasse e descesse ternurento até ao pezinho certo e bolhinha redentora, onde finalmente e já exausto depositava com fervor o ultimo beijinho de um cento.

 


Sim sim era mesmo assim, quer fizesse chuva ou vento, ou o sol a barlavento, eram aos centos, aos milhares os beijinhos ternurentos que a bolhinha pedia mal o sapatinho saltasse e de cada vez que a via. Era o princípio de tudo, era o meio e o fim do mundo e era até o Xanax de quando ali chegava iracundo, irado c’o reino animal ou então a pisar mal.

 

- Pisar mal !!! Ahahahahahah !

 

Riu-se ela a rodos quando entre dois grandes fogos lhe expliquei o pisar mal, assentar o pé no chão numas botitas ajustadas mas sem as unhas aparadas, experimentem e logo verão, caminhar manco, aleijado, como se vós mesmos ao andar tivésseis um grão no sapato.

 

E foi ela, atenta e bondosa quem me aparou as unhacas e me devolveu o garbo. Voltei a andar direito, com natural naturalidade, como se das costas sofridas me retirassem um fardo e, ao invés de um gavião, tornei a ser o Baião, mimoso, doce, simpático, carinhoso e tal e qual me conheceis pelo menos há meio século. Um estojo de unhas faz milagres e dá jeito, oh se dá ! Aproveitem os dias de anos ou o Natal e comprai um meus alarves.

 

Depois foi uma beleza, jamais se sentiu minha presa ou me julgou caçador, jamais malha levantada ou um meia rasgada e, para ser mais minucioso, jamais teve alguma vez as canelas arranhadas. Mas também isto vos confesso, caminhada bem andada só com unhacas aparadas, sapato impermeável e justo c’os atacadores bem apertados e um lacinho bem dado.  

 


A bolhinha pequenina no pezinho bonitinho, formosinho e engraçadinho era o mote, fosse motivo ou desculpa para qualquer cena maluca que nos deixasse coladinhos. Éramos uns desgraçadinhos, sempre sempre aflitinhos, sempre sempre agarradinhos, sempre ora ponha aqui o seu pezinho, sempre o tapete sobre a poça não fosse ela distraída, molhar o lindo sapatinho. Sim é verdade inda recordo, sim é verdade, inda hoje o é, fosse desculpa ou motivo qualquer bolhinha era o mote para sentarmos na garupa e abalar a galope montados num cavalinho.

 

Fosse Rocinante ou Bucéfalo, fosse Silver ou Diablo a verdade verdadinha era que uma vez montados, eram nuvens eram sóis, eram estrelas e cometas, eram bebés e chupetas, e à terra só tornava-mos quando muito devagar, mesmo mui devagarinho, com muito muito jeitinho, não fosse eu por distracção, ou desmazelo, pisar-lhe um dia o pezinho, pequenino, mindinho, bonitinho, formosinho e engraçadinho, descendo a cama ensonado, exausto ou aparvalhado após tanta correria em que os cavalos cansados nos traziam de mansinho de volta à terra do nunca, onde entre suspiros e ais fumávamos uns cigarrinhos muito bem enroladinhos com dois dedais de conversa. De conversa vice-versa, ou versa-vice, se acontecia partir com festas e arraiais a que só dávamos fim antes que a cama se partisse.

 

Foram tempos de ventura, foram tempos de fartura, e aquela mesma bolhinha pequenina junto ao dedinho mindinho do pezinho bonitinho, formosinho e engraçadinho, continua na lembrança e, mentalmente e com carinho, a desafiar-me de fininho a repetir os miminhos que derretidos, coladinhos, trocávamos escondidinhos nos dias de sol quentinho ou de vero friozinho p’ra aquecer o ambiente e tornar a cama quente fosse ele Natal ou não, ficai sabendo minha gente !!!!



quarta-feira, 20 de agosto de 2025

ZÉ ANTÓNIO ANTÓNIO ANTUNES, ele mesmo ...

 

Tivesse sido ou fosse este país um país normal e a mesma adjectivação poderia ser usada em relação aos seus cidadãos, se não a todos pelo menos a uma grande maioria já que, como sabemos bem não há regra sem excepção

 A mesma apreciação podemos fazer em relação ao meu amigo Zé António António Antunes que, parecendo um cidadão anormal é do mais normalzinho que eu conheço.

 Educado, formatado, inda que por vezes tenha ganas de se libertar dessa educação que o peia ou de soltar-se do formato quadrado da caixa onde o têm enfiado à força desde pequenino. Claro que soltar-se ou libertar-se é um justo desidério dele, dele e de todos que a tal aspiremos ou tal queiramos.

 - Despautério o quê ???? Que pintou ele desta vez ???? 


perguntou o Gomes, arrastando a perna, que é mouco que nem uma porta e nunca é capaz de ajustar convenientemente o som ou a configuração de uma prótese auditiva ultra moderna ligada por wi-fi ao telemóvel e que ora apita por todos os lados, ora zumbe, cortando- lhe o som não o deixando perceber bem as palavras levando-o a confundir tudo e todos.

 - Qual despautério qual carapuça, ele não mata uma mosca quanto mais armar um despautério !

- Também estranhei

 volveu o Gomes,

- Queres dizer que não foi ele ? Então quem foi ? O meu amigo Desidério ? E que fez ele desta vez então ?

 - Não houve despautério nenhum nem o Desidério é para aqui chamado, troca a pilha a essa merda porra !!!

Mas ia eu dizendo, o Zé António António Antunes é um paz d’alma, ainda puto com três anos, não mais, desenhou tão bem um cisne, que uma estagiária, do Magistério Primário, levou o boneco para mostrar às colegas. Fosse hoje e o Zé António havia de lhe mostrar um boneco que ela não largaria por nada e abalaria calada e c’a ideia numa próxima vez. Ele é mesmo assim, bom tipo, muito bom tipo. Aliás toda a gente o conhece e conhece bem, tal como toda a gente sabe as porcarias de que é capaz quando se apanha sozinho encostado a um balcão. 


Filho único, menino da mamã, de todas essas benesses abdicou para se afirmar individualmente, sei que daria a camisa a quem dela precisasse, é culto, fluente em várias línguas quando bebe uns copos, e tem uma filha talvez da idade do meu, filha que não conheço mas deve ser santa já que ele nunca a tira do altar.

 A Vera, com quem se casara em segundas núpcias e de quem não tinha filhos (por enquanto), tinha sido hospedeira da TAP e era toda “não me toques” até casar com o Zé António António Antunes, que acabou órfão de pai precisamente seis meses depois de casar e no dia em que a mulher, a Vera, apareceu ao sogro com uma carrada de piercings e umas tatuagens, uma delas, uma borboleta dois dedos acima do rabo e que, diz quem sabe, foi a culpada do enfarte do velhote.

 


Eu e a Lila chegáramos nesse momento, D. Apolónia veio logo a terreiro sem que a chamassem, que a culpa era nossa, que nunca tivéramos juízo e ao filho só fizera mal ter-nos conhecido e acompanhar-nos e p’ráqui e p’ráli.

 Eu bem quis esclarecer o caos,  avancei e;

 – Já aí quieto meu maricas de galarito ! Tu és o pior de todos ! Nem mais um passo ! Quanto mais velhos menos juízo têm !

 Ainda tentei balbuciar qualquer coisa mas D. Apolónia, que sempre me tratara por tu, fazia-o agora com indisfarçável indiferença e menos respeito, coisa que não compreendi mas aceitei, era uma mulher rude, campónia, mãe do meu amigo, nunca pensei casar com ela, pelo que tanto se me dava como se me deu, naquele dia deu.

 - D. Apolónia mas…

 - Já te disse meu maricas ! Põe-te fora daqui e já ! Paneleiros ! São todos uns paneleirões, paneleiros e putéfias, meu rico filho com quem se meteu ! Por tua causa e de outros como tu, meu merdas, é que…

 Não adiantou, não conseguimos arrancar nada de nada a D. Apolónia, mas, a julgar pela coisa o que se passara era mais grave do que imagináramos. 



Segundo a Verónica confidenciou mais tarde à Filipa, a exaltação de D. Apolónia adviera da estreia, umas noites atrás, duma fantasia de enfermeira, coisa que sabia agradar ao marido e pai do Zé António António Antunes, velhote que se queixaria das máscaras, das capas e dos chicotes e algemas, de que andaria a ficar mesmo farto.

 Estou mesmo a ver que mais dia menos dia o Zé António António Antunes depois de umas cervejolas, vai chorar junto Vera, cagar calças e blusa de baba e ranho e aproveitar as fantasias abandonadas em que a mãe era mestra, quebrando violentamente a rotina e aproveitando para fazer o que não lhes faria mal, pois já são crescidinhos e a Vera é moça p’ra lhe fazer as vontades a qualquer hora e em qualquer sitio. Entendam lá de uma vez por todas que não há anormais nosso grupo, nem bipolares ou gente com dupla personalidade.

 Concedo que determinados comportamentos poderão ser considerados extravagantes, eventualmente criticáveis, impróprios até, mas não esqueçam que os meus amigos são um exemplo do mundo, exemplo de tendências e atitudes, doutrinas, credos e comportamentos, não um grupo de santos e santas, de castas virgens, abnegados celibatários ou promíscuos e infiéis. 


Há aqui de tudo como na farmácia, e acreditem-me, apesar de vos ter relatado um ou outro pormenor menos claro, são de resto gente digna, trabalhadora, respeitável, aliás como qualquer de vós, ou não fariam parte das minhas amizades.

 O Zé António António Antunes cursou com sucesso uma prestigiada universidade portuguesa, construiu uma carreira profissional invejável na área da odontologia, trabalhou até tarde muitas noites, fins-de-semana e feriados, alcançou o pícaro e êxito, gastou quanto ganhou, comprou casa, bons carros, é tarado por BMW’s, gozou boas férias, está casado com uma mulher que elegeu e por quem se apaixonou numa dessas viagem de avião em grupos de turistas. Porém a nossa adesão à CEE traíu-o, a empresa onde exercia funções deslocalizou-se como agora se diz, e aos quarenta e cinco anos está desempregado, ninguém o quer, é velho, começou a beber, ninguém consegue travá-lo. Compreendo-o, não o desculpo.

 Vera, a esposa, é Engenheira de Recursos Hídricos, todavia depois de suar as estopinhas para ser hospedeira da TAP e acabar o curso, o casamento com o Zé António António Antunes foi uma libertação. Esta menina bem comportada quase fora freira por iniciativa própria, quando adolescente, presentemente, por tédio ou por contestação, tatuou-se, aplicou piercings e quando encostada a um balcão cai frequentemente no exagero. Não prejudica ninguém, mas dizem as más-línguas que o sogro, o velhote, morrera de enfarte quando a viu aparecer com as tatuagens e os adereços bárbaros como amorosamente o marido se lhes refere. Acredito que se casou por amor, muita gente não. Problema dessa gente, não nosso, não meu nem deles dos pombinhos. 


D. Apolónia é uma daquelas mulheres com o cu debaixo dos braços, viúva, doméstica, proprietária, nunca fez nada na vida, tem a quarta classe antiga inacabada, não entende porque não se obrigam as criancinhas à catequese e tem dois ódios de estimação, a Vera, que lhe roubou o filho e matou o marido e a Direcção geral de Contribuições e Impostos, um bando de gatunos que só querem o que os outros conseguiram com muito suor. Nunca eu soube a quem terá pertencido o suor a que ela se refere, uma vez que trabalhar jamais, criadas usa e abusa a uma média de duas por ano, no mínimo, e o marido idem enquanto foi vivo. Analfabeto, sempre viveu da especulação imobiliária, influências, compadrios, negócios, e, dizem os maldizentes, financiando as campanhas de um determinado partido. Deixou a viúva inconsolável, cheia de propriedades, contas bancárias, cadernetas de aforro e acções do BES e do BCP. Como a mulher, nunca terá vertido uma gota de suor ainda que soubesse do que se tratava, tanto que era coisa que evitava com a maior precaução.

 Compreenderão agora os pruridos do Zé António António Antunes em ter querido vingar sozinho ou em viver da herança paterna, uma vez que nem a falta de emprego o força a engolir o orgulho. Ninguém é habitualmente visto na companhia dele, sabemo-lo todos, é que apesar de não tratar nenhum mal, talvez por ser um revoltado ou insubmisso acha que os amigos atraem o azar como a merda atrai as moscas. Nas horas vagas curte, uísque, o que o inspira dando-lhe p’ra desenhar cavalos, cavaleiros, andarilhos, veleiros e falcões para disfarçar e calar as más-línguas.

 Talvez não me venha a perdoar nunca estas linhas o Zé António António Antunes, mas posso bem com ele, o máximo que me poderá acontecer é levar com uma garrafa de uísque na cabeça e ficar um ano ou mais sem que me fale, é assim que ele procede, é muito opinioso e tanto adora acompanhar connosco como dar-nos no toutiço. 


É melhor ficar calado. (não contem a ninguém), mas certa noite, à beira mar em Puerto de Santa Maria, todos com uma piela de caixão à cova, o Zé António António Antunes e uma tal Pilar ou coisa parecida, enroscados por causa do frio, ela procurara-o por causa de um aparelho nos dentes cheio de efeitos multicores brilhando no escuro como pirilampos… Era bonito o aparelho, ou a prótese mas a verdade é que depois de um par de garrafas VAT69 mandadas abaixo o Zé António António Antunes andou a tratar-se mais de um mês, ficou todo escalavrado !... O Amor é Fodido mas ninguém desiste dele ! Um verdadeiro Adónis, cultor do corpo, do carácter e mais homem que muitos homens, o Zé António António Antunes não ligara muito à mirifica prótese mas dera a volta à cabeça da Pilar.

 Finalmente vou dar este meu testemunho por terminado, chega de conversa, até por ela não se calar um minuto e a ele ser raro ouvir-se-lhe algo. Um casal deveras curioso este, um bom par de jarras ! mas não é por isso que merecem uma atenção particular, eu sim, não posso ignorar um facto importante, saber até onde poderei ou deverei ir.


Afinal convenhamos, somos tudo gente normal, ou não ?

 Devo explicar-vos que nos conhecemos desde que nos encontrámos, gaiatos, roubando pistolas do Zorro das montras dos feirantes durante o S. João ! Contudo há que reconhecê-lo, o Zé António António Antunes foi um dos primeiros ganzas existentes nesta cidade, (quando ainda nem na droga se falava já ele andava sempre “apanhado”), mas também foi um dos primeiros que, nas então recém inauguradas Piscinas Municipais, ousava ou aventurava-se a mergulhar da prancha olímpica dos dez metros para o poço respectivo, com a arte, harmonia, beleza, e sedução tão próprias aos mergulhadores das falésias de Acapulco ! 

 Vera fora seduzida em primeiro lugar pelo porte altivo do Zé António António Antunes, pelo garbo com que mergulhava, e, dizem as más-línguas que, numa fase posterior, pelo modo como ele lhe chupava os dedinhos dos pés e o resto. A verdade é que se enlearam e não havia dia em que não fossem vistos tomando a bica juntos, ou se embrulhassem, por vezes em plena piscina, onde não havia quem não reparasse tal o escarcéu que faziam, mas, continuemos, bica que o Zé António António Antunes já então remexia com um pau de canela, dizia ele que para disfarçar o hálito de odores do tabaco e da erva. Tal foi o tempo que a brincadeira de se enrolarem durou que ainda hoje basta ao Zé António António Antunes o cheiro da canela para ficar com pica, tal o poder da sugestão numa mente tão desbragada e voraz quanto a dele.

 Consta que um dia em casa dele ou dela teve lugar uma enorme discussão que durou pouco e redundou em amor pelas cadeiras, mesas, balcões de cozinha, carpetes, sofás, ainda recordo como se fosse hoje, o facto do Euletério se me ter queixado

 


- Ai sim ? O despautério foi com o Euletério ? Eu sabia que dali não podia vir coisa boa !

gritou o Gomes quando acordou, mas dizia eu ter-se  o outro queixado depois de ter ido lá a casa reparar um candelabro que nem sabe como teria sido arrancado do tecto, mais parecendo, palavras dele, alguém no mesmo se ter pendurado propositadamente !

São contudo dois dos meus melhores amigos pelo que se vos cruzardes com eles na rua não hesiteis num caloroso cumprimento, são cidadãos de primeira apanha, apenas ela detesta o cheiro a erva que por vezes paira no ar, coisas de somenos se em conta tivermos o facto de santos naquele grupo só eu, mas já sabem, de mim não falo, não vale a pena e já me vão conhecendo de ginjeira.

 Afinal, somos mesmo todos gente normal ou não ?



sábado, 16 de agosto de 2025

839 - HOJE SERIA MAIS UM DIA ESPECIAL ...

 


Hoje seria um dia especial, mais um entre tantos tão diferentes e tão iguais. Eu acordaria cedo, e calado iria em bicos dos pés, à sorrelfa, tirar a bandeja da despensa p’ra te levar o pequeno almoço à cama pois como dizia hoje seria um dia especial.

 

Farias anos e, como era habitual, a festa começaria ainda antes do acordar. Prolongar-se-ia até ao anoitecer. Lembro-me que algumas vezes, poucas, jantámos no "Fialho", ao qual passámos a dar cada vez menos importância, importante eras só tu, e por ser um dia especial, era um dia fora do baralho e somente a alegria transbordante dos teus olhos vivos é digna de ser lembrada. 

Era o teu dia, era um dia nosso, era um dia muito especial do nascer ao deitar, e era assim por assim o querermos. Era também um dia de balanço e não houve um único em que não tivéssemos saído a ganhar. Tu fazias de donzela, e eras bela acredita, eu de pajem, de cavalheiro, e ainda guardo no roupeiro uma cartola e um chapéu de coco, sim dois, apenas por tu adorares Churchill e os chapéus que ele usava. E a boina colorida que tanto nos alegrou e te permitiu nessa noite não te teres perdido de mim no mar de gente que, como nós, acudira ao concerto e ao fogo de artificio ? Calhou estarmos em Barcelona nesse dia e, inda que já nem recorde qual o aniversário festejado, o dia jamais o esqueci e ainda guardo essa boina com o amor dum escoteiro.


Depois as coisas começaram a correr menos bem e abandonámos as loucuras, era tempo de dedicação e tu não só exigias como merecias toda a minha atenção.

 

Hoje fui ao jardim de manhã, como fôramos em tantas manhãs, já não existe a banca onde na praça tomávamos a bica antes do passeio em redor dos cisnes, nem a banca nem a senhora, apenas na minha imaginação ela, tu, nós, o jardim, os patinhos, os cisnes, os pombos, e esta saudade que mata.

 

Passeio-me pela casa, ora de cartola ora de chapéu de coco, ajusto na estante da sala algum livro cuja lombada esteja mais saída ou uma foto que não esteja direita, repito o que tu farias e tantas vezes fizeste na minha frente, adivinhava-te os passos, as maneiras, os trejeitos, agora repito-os num ritual inútil pois o que foi foi, e não voltará a ser, a mesma água não passa por baixo das pontes duas vezes, resta-me este caudal de lembranças, resta-me viver sozinho este 16 de Agosto como vivi a meia dúzia deles que o antecederam. 


Continuo sozinho, ninguém se aventura a ocupar o teu lugar, deixaste a fasquia tão alta que não há quem se atreva, nem sequer tente superá-la. A verdade é que subiras aos céus com o vagar duma chama que lentamente se extingue e eu senti que Deus te chamara para te poupar sofrimentos desnecessários, foi assim que vi então essa dolorosa partida. Fi-lo com imensa dor, nunca eu conhecera dor tão lancinante e não estava preparado, para fazer o luto, demorei imenso a ultrapassar esse choque, a dor da tua partida.

Tiveste tempo para deixar entre todos nós e especialmente em mim a tua marca, nunca conheci dor tão excruciante, nunca até te ter perdido me apercebera quão importante para mim era a tua presença. Certamente terá chegado para ti o tempo e a hora de nova viagem e somente muito tarde eu me tenha apercebido disso, rememoro tudo isto olhando enquanto caminho numa desolada tarde como aquela em que partiste, diminuindo a passada, apurando a atenção, parecendo ouvir o sussurro do vento trazendo-me a tua voz, desculpa Berto, estava na hora de partir para outra, sinto o apelo do meu signo, a coragem do Leão, outros mistérios me esperam.

 

É por entre os espinhos do silêncio que caminho, lembrando-te, concentrado nas memórias de ti qual porto de abrigo e nas quais me refugio, habituado a que aí encontrasse a abundância pois sempre colhera do que semearas, sempre fora bafejado p’la felicidade enquanto viveste e agora o silêncio, somente o silêncio e estas constantes lembranças de ti.

 

Nunca deixo de pensar quão frutuosa foi a tua vida, cumpriste o teu papel, saíste de cena no silêncio outonal com o dever cumprido, apesar de tudo obrigado meu amor. No céu és agora mais uma estrela, por isso te recordarei em cada aniversário, nem só neles, mas em cada dia que passa te recordo com carinho, a ti que sempre recusaste a tristeza, a rendição, a renúncia, o declínio, a resignação. Jamais te esquecerei meu amor, recordarei sempre com dor e com amor o dia em que foste incensada e me foi concedido o privilégio de ver-te subir aos céus.

 


Algo renascerá das cinzas, tenhamos esperança, após a tempestade sempre sempre sobreveio a bonança, a esperança, a última a morrer, é dar-lhe tempo e a esperança virá, a esperança e o amor voltarão a abrir, a florir a esperança tem mel e quando vier virá p’ra ficar por isso a cama vou mandar alargar, prantar dourados, construir um dossel para acolher a esperança porque ela é mel.

 

Recordar-te-ei sempre com amor, ternura, carinho, doçura, adeus meu amor de sempre, adeus meu amor eterno.

               Adeus meu amor de sempre, adeus meu amor eterno.


quarta-feira, 13 de agosto de 2025

838 - SINCERAMENTE... HAJA DEUS !

 

 

E estava eu olhando para Ele, orando e esperando que a tua ausência fosse coisa passageira, temendo que as minhas palavras tivessem sido violência para os teus sentidos, para a tua sensibilidade apurada, afinada e refinada, temendo que a minha franqueza, sinceridade e honestidade te ferissem, por directas, mas felizmente, não terá sido o caso, felizmente só te deixei sem palavras, um paradoxo para mim, porque com elas te entreténs e brincas, com elas e com as pessoas jogas, como queres e entendes desejas e te apetece.

 

Pois sem elas fiquei eu também, não sabendo a razão por que as perderas, nem as respostas às perguntas que com temor te atirei, apesar de recheadas de receio e desculpas, comedimento e apreensão, levado por uma avidez prenhe de conhecer-te, animado de uma curiosidade que acabei receando tivesse acabado por matar o gato.


Fui franco e, como já tantas vezes tem acontecido, pequei por isso, se paguei por isso estou para saber, e eu que fora tão cuidadoso ! Sabendo ser ela tão sensível ! E eu sempre como que pedindo desculpa, admitindo-lhe o direito de se calar, de não se expor, e ela zás ! Risca-me os planos mais inocentes e bem intencionados ! Eu pensando já tou lixado, já borrei o pé todo, já a espantei que ela não deve estar para aturar teimosias nem exigências, estará mais habituada a fazer perguntas que a responder-lhes e resolveu o que eu devia ter previsto, não ter satisfações a dar-me, e vou ficar de mãos abanando que é para não ser parvo. 


Felizmente ainda não me riscou da lista, nem tudo estará perdido, porque será que as pessoas toleram mal a franqueza ? Ainda estou para saber o que nela as surpreende, e nunca mais aprendo, tanto me tenho lixado com isso e não aprendo, já devia ter juízo, as pessoas temem que gostem delas, que as acarinhemos, que as protejamos, sobretudo que lho digamos, assustam-se com isso, não percebo, nem sei se alguma vez perceberei ou se é para perceber.

 


Bem… nem tudo está mau, só ficou sem palavras, pior se tivesse ficado sem ar, ou sem vida, sei lá, as emoções também matam, a mim dão-me vida, mas somos todos tão diferentes apesar de tão iguais. E eu admitindo sempre a minha maldade, a minha curiosidade descabida, a minha intromissão nos seus pessoalíssimos segredos, e ela népia, ficou sem palavras ! A rainha das palavras, ela que brincava com as palavras, ficou sem palavras ! Para nada tanta mesura dada, tanta delicadeza, de nada serviram, nada evitou o choque das palavras, ficou sem palavras disse ela, eu diria que descarrilou e perdeu as palavras, não terá ficado sem palavras, terá sim ficado com elas por ali espalhadas, buscando-lhes o senso, procurando juntá-las de novo, dar-lhe sentido, procurando-lhes um nexo, vamos dar-lhe tempo, ela sobreviverá a tanta franqueza, ela é rija, ela é capaz, ela vai recompor-se.

 

Sem palavras fiquei eu, nem uma das respostas satisfeita, nem uma das curiosidades abertas, sem saber como lidar com ela, duvidando de mim, do meu jeito e modos, francamente… Fiquei aliviado, não fui excluído, até ver, mas fiquei na mesma, sem palavras… Ou com elas chocalhando no cérebro, entrechocando-se até que, como ela gostava de dizer brincando, as nossas palavras voltem a chocar-se.





domingo, 10 de agosto de 2025

837 - NASCIDOS NO LUGAR ERRADO …

 



“Não estou por dentro desse assunto”…


Disse Isabela ……

 

Que raio de resposta mais descabida !

 

Eu, que vivi com uma mulher cheia de porras e não sei que mais me agradava nela, talvez tudo, habituei-me a pensar como ela, a ver o mundo como ela, e como ela nem sempre a gostar do que via, e do que vejo.

 

Era uma mulher inteligente confesso, pelo menos eu assim a pensava, mas, mulheres inteligentes… apanhá-las… Sempre gostei desse tipo de mulheres, sempre me atraíram, sempre me seduziram, e são cada vez mais raras, ou mais subtis, mais camufladas, mais inacessíveis.

 

 Por mim que as topo à distância e de imediato, posso jurar deparar-me cada vez com menos, por mim haverá menos, até pode ser mal meu, que estou mais velho, mais bonito e mais interessante, assim me penso e julgo, não garanto que assim seja… Muitas ainda me acham um viúvo interessante e a não perder pois esporadicamente vejo-me surpreendido, prova de que nem são capazes de me conhecer a fundo, handicap que detecto até em gente com quem convivo.


Eu teria dado uma resposta do género;

 

Ando veementemente a tentar ficar por dentro desse assunto mas nã tá fácil… tem-me faltado tempo.

 

E pronto, estava salva a honra do convento. Não suporto que, havendo igualmente bué de homens que não estão por dentro de coisa nenhuma, apareça uma ela a admitir clara e humildemente que a coisa é preta….

 


A vidinha nã tá nada fácil, decerto ela terá vindo dum mundo justo e será ingénua, inocente, e que certamente ficará constrangida e confrangida com o que é e c’a situação em que se encontra, volvidos cinquenta anos sobre aquela tal madrugada *

 

Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo …

 

* Sophia de Mello Breyner Andresen

 

Por isso, por tudo isso, por tudo em que te transformaram e que és quero pedir-te desculpa, quero assumir perante ti a minha cota parte no estado a que as coisas chegaram, pois humilde e vergonhosamente declaro, também eu acreditei na democracia prometida. 


E também eu, como julgo ter acontecido contigo, com o passar do tempo acabei por ficar desiludido, tu certamente terás sofrido igual desilusão, já que a imagino ou a pareço ver estampada em ti, na tua cara, sempre que contigo me cruzo.

 

Culpa minha portanto que, como muitos outros, também votei e acreditei demasiadas vezes nos políticos venais que temos. Também eu tenho culpa que a tua cidade, a minha, a nossa cidade seja a mais pobre e atrasada deste atrasado país, mea culpa, mea culpa, mea culpa… Espero pois sinceramente que me compreendas e me perdoes.

 

 Em 79 podia ter ficado na Suíça e não o fiz por acreditar nas promessas de Abril, mais tarde viria a dar completamente razão a José Mário Branco no seu celebérrimo Lp FMI **

 

Uma porra pá, um autêntico desastre o 25 de Abril

 

Esta confusão pá, a malta estava sossegadinha,

 

Estás desiludido com as promessas de Abril, né ?

 

Com as conquistas de Abril !

 

Eram só paleio a partir do momento que t'as começaram a tirar e tu ficaste quietinho, n'é filho ? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, não é ? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, n'é filho ? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, hã ?

 

**Extracto da letra de "FMI" por José Mário Branco

 


Claro que me lixei, não ter ficado na Suíça foi o meu azar. Este país nunca foi nem é para novos, nem para velhos, neste país as oportunidades são para queimar, para perder, por isso se dantes estávamos trinta anos atrasados em relação à Europa agora estaremos cinquenta, talvez mais, há peculiaridades aqui que ninguém já estranha, por exemplo sermos o único país do mundo onde os ladrões não assaltam bancos, aqui são os donos, os banqueiros que os roubam, nós somente somos chamados para pagar os prejuízos, é isto ter juízo ?

 

Talvez vivamos numa das poucas cidades e dos poucos países do planeta onde em cinquenta anos não resolvemos um único dos problemas que nos afligiam mas cuidámos de arranjar outros, de arranjar mais, muitos mais. Que desiderato é este que em simultâneo nos cala e anima como se vivêssemos no melhor dos mundos ?

 

Nem sei nem consigo imaginar quantas oportunidades terão sido perdidas por ti, por mim, por tantos outros nesta cidade e neste país por incúria, cegueira, incompetência, ignorância, arrogância e estupidez das autoridades instituídas e, por que não dizê-lo, dos cidadãos, dos intelectuais, dos sábios, dos académicos, dos eleitores e tutti quanti preenche a fauna da urbe e do rectângulo…

 

Quanta gente pessoalmente irrealizada ? Frustrada nos seus sonhos ? Travada nas suas aspirações ? Nas suas legítimas ambições ? Quantos caminhos barrados ? Quanta pesporrência ? Prepotência ? Partidarismo ? Seguidismo ? Sectarismo ? Nem Estaline alguma vez terá ido tão longe quanto por aqui, por cá. E é esta a democracia que nos querem impor ? Impingir ?

 


Lamento amiga Isabela, lamento que nos tenhamos vindo meter na caverna de Ali Babá. Por aqui só há ladrões, tratantes, patifes, agiotas, facínoras, gatunos, biltres, sicários, salafrários, especuladores, usurários e, nem o facto de sermos comedidos ou por vivermos isolados nos safará desta cáfila que de há cinquenta anos p’ra cá tomou conta da nação.

 

Quantas vezes não me interroguei já se terá valido a pena aquela madrugada *…

 

E tu ??????????

Adeus cara amiga, até que nos vejamos de novo, um grande abraço e votos sinceros de Boas Férias.

 

Gosto de ti.

 


P.S. Não, não estou a querer engatar-te, nem a pensar nisso sequer…

 


https://www.publico.pt/2024/12/15/ciencia/noticia/cientistas-portuguesas-figuram-ranking-melhores-mundo-2024-2114764?utm_content=manhas&access_token=vDLcx1AdRoMmWasROGhi94DPDCZQE6nY%2FfhiW98Q%2BOA%3D&e=da7f79386a&open=true&utm_source=e-goi&utm_medium=email&utm_term=S%C3%B3+24%25+dos+projectos+para+resolver+crise+habitacional+s%C3%A3o+constru%C3%A7%C3%A3o+nova&utm_campaign=55&fbclid=IwY2xjawHNf-hleHRuA2FlbQIxMQABHUzgOoKabHQqCeMbAsSTQxnC0uE8qRFVSBgfF58ga1J5c-Z4CHs2iNrTeg_aem_-Uk_WahVpBIC--s9iPtnwg

 

 

https://www.publico.pt/2024/12/16/economia/noticia/so-quarto-59-mil-casas-resolver-crise-serao-novas-2115649?fbclid=IwY2xjawHNgAxleHRuA2FlbQIxMQABHdivdWO7QV-y2f-kCPMCP-knRLsn4C9sbZg69UNjmAEVPymN7ijvX3ofgw_aem_Shzp5yAYwXvEKAevE17llQ

 

 

https://mentcapto.blogspot.com/2018/07/519-mulheres-inteligentes-apanha-las.html