E
estava eu olhando para Ele, orando e esperando que a tua ausência fosse coisa
passageira, temendo que as minhas palavras tivessem sido violência para os teus
sentidos, para a tua sensibilidade apurada, afinada e refinada, temendo que a
minha franqueza, sinceridade e honestidade te ferissem, por directas, mas
felizmente, não terá sido o caso, felizmente só te deixei sem palavras, um
paradoxo para mim, porque com elas te entreténs e brincas, com elas e com as
pessoas jogas, como queres e entendes desejas e te apetece.
Pois sem elas fiquei eu também, não sabendo a razão por que as perderas, nem as respostas às perguntas que com temor te atirei, apesar de recheadas de receio e desculpas, comedimento e apreensão, levado por uma avidez prenhe de conhecer-te, animado de uma curiosidade que acabei receando tivesse acabado por matar o gato.
Fui
franco e, como já tantas vezes tem acontecido, pequei por isso, se paguei por
isso estou para saber, e eu que fora tão cuidadoso ! Sabendo ser ela tão
sensível ! E eu sempre como que pedindo desculpa, admitindo-lhe o direito de se
calar, de não se expor, e ela zás ! Risca-me os planos mais inocentes e bem
intencionados ! Eu pensando já tou lixado, já borrei o pé todo, já a espantei
que ela não deve estar para aturar teimosias nem exigências, estará mais
habituada a fazer perguntas que a responder-lhes e resolveu o que eu devia ter
previsto, não ter satisfações a dar-me, e vou ficar de mãos abanando que é para
não ser parvo.
Felizmente
ainda não me riscou da lista, nem tudo estará perdido, porque será que as
pessoas toleram mal a franqueza ? Ainda estou para saber o que nela as
surpreende, e nunca mais aprendo, tanto me tenho lixado com isso e não aprendo,
já devia ter juízo, as pessoas temem que gostem delas, que as acarinhemos, que
as protejamos, sobretudo que lho digamos, assustam-se com isso, não percebo,
nem sei se alguma vez perceberei ou se é para perceber.
Bem…
nem tudo está mau, só ficou sem palavras, pior se tivesse ficado sem ar, ou sem
vida, sei lá, as emoções também matam, a mim dão-me vida, mas somos todos tão
diferentes apesar de tão iguais. E eu admitindo sempre a minha maldade, a minha
curiosidade descabida, a minha intromissão nos seus pessoalíssimos segredos, e
ela népia, ficou sem palavras ! A rainha das palavras, ela que brincava com as
palavras, ficou sem palavras ! Para nada tanta mesura dada, tanta delicadeza,
de nada serviram, nada evitou o choque das palavras, ficou sem palavras disse
ela, eu diria que descarrilou e perdeu as palavras, não terá ficado sem
palavras, terá sim ficado com elas por ali espalhadas, buscando-lhes o senso,
procurando juntá-las de novo, dar-lhe sentido, procurando-lhes um nexo, vamos
dar-lhe tempo, ela sobreviverá a tanta franqueza, ela é rija, ela é capaz, ela
vai recompor-se.
Sem
palavras fiquei eu, nem uma das respostas satisfeita, nem uma das curiosidades
abertas, sem saber como lidar com ela, duvidando de mim, do meu jeito e modos,
francamente… Fiquei aliviado, não fui excluído, até ver, mas fiquei na mesma,
sem palavras… Ou com elas chocalhando no cérebro, entrechocando-se até que,
como ela gostava de dizer brincando, as nossas palavras voltem a chocar-se.