domingo, 4 de maio de 2025

ESSA AVÓ QUE ME ENCONTROU by Luísa Baião*

 

                              Escrito sexta-feira, ‎8‎ de ‎Setembro‎ de ‎2006, ‏‎11:05h

        Perdi minha Mãe muito cedo, foi uma dor que ainda é, e que julgo me acompanhará durante toda a vida. Não só por isso, mas também, estreitei os laços que então existiam com meus avós, todos muito queridos, e que também já são para mim, infelizmente, saudosas recordações.

          Talvez por isso a Terceira Idade me sensibilize de forma marcante, ou talvez porque diariamente lido com essa classe etária, tão fragilizada quanto, por vezes, abandonada e tão carente de atenções quanto devedoras somos todas (os) das suas memórias.

          Não esquecerei jamais minha avó Narcisa, com quem aprendi a enfrentar o mundo e a não adiar problemas. Dormir descansada significava para ela não deixar para amanhã o que devia ser feito hoje. Era alegre como poucas pessoas nessa idade o eram, dela herdei certamente esta disposição que me anima mesmo nos momentos mais difíceis.

          De minha avó Joaquina herdei os genes da perseverança e capacidade de trabalho, ainda hoje relembro o seu exemplo, já velhinha mas sempre trabucando, o que lhe permitia ir manducando e estar em paz com Deus e consigo própria. Disputavam as duas a minha presença, pelo que os sábados eram alternadamente vividos com uma e com outra, que para o almoço me preparavam os melhores manjares.

 

            Muito jovem, recém casada, órfã e mãe, nunca elas se aperceberam, do ainda me culpo, não lhes ter dito em vida quanto as amava e lhes devia. Julgo que o sabiam, já que vivendo próximas, e ainda que almoçasse com uma delas, nunca olvidando a outra que, ciumenta, me cobria de beijos e me prodigalizava a ementa para o sábado seguinte.

          Os meus avós não me eram menos dedicados, nem eu a eles, já esqueci os seus sermões, mas não esqueci o espírito que em mim incutiram, o espírito da devoção, da honestidade da solidariedade, da honra pelo trabalho. Eram homens, muito me mimaram, mas era sobretudo com o meu jovem marido, homem como eles, que gostavam de conversar. E claro brincar com o nétinho, que os fazia babar e pouco maior era, à data, que um chorão.

          Rezar-lhes na campa não redime a minha culpa, por isso todos os idosos são para mim avós, os avós que já não tenho, os avós que queria ter, ainda. Por isso um dia destes, quando na rua João de Deus fui surpreendida por uma velhinha muito querida, não pude deixar de ver nela essas avós que recordo com amor e com saudade, por isso a sua presença me foi agradável, por isso me agradou que sem pudor se tivesse dirigido a mim que, com a pressa com que sempre ando a não via.

       Somos vizinhas, embora eu não o soubesse, está internada num lar ali ao Alto dos Cucos, Fontanas, e espera como quem desespera, que os dias se sucedam. O nosso encontro parece ter-lhe sido grato, parece ter-lhe insuflado vida, mal sabe ela quanta gratidão senti em mim por me ter procurado, por me ter tocado, e na verdade tocou-me de perto o coração.

          Sei ser para ela uma amiga por quem espera à sexta-feira, eu não espero, procuro, procuro a amizade e gratidão dessa e de tantas avós que há entre nós e a quem não devemos esquecer dizer quanto amamos, antes que seja tarde, porque o tempo é uma roda, uma roda que não pára.

 


         Mãe é Mãe, e ninguém substituirá na minha mente e na minha dor a sua memória, minhas avós sabiam-no decerto, já que nunca a procuraram substituir, muito pelo contrário, todas as suas atitudes, sem que o assumissem, foram no sentido de atenuar essa dor e não fazer-ma esquecer, o que hoje reconheço acertado. Recordo ainda com saudade os seus mimos, as suas carícias, as suas palavras de consolo, amparo e encorajamento. As minhas avós souberam sabiamente deixar intacto um espaço que jamais alguém ocupará no meu coração, o amor por minha Mãe que ainda venero com mágoa, com saudade, e sobretudo com uma ternura que o tempo apagará em mim.

          Se alguém me amou incondicionalmente foi sem dúvida essa Mãe que todos os dias lembro e ainda me dá forças, para lutar pela vida, por seguir-lhe o exemplo, que tão bem recordo. Como é grande a pena que sinto por não a ter comigo, tão grande como o esforço que diariamente faço para que se orgulhasse de mim se entre nós estivesse.

          A saudade não tem fim. 

 

 * By Maria Luísa Baião. Texto talvez inédito. 

   Escrito sexta-feira, ‎8‎ de ‎Setembro‎ de ‎2006, ‏‎11:05h