Promessas,
promessas era o que me vinha atirando acima há algum tempo sem que eu acreditasse
minimamente no que quer que ela dissesse. Era uma questão de confiança e eu não
conseguia crer numa única palavra por ela proferida.
Tudo
me cheirava a esturro, a falso, a fingido, daí que me controlasse e não
proferisse sob nenhum pretexto, rasteira, tentação ou descuido a promessa que ela
por certo teimava arrancar-me.
E,
enquanto ela vomitava promessa atrás de promessa sabendo eu que nunca se
preocuparia em cumpri-las, sustinha-me, aguentava quanto possível cedendo parcimoniosamente
a tanta tentação que me rodeava porém jamais no essencial. Desistir ou
fraquejar não é a minha onda nem tão pouco a minha praia.
A
questão não era despicienda, e já se colocara a Shakespeare em “Ser Ou Não Ser”
** pois é mesmo duma questão de caracter que se trata, de formação, de educação,
de personalidade, de honra.
A
minha solidão é a minha liberdade. É verdade que a nossa civilização parece ter
desbaratado ou perdido, todos os seus valores, mas ainda não comecei a penhorar
os meus, nem penso vir a fazê-lo, talvez por isso por vezes pasme com o que
vejo.
Quando
acabou soergueu-se, limpou os cantos da boca com os dedos, esboçou um sorriso e
sussurrou-me:
-
Tão bom !!!!!!!
Depois acertou
o pijama que lhe caía dos ombros, ajeitou a toalha descambada no suporte,
colocou a escova dos dentes no copo e ficou minutos como que hipnotizada olhando a bisnaga ainda apertada na mão,
quiçá imaginando a promessa que dela espremera e inscrita a dourado sob a
marca, velha de décadas…
A
realidade é hoje fantasiosa, irreal, virtual, desvirtuada, por isso metade do
meu tempo é ocupado a interpretá-la, a descodificá-la, a traduzi-la, a desmontá-la.
E é isso que faço, se a monto também, a desmonto, observo-a e reconstruo-a, com
base não no que vi mas no que pensei e penso quando vi, ouvi, vejo ou oiço.
As
coisas não são portanto como são, são como eu as vejo, as ouço ou penso, são como eu sou e, nesse item a
tosca subtileza por ela usada comigo não pegou, perdeu, já que a lia, a despia,
desvendando-lhe as intenções e segredos, considerando-me cada vez mais intérprete
da sua manha, teia, malicia, perfídia, naturalmente defendo-me, fazendo-me de
mouquinho umas vezes e de parvinho outras. Ninguém sequer imagina quão poderemos
ganhar fingindo-nos de parvos, ou de moucos…
Mas
até a parvoíce tem limites, ela fartou-se de me aturar e, num repente, passou
das promessas a torto e a direito, minuto a minuto para, numa reviravolta
surpreendente dar o dito e feito por não dito, nem feito, e mandar-me à fava,
cortar todas as ligações esquecendo ser nas atitudes ou actos, mais que nas palavras
que encontramos a virtude e a verdade verdadeira, real.
Rejubilei
claro, sofrera mas nunca lhe prometera guarida, os meus trabalhos tinham chegado
ao fim sem descrédito ou desprestígio p'ra mim e, fosse eu Camões e teria mesmo
cantado;
* Da mágoa e da desonra ali passada,
A
buscar outro mundo, onde não visse
Quem
de meu pranto e de meu mal se risse.
** Hamlet,
príncipe da Dinamarca, de William Shakespeare, Acto III, Cena I