quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

177 - REDUNDÂNCIAS ................................................


               

Há uns vinte anos atrás ou talvez mais, o Hilário e eu conversávamos encostados a uma janela de um quarto do hospital, pejado de visitas a uma tia minha e sogra dele.

Bendizia-me o sossego do país, do meio rural impoluto, da segurança, do clima e do ambiente, factores de que o Alentejo seria o expoente máximo e razão de sobra para que tivesse abandonado a capital e aqui vindo parar, aqui onde e em boa hora conhecera a Ernestina, minha prima.

Eu contrapunha que a imobilidade e o atraso não eram solução, que teríamos que optar por uma terceira opção que seria o crescimento responsável sem demagogias, sustentável, mas não o convenci e desde aí que o nosso relacionamento só piorou, como se eu fosse ou tivesse sido culpado da ameaça desenvolvimentista que pairava sobre o país e o Alentejo, ainda que o tempo viesse a contemplá-lo no seu desejo de imobilidade sacra e, infelizmente para todos, a dar-me razão.

A filha, uma jovem formosa e bem formada, embarcou ontem na Portela rumo a Londres, em cuja periferia um modelar centro hospitalar a espera. A ela e a mais uma dúzia que com ela fizeram o curso de enfermagem...

Quando as coisas não são para todos acabam por não ser para nenhuns, e o sossego do país e da região chegarão e sobrarão para os poucos que por aqui ficarem... Todavia ao longo dos últimos quarenta anos conheceu exponencial projecção ou aceleração a divulgação promoção e realização de eventos variados ligados a todo o tipo de temáticas.

Ele são os encontros, os workshops, os seminários, os congressos, as feirinhas e festivais, os manifestos e assembléias, as cooperações “em rede” ou simultâneamente em rede e online, as exposições, os lançamentos a as apresentações, as iniciativas de empreendedorismos, os empreendedores, a própria iniciativa e as celebrações, festivais, jornadas, mostras e encontros, protocolos e lançamentos, oficinas e balanços, open days inaugurações e evocações, ao ponto de um velho amigo meu com responsabilidades editoriais me ter confessado uma vez ser completamente impossível, por escassez de meios, cobrir tão prolifica situação, ao que eu respondi se a memória me não falha qualquer coisa como “impossível e inútil.”

Na realidade penso que passados mais de dez anos sobre o diálogo que citei e fazendo um balanço empírico das coisas, continuo a não lhes encontrar hoje, como já não lhes encontrava então, fundamento justificativo, a não ser que a teimosia e a cegueira, ou as duas aliadas, façam parte desses critérios por parte de quem os desenvolve (aos acontecimentos, aos eventos), não esqueçamos que algumas dessas iniciativas vão já na sua décima ou vigésima edição !

Fazer um balanço implicaria a criação de mecanismos que permitissem aferir com alguma eficácia, no mínimo, o resultado de tais eventos, dos quais o objectivo económico anda tantas vezes arredado quantas mais é invocado ou apregoado. Se o cariz é económico e a coisa simplesmente não rende, mais ninguém deveria apostar nela pelo que o prejuízo ficar-se-ia pela primeira edição. Mas não, não é isso que acontece.

Nem ao menos nos contentamos com a sua edição e o consequente fecho no caso de não terem tido o sucesso ou retorno esperado para o valor do investimento, ou nos ficamos singularmente p’lo desenvolvimento de somente algumas edições que contudo tenham deixado pouco ou nenhum motivo de regozijo para nova repetição, ao invés disso assistimos a uma aposta e repetição cega e continuada como se o custo e o resultado fossem indiferentes aos seus promotores, eu diria então que das duas uma…

- Ou se trata de teimosos masoquistas, ou de altruístas queimando o dinheiro em prol dos poucos que usufruam da coisa, ou…

- Trabalham para aquecer ou com fundos aparentemente inesgotáveis, isto é com o dinheiro dos outros, sem que contas algumas tenham que dar ou a quem…

Importaria avaliar o resultado do desempenho de cada iniciativa, pois assim sendo haveria um motivo, conhecido, transparente, claro e evidente, inquestionável, para a reiterada continuação nessas apostas, evitando que a sua inexplicável repetição despoletasse interrogações como esta, quiçá até mesmo eivadas de demagogia, pois se as ditas ou as mesmas iniciativas pretendem inserir-se ou inserir as regiões em que se inscrevem na senda do desenvolvimento, sempre “sustentado”, de primeira ordem e da melhor estirpe, confunde-me que o desemprego aumente e o PIB desça substancialmente tanto mais quanto maior a aposta no sentido contrário, no caso nessas ditosas iniciativas.

Será bruxaria ou algo me escapa ?

A memória das gentes é curta, é sabido, e uma mentira muitas vezes repetida e malhada toma contornos de veracidade, sabêmo-lo, mas os que sabem uma coisa e a outra não são os outros, são os mesmos e que o saibam e em simultâneo a torneiem ainda menos os desculpará.

São estas contradições que me preocupam, e a menos que algo me escape não encontro justificação racional para elas, apesar das muitas noites de insónia e meditação a que me entrego, porque se me preocupa deveras o estado a que o país chegou, logicamente preocupar-me-à ainda mais o estado comatoso e deprimente da região em que me insiro, este nosso Alentejo, mau grado o ar pobrete mas alegrete com que efusivamente, ano após ano, se repetem as iniciativas que acabei de citar e tudo isto enquanto caminhamos para o abismo.

Serei o único a ver a coisa tão negra ?

Esta caminhada cega p'ro cadafalso ? 

Confesso por vezes me rio da coisa, porventura já vendemos mais canários ? 

Ou mais vestidos de chita ? 

Ou comemos mais açordas ? 

Mais bolotas ? Ou sopinhas ? 

Ou revolucionámos a exportação de ervas aromáticas ?  

Claro que tudo isto não passa de meros e insignificantes exemplos que poderíamos repetir até à exaustão, e, mesmo que nos façam rir não são sinónimo de anedota, antes de fundadas interrogações e tristezas.

Mas é uma verdade inquestionável que todos que por aqui vivemos temos a responsabilidade de dar uma ajudinha na recuperação disto, pois se até já a demos para que fosse ao fundo… Ou pensam que estamos onde estamos ou que chegámos onde chegámos por culpa exclusiva dos outros ?

Será caso para dizer que quanto mais força fazemos mais andamos para trás ? O que estará mal ? Sermos inconsequentes e irresponsaveis naturalmente ....