Foto da mui premiada eborense Helena Margarida de Sousa |
A nova linha férrea projectada entre
Sines e o Caia, a tal que permitirá a nossa ligação à Europa, tem suscitado
imensa atenção e contestação. Infelizmente não somente pelos factos caricatos
ligados à bitola, já de si um facto nada despiciendo e, como já
estou habituado a ver passar os comboios foi ao invés a curiosidade acerca desse
e de outros factos quem me fez parar para meditar.
A todos suscitou atenção por ser um
grande e estruturante investimento, ou seja, tal como aconteceu com Alqueva
também este vinha com quarenta anos de atraso, porventura estaremos fazendo agora
o que deveria ter sido feito logo após Abril, dotar o país de infra estruturas
que o definissem, que o estruturassem, lhe servissem de cabide, esqueleto,
estrutura, por isso se chamam estruturantes. Tivesse tal desiderato sido
cumprido e a dicotomia hoje existente entre litoral e interior não se
verificaria.
Contestação por se terem gerado
dissensões entre o investidor e as várias entidades ao longo do percurso
anunciado, no caso de Évora por passar dentro da cidade, noutros casos por passar
fora ou muito próximo, ou ainda por não parar em muitas delas, nem para elas haver sequer projectadas
estações e apeadeiros nesse trajecto. Porém nunca o
foco esteve apontado ao fulcro ou cerne da questão.
Tenho lido com muita atenção todos os
artigos sobre o tema, contudo não há bela sem senão e, embora crendo piamente nas
palavras e razões que leio, não posso deixar de confessar há muito ter deixado
de confiar na informação que nos dão de bandeja e oriunda de centrais
noticiosas que tudo uniformizam, centralizam e “empastam, formatam ou empacotam”
para consumo interno. Atrevo-me a confessar que perco muito do meu
tempo espiolhando na net os sites da imprensa estrangeira e o que dizem sobre
Portugal.
Longe de mim chamar aos nossos órgãos
de informação mal-intencionados ou desconhecedores dos factos, pois se as
próprias agências noticiosas lhos escondem… Mas sucede que se na ocasião nem me intrometi
nem tão pouco me incomodei quando da polémica quanto à linha Sines – Évora – Caia,
tal se deveu ao facto dessa linha simplesmente não ter sido pensada e nem vir a
ser construída para nós, p'ra nós alentejanos. E diria mais, diria que do ponto de
vista do executante, do investidor, a enorme extensão do Alentejo só prejudicará
e encarecerá o projecto, não fosse a sua planura, sua nossa, do nosso Alentejo,
e alguém teria já gritado aqui d’el-rei, isto é um estorvo...
Todavia a verdade contada nos mentideiros
é outra, conta-se que há muitos anos, quando da concessão do porto de Sines ao
operador de Singapura terá sido assinado entre as partes um caderno de encargos
vultuoso e volumoso. O governo português ter-se-á atrasado, terá falhado, não terá
cumprido ao longo do tempo programado o acordo estabelecido, enquanto o
operador foi cumprindo a sua parte e exigindo a Portugal que cumprisse com a
que lhe cabia. Quanto a estes factos diz-se muita coisa, alegadamente que em
alternativa o nosso país terá ao longo do tempo compensado com contrapartidas o
operador cumpridor, como que indemnizando-o, ou aceitado esses factos a título
de castigo ou de multa pelos atrasos constantes que originou. Chegados a este
ponto e como diria uma amiga minha, adiante, ou em frente que atrás vem gente.
Há um momento a partir do qual por mais
ou muitas cláusulas do investimento que o operador de Singapura tivesse
cumprido todo o seu labor se tornaria inútil sem a parte correspondente a
cumprir pelo estado português, precisamente o caminho-de-ferro há décadas
acordado e prometido, ligando Sines à Europa e sem o qual toda a actividade do
porto ou do Terminal de Contentores de Sines se tornaria um contra-senso. Na continuação do incumprimento pela nossa
parte o operador terá supostamente movido uma acção contra Portugal nos tribunais
internacionais exigindo ao nosso estado biliões de indemnização, o processo decorre
há perto de dez anos e toda esta pressa em construir a linha férrea nada mais
terá que ver que fugir com o cu à seringa.
António Cunha, Estoril, “A última paragem” |
Não sei como tudo isto, que é muito triste,
irá acabar, não sei se vamos ter que entregar, dar a Singapura o porto de Sines
a título de compensação pelos prejuízos acumulados e expectativas de negócio
goradas que lhe causámos, não sei se teremos que entregar-lhe todo o país, o que sei é que o que parece menos
interessar, e só atrapalhar, é todo este enorme Alentejo, reivindicativo mas
ao abandono, senhor dos seus direitos mas incapaz de impor deveres, estratégias,
tácticas, que sempre atira as culpas do seu atraso para cima dos outros e de
onde partem dez pessoas por dia, 3.650 por ano, ou seja 36.500 em dez anos segundo rezam as estatísticas.
Ignoremos momentaneamente o porto de
Sines, um dos melhores portos de águas profundas da Europa, actualmente dos
poucos com possibilidades quase ilimitadas de expansão enquanto por toda essa
Europa os outros portos de mar estão há muito encalhados no sucesso que tiveram
e impossibilitados de crescer. Ignoremos Sines para dissecarmos Singapura, uma cidade
estado com uns meros 716 km², uma república parlamentar onde vivem 5 milhões de
pessoas.
Basicamente é esta a radiografia do armador
do terminal de Sines, um país líder mundial em diversas áreas, sendo o quarto
principal centro financeiro do mundo, o terceiro maior centro de refinação de
petróleo a nível mundial e ele mesmo um dos cinco portos mais movimentados deste planeta,
sendo Singapura um dos países mais ricos. O país tem o terceiro maior PIB per
capita por paridade do poder de compra da galáxia, apresentou o maior Índice de
Desenvolvimento Humano dos países asiáticos sendo o 9° melhor do mundo em 2014 e tendo uma história singular, Singapura foi ocupada pelo Japão durante a
Segunda Guerra Mundial voltando ao domínio britânico após esse conflito, tendo-se tornado autogovernada,. Estava-se então em 1959, passando a Estado totalmente
independente em 1965.
Em contrapartida Portugal tem 92.256
km² e uma população estimada em 10 milhões, ou seja temos para contrapor a
Singapura o dobro da população e um território 130 vezes maior, quanto aos
restantes parâmetros todos nós melhor ou pior os conhecemos e nem vou sequer falar
neles por nem valer a pena e desgraçadamente me envergonharem.
Por mais justas, nobres, bairristas e
patrióticas que se nos apresentem as nossas exigências de passagem ou paragem no
Alentejo, não podemos esquecer que somos estatisticamente uma região despovoada,
sem futuro e a mais atrasada do país e da Europa. Falta-nos massa critica,
peso, densidade, volume, ficámos demasiados anos a ver passar os comboios e
enredados na nossa pequenez e mesquinhez e agora, agora que se movimentam
negócios de biliões para perto de 300 milhões de habitantes por toda a Europa
nós queremos impor a nossa marca, imprimir a nossa dedada, ignorando que cada
paragem de um comboio desses que passaremos a ver passar, implica um custo que o
volume de passageiros ou mercadorias que lhe poderíamos atirar para cima não
compensam em custo nem o tempo nem o dinheiro perdidos numa paragem.
E não saberão os de Singapura do
projecto megalómano da Biblioteca de Alexandria que definha no Alandroal,
quando não é que se ririam de nós a valer. Mas vamos ao que interessa, os comboios,
pararem aqui, para carregarem uma dúzia de toneladas de pedra mármore a cada
trinta dias ? Ou para descerem ou subirem uma vintena de
empresários mensalmente ? É que as contas que ainda nem fizemos os de Singapura
decerto as resolveram há muito tempo e acredito que se fosse coisa que interessasse
eles se lembrariam de fazer paragens, apeadeiros, estações e o mais necessário
à rendibilidade do seu negócio.
Não esqueçamos que em redor do negócio à volta
desta tão polémica linha férrea giram milhares ou milhões de toneladas de
contentores, de dólares, de euros, de volume métrico, de valor, de dimensão, de
escala, tudo números astronómicos que nem sequer conseguimos imaginar.
Nós não
passamos para os mentores deste investimento do mosquito que pica, que
incomoda, que infecta, enfim, contrariedades, há que contar com elas e saber
torneá-las sabiamente. Certamente terá sido assim que Singapura se guindou ao
lugar que ocupa no mundo, um lugar cujo Hub marítimo ocupa a terceira posição
no planeta, a primeira no sudeste asiático e cujo orçamento supera dezenas de
vezes o deste modesto, endividado e desde 1143 incipiente país.
Naturalmente também eu detesto ficar vendo passar os comboios, sobretudo se como estes, forem comboios de quilómetros, com centenas de carruagens passando de meia em meia hora, alheias a nós, não já cantando "pouca terra pouca terra" mas sussurrando-nos "a Europa não é aqui, a Europa não é aqui"...
Ainda se funcionássemos na dimensão,
no ritmo e à velocidade do resto do mundo, talvez nos ouvissem, quem sabe...
Foto da mui premiada eborense Helena Margarida de Sousa |
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