Perdi minha Mãe muito cedo, foi uma
dor que ainda é, e que julgo me acompanhará durante toda a vida. Não só por
isso, mas também, estreitei os laços que então existiam com meus avós, todos
muito queridos, e que também já são para mim, infelizmente, saudosas
recordações.
Talvez por isso a Terceira Idade me
sensibilize de forma marcante, ou talvez porque diariamente lido com essa
classe etária, tão fragilizada quanto, por vezes, abandonada e tão carente de
atenções quanto devedoras somos todas (os) das suas memórias.
Não esquecerei jamais minha avó
Narcisa, com quem aprendi a enfrentar o mundo e a não adiar problemas. Dormir
descansada significava para ela não deixar para amanhã o que devia ser feito
hoje. Era alegre como poucas pessoas nessa idade o eram, dela herdei certamente
esta disposição que me anima mesmo nos momentos mais difíceis.
De minha avó Joaquina herdei os genes
da perseverança e capacidade de trabalho, ainda hoje relembro o seu exemplo, já
velhinha mas sempre trabucando, o que lhe permitia ir manducando e estar em paz
com Deus e consigo própria. Disputavam as duas a minha presença, pelo que os
sábados eram alternadamente vividos com uma e com outra, que para o almoço me
preparavam os melhores manjares.

Muito jovem, recém casada, órfã e mãe,
nunca elas se aperceberam, do ainda me culpo, não lhes ter dito em vida quanto
as amava e lhes devia. Julgo que o sabiam, já que vivendo próximas, e ainda que
almoçasse com uma delas, nunca olvidando a outra que, ciumenta, me cobria de
beijos e me prodigalizava a ementa para o sábado seguinte.
Os meus avós não me eram menos
dedicados, nem eu a eles, já esqueci os seus sermões, mas não esqueci o espírito
que em mim incutiram, o espírito da devoção, da honestidade da solidariedade,
da honra pelo trabalho. Eram homens, muito me mimaram, mas era sobretudo com o
meu jovem marido, homem como eles, que gostavam de conversar. E claro brincar com
o nétinho, que os fazia babar e pouco maior era, à data, que um chorão.
Rezar-lhes na campa não redime a minha culpa,
por isso todos os idosos são para mim avós, os avós que já não tenho, os avós
que queria ter, ainda. Por isso um dia destes, quando na rua João de Deus fui
surpreendida por uma velhinha muito querida, não pude deixar de ver nela essas
avós que recordo com amor e com saudade, por isso a sua presença me foi
agradável, por isso me agradou que sem pudor se tivesse dirigido a mim que, com
a pressa com que sempre ando a não via.
Somos vizinhas, embora eu não o
soubesse, está internada num lar ali ao Alto dos Cucos, Fontanas, e espera como
quem desespera, que os dias se sucedam. O nosso encontro parece ter-lhe sido
grato, parece ter-lhe insuflado vida, mal sabe ela quanta gratidão senti em mim
por me ter procurado, por me ter tocado, e na verdade tocou-me de perto o
coração.
Sei ser para ela uma amiga por quem
espera à sexta-feira, eu não espero, procuro, procuro a amizade e gratidão
dessa e de tantas avós que há entre nós e a quem não devemos esquecer dizer
quanto amamos, antes que seja tarde, porque o tempo é uma roda, uma roda que
não pára.

Mãe é Mãe, e ninguém substituirá na
minha mente e na minha dor a sua memória, minhas avós sabiam-no decerto, já que
nunca a procuraram substituir, muito pelo contrário, todas as suas atitudes,
sem que o assumissem, foram no sentido de atenuar essa dor e não fazer-ma
esquecer, o que hoje reconheço acertado. Recordo ainda com saudade os seus
mimos, as suas carícias, as suas palavras de consolo, amparo e encorajamento.
As minhas avós souberam sabiamente deixar intacto um espaço que jamais alguém
ocupará no meu coração, o amor por minha Mãe que ainda venero com mágoa, com saudade,
e sobretudo com uma ternura que o tempo apagará em mim.
Se alguém me amou incondicionalmente
foi sem dúvida essa Mãe que todos os dias lembro e ainda me dá forças, para
lutar pela vida, por seguir-lhe o exemplo, que tão bem recordo. Como é grande a
pena que sinto por não a ter comigo, tão grande como o esforço que diariamente
faço para que se orgulhasse de mim se entre nós estivesse.
A saudade não tem fim.

*
By Maria Luísa Baião. Texto talvez inédito.
Escrito
sexta-feira, 8 de Setembro de 2006, 11:05h