quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O ALENTEJO, SUA RIQUEZA E POBREZA .............


Portugal é pobre, um país pobre desde há muito, em especial se comparado com as nações entre as quais pretende viver e com quem se pretende comparar. Não existe a mínima possibilidade de o fazer, Portugal fica mal em quase todos os items com que se compare e dentro dele o Alentejo surge como a zona mais atrasada e empobrecida, com menor índice de poder de compra, elevadas taxas de desemprego, sobretudo entre os jovens e o caracterizado por de longa duração. Um rácio de volume ou valor de PIB diminuto em relação às restantes zonas do país, NUTS ou não, uma baixissíma taxa de crescimento que nos envergonha tanto quanto a alta taxa de desertificação nos acusa.

Foi sempre assim ? Não. O declínio do Alentejo tem a idade da nossa democracia, antes disso e durante bem mais de dois mil anos fora uma região rica, invejada e disputada por muito mais de vinte diferentes povos ao longo da história. Estrímnios, Otis, Sefis, Cempsos, Lusitanos, Minóicos, Cretenses, Fenícios, Gregos, Cartagineses, Celtas, Iberos, Celtiberos, Suevos, Visigodos, Romanos, Alanos, Vândalos, Judeus, Árabes muçulmanos e africanos, Ciganos, Franceses, Cónios, e nem irei citar os Ingleses por se terem limitado ao norte do país… Se casos há em que a riqueza do Alentejo só poderá ser provada a partir de indícios históricos não totalmente exactos ou comprovados, como acontece com a secular, disputada e ininterrupta ocupação do território, outros índices há, já cobertos pelo rigor da estatística do INE e cuja veracidade não poderá nunca ser colocada em causa.

 
                        "Velho de mãos na cabeça, às portas da eternidade" Van Gogh 1882.

Falo de ou da riqueza do Alentejo, deixo para outras mentes mais despretensiosas, triviais, a preocupação com a sua “re” ou distribuição. Este texto é abrangente, olha para a riqueza, não para quem a possuiu ou possui, não é essa a sua intenção, o objectivo é demonstrar que outros povos, outras gentes, aqui souberam encontrar e criar riqueza, aqui semearam, colheram, mineraram, transformaram, fizeram, produziram e enriqueceram. Penso não errar se afirmar que, sobretudo desde o início da mecanização do Alentejo, de que nos fala José da Silva Picão no seu “Através Dos Campos” a riqueza da região mais que triplicou, ainda que a redistribuição da riqueza gerada tenha, como todos sabemos, sido tão desigual quanto parece estar de novo a verificar-se nos nossos tempos e debaixo do regime democrático.

Antes de me debruçar sobre os povos que aqui a encontraram e criaram chamo-vos a atenção para dois autores alentejanos relativamente recentes, e ainda vivos, José Cutileiro e Galopim de Carvalho, da leitura de cujas obras, respectivamente "Ricos e Pobres no Alentejo" e “O Preço Da Borrega” podemos inferir que, a par da pobreza relatada e denunciada está ela, a riqueza, muita numas mãos, pouca noutras e nenhuma nalgumas ou na maioria, mas estava, existia, as suas obras disso nos dão conta e são testemunho. Depois deles o INE registaria os censos, os rácios, as taxas, percentagens, permilagens e índices matemático científicos inerentes.

Entre vinte a trinta povos palmilharam o Alentejo nos últimos três mil anos, nenhuma outra região do país foi assim ocupada, cobiçada e disputada, daqui não se partia, somente pela força, daqui não se abalava, como abalaram os do norte para o Brasil e para França, ou os “ratinhos” por aí abaixo a fim de aqui virem servir e (sobre) viver.

Aljustrel, S. Domingos, Arraiolos, Alcácer do Sal, Tróia, minas e minérios para objectos e armas, tinturarias para tecidos e talvez na origem dos famosos tapetes da dita terra, salinas porque o sal era um bem precioso e até considerado moeda, e salga de peixe porque não havia gelo e portanto não haveria hipótese de alguém nos levar numa tarde remota a ver o gelo, como o pai do coronel Aureliano Buendía o levou em Macondo, então uma aldeia, a conhecer a maravilha da invenção do gelo. Nessa época recuada o Alentejo era revestido de searas e vinhas que inclusive abasteciam o império romano, todas estas actividades eram âncoras e motivos que seguravam e atraiam povos e gentes a estas vastas planícies.


Evidentemente as causas do “apagamento” actual do Alentejo radicam em primeiro lugar na pobreza das politicas públicas, que têm esquecido o interior do país em prol do litoral, nada fazendo para contrariar essa tendência através de medidas de discriminação positiva para o interior, embora estas por si só não sejam nunca suficientes, o país não tem uma estratégia nem a longo nem a médio prazo, para nenhuma área, social, económica ou cultural, e muito menos para uma qualquer região. Esta é somente uma das razões pelas quais neste simples texto se tornará difícil efectuar uma qualquer prognose positiva do futuro alentejano, o poder local também terá o seu peso e é notório que em quarenta e dois anos de democracia foi incapaz de definir uma qualquer visão e agir de acordo com ela.

Dar-vos-ei dois simples exemplos tidos e havidos no coração do Alentejo, e seja ele o Alentejo profundo ou não, a verdade é existir uma terrinha onde alguém se lembrou de construir uma biblioteca igual à de Alexandria sem ter reparado não haver leitores, população leitora, pessoas com hábitos de leitura, é uma realidade quase tão inverosímil quão outra contada acerca duma outra terrinha onde, segundo reza uma história mirabolante, alguém terá plantado sardinhas de cabeça para baixo na esperança que nascessem carapaus de cabeça para cima. Claro que depois o dinheiro não chegou para faraónica biblioteca, faraónica e inútil, e as obras ficaram a meio, ainda lá deve estar o mamarracho, a que não sabem agora o que fazer pois nem ganham para a manutenção dos toscos, insólito ou não, é ou não é isto amar o inútil ? Um caso pontual, uma excepção que não faz uma regra, não contesto, é porém verdade infelizmente, é lamentável mas acontece, aconteceu no Alandroal e acontece um pouco por todo o Alentejo onde obras ou eventos completamente inúteis todos os dias ou quase têm lugar.

O caso apontado é um caso pontual e, ainda que insuficiente para validar uma regra é contudo demonstrativo do atraso que subjaz no Alentejo profundo como alguns lhe chamam, a par deste caso temos por todo o país dezenas de estádios do Euro 2004 agora às moscas e para os quais não há dinheiro nem para a manutenção. Nem é preciso estar no Alentejo para constatar a inutilidade das coisas, já perdi a conta às muitas associações, colectividades, instituições e entidades que existem por existir, que não acrescentam nada ao nada que fazem, passando a vida a discutir o sexo dos anjos tema do qual não passam. Trata-se portanto duma riqueza de colectividades, como já ouvi a alguém dizer, ou gabar-se, mas não passam de instituições que quando muito empatam, parasitam, vivendo de subsídios, subsídios de câmaras e de outras origens, consomem, gastam, não produzem nada, nada acrescentam à economia, não criam riqueza nem postos de trabalho em número significativo. Poderíamos acrescentar a cultura mas essa idem idem aspas aspas, sendo ainda por cima uma cultura fechada, kitsch, exclusiva, exclusiva na medida em que exclui, não puxa ninguém, não aglutina, não inclui, é elitista. São coisas que acontecem demasiadas vezes para que se fale delas simplesmente como casos pontuais.

Onde vivemos, na lua? Ou não costumamos sair à rua? O atraso do país, atraso em que o Alentejo leva a palma não é pontual nem casual, é natural, persistente e envolve quase todos os autarcas, decididamente a inteligência não é cena que lhes assista, não é a praia deles, não é a onda deles. Bem sabemos, o país emergiu de um atraso muito significativo, Roma e Pavia não se fizeram num dia, mas passaram-se mais de quarenta anos ! Quarenta anos em que nada ou muito pouco se fez de positivo !  


Não quero exagerar, mas também é sabido que pretendem candidatar essa tal terra e os seus fantasmas a património imaterial da humanidade, qualquer coisa ligada ao transcendente, ao esotérico, aos cultos endovélicos da pré-história, e lá está, mais uma inutilidade. Primeiro que tudo e antes de mais nada está o inútil, o que pouco ou nada acrescenta ao pouco nada que existe, nada de riqueza, nada de produtos, nada de empregos, nada que se apalpe nada que se veja, digam-me lá se não é isto a adoração dos magos, dos reis magos, do inútil, em que o inútil aparece sempre primeiro ?

Eu não contesto, mas foco a dimensão, a pequenez da coisa, limitada, redutora, é pouco, muito pouco, entretanto o Alentejo despovoa-se, vão-se todos embora, até porque nem todos ambicionarão lavar pratos, servir às mesas ou mudar os lençóis às camas, porque poucas mais que essas oportunidades serão oferecidas por esta dinâmica, é preciso planear as coisas, quantifica-las avaliá-las, ver se valem a pena, qual o seu objectivo, alcance, e observar se foi atingido, alcançado, se falhou, o que falhou, se vai continuar a insistir-se ou abandonar-se a ideia, capice ? É que sou daquelas pessoas que olham para um copo meio de água e o vêem meio vazio, outros olham para ele e veem-no meio cheio, é só isso, é preciso dar tempo ao tempo, dar tempo às pessoas para irem comprar uns óculos.

Entretanto o tempo passa, passaram-se quarenta anos, quarenta para decidir Sines, quarenta para decidir Alqueva, pergunto-me se será verdade serem os alentejanos lentos, quererão mais tempo, serão mesmo demasiado lentos, é caso para perguntar e depois gritar-lhes desviem-se. Em frente que atrás vem gente como diria a minha amiga Paula e com razão, reparem como os alentejanos são inconsequentes, tanto workshop, tanto isto e aquilo que parece que tudo mexe e vai-se a ver depois fica tudo em águas de bacalhau e nicles batatóides, tudo na mesma como a lesma, tudo coisas que não dão em nada, mas enfim não quero adiantar-me mais, sobretudo não pretendo que os meus leitores achem ter eu uma visão muito cínica da realidade, quer das coisas quer das pessoas, ou que exista por trás desta minha candura um certo cinismo, nem desejo ou vejo qualquer necessidade na exibição de qualquer cinismo cabotino, o cabotinismo desvirtua, prefiro-me contido, usar de reserva quando falo, não só usar mas obrigar-me a reserva e contenção antes de proferir as minhas opiniões e avaliações.

Todavia, outro exemplo, se analisarem com atenção e cuidado a legislação que regula o perímetro do grande lago, da barragem de Alqueva, é assim que gostamos lhe chamem, das duas uma, ou toda aquela legislação foi feita para amigos ou não vai deixar fazer coisa nenhuma. A exagerada dimensão exigida aos projectos que desejassem instalar-se nas margens da barragem ou foi feita de encomenda para alguém e travar todos os outros ou não vai servir para nada, dai tempo às coisas, dai tempo a isto, a esta questão, e iremos ver se tenho ou não tenho razão, tenho cá para mim que tanta água irá servir para bem pouco.

Como diria um amigo meu é rezar, rezar com fé e acreditar, crer, mas não me venham dizer não ter eu razão pois o tempo está do meu lado, quarenta anos se passaram e encontramo-nos ainda neste lindo estado. Mais quarenta e só cá ficarei eu e uns tantos parvos como a mim



Galopim de Carvalho “O Preço Da Borrega”

Nasceu em Évora, em 1931. É professor catedrático jubilado pela Universidade de Lisboa, tendo assinado no Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências desde 1961. É autor de 21 livros, entre científicos, pedagógicos, de divulgação científica e de ficção e memórias. Assinou mais de 200 trabalhos em revistas científicas. Como cidadão interventor, em defesa da Geologia e do património geológico, publicou mais de 150 artigos de opinião. Foi director do Museu Nacional de História Natural, entre 1993 e 2003, tempo em que pôs de pé várias exposições e interveio em mais de 200 palestras, pelo país e no estrangeiro.


Dinossáurios (Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, 1989) Colecção natura.
Vida e Morte dos Dinossários (Gradiva, 1991)
O Cheiro da Madeira (Editorial Notícias, 1993) Ficção, Colecção Excelsior
Dinossáurios e a Batalha de Carenque (Editorial Notícias, 1994) Ciência aberta
O Preço da Borrega (Editorial Notícias, 1995) Ficção, Colecção Excelsior
Os homens Não Tapam as Orelhas (Editorial Notícias, 1997) Colecção Excelsior
Geologia Sedimentar - Volume I (Âncora Editora, 2003) Sopas de pedra
Geologia Sedimentar- Volume II (Âncora Editora, 2005) Sopas de pedra
Geologia Sedimentar - Volume III (Âncora Editora, 2006)
Como Bola Colorida (Âncora Editora, 2007)
Fora de Portas (Âncora Editora, 2008) Biografia
Cuontas de la Dona Tierra (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009)
Conversas com os Reis de Portugal (Âncora Editora, 2013) Ficção
Evolução do Pensamento Geológico (Âncora Editora, 2014)
O macaco, os amigos e as bananas (Âncora Editora, 2015) Ficção


 José Cutileiro  "Ricos e Pobres no Alentejo"

José Cutileiro nasceu em Évora em 1934. Estudou antropologia social em Oxford e ensinou-a em Londres. Diplomata de1974 a 1994. De 1994 a 1999 foi secretário-geral da União da Europa Ocidental. Comenta relações internacionais no programa Visão Gobal, de Ricardo Alexandre; tem um Bloco-Notas no blog Retrovisor, de Vera Futscher Pereira, e escreve aos sábados um In Memoriam no semanário Expresso. Publicou “inter alia” dois livros de versos (O Amor Burguês; Versos da Mão Esquerda), um ensaio sobre o fim da Jugoslávia (Vida e Morte dos Outros), crónicas sob o nome de A.B. Kotter (Bilhetes de Colares) e numerosos artigos em jornais e revistas.


O amor burguês: poesia (197?);
Versos da mão esquerda (1961);
Ricos e pobres no Alentejo : uma sociedade rural portuguesa (1977);
Ricos e pobres no Alentejo : uma análise de estrutura social (1973);
Bilhetes de colares (1982-1987) (sob o pseudónimo A. B. Kotter; antologia de Vítor Cunha Rego para o jornal Semanário, 1990);
Vida e morte dos outros : a comunidade internacional e o fim da Jugoslávia (2003);
Bilhetes de Colares de A. B. Kotter (1982-1998) (antologia publicada em 2004);
Visão global : conversas para entender o mundo (com Ricardo Alexandre, 2009);
Abril e Outras Transições (2017).







José da Silva Picão "Através dos Campos"