segunda-feira, 29 de junho de 2015

250 - SALAZAR, PERMANÊNCIA E PREMÊNCIA...


        5ª e  Última parte:


E chegámos finalmente ao final, não ao fim porque a historia nunca tem fim, mas aos finalmentes, à explicação da inclusão, no titulo, da polémica palavra premência, que também se poderá entender por necessidade, ou até urgência, imprescindibilidade, latente ou manifesta, e será que o é ? E se sim, porque o é então ?

Os romanos já há dois mil anos que o sabiam, este povo nem se governa nem se deixa governar, a menos que beneficie ou disponha, ou lhe imponham condições especiais, ou excepcionais, como a história nos tem demonstrado.

Quando em 1973 Mário Soares fundou na Alemanha com meia dúzia de amigalhaços o PS, certamente tinha em mente uma democracia como a alemã, como as europeias, pão, paz, habitação e liberdade, muita liberdade (que aliás entre nós cedo evoluiu pra libertinagem). Soares terá confiado ser suficiente para Portugal (ele sonhara-se imprescindível ou insubstituível) elaborar um mero programa democrático, o resto ficaria ao cuidado dos mercados, do mercado e da sua mãozinha invisível, e claro das feiras e romarias pategas em que o país ainda vegeta, se realiza e aplaude. Nunca terá ocorrido a Soares que uma economia idêntica à alemã, fortemente industrializada, produtiva, inovadora e exportadora, dinâmica e organizada, tem que ser feita à mão, exige muito saber e dá muito trabalho. Quando não nasce e desenvolve-se uma economia selvagem e predadora, que é o que temos e lhe podemos agradecer, pois nunca fez nada em contrário, antes muito a favor, tendo até a fama de nunca ter lido os dossiers das matérias antes de um conselho de ministros ou de outra quaisquer tomadas de decisão. 

Ficará na história como um péssimo, talvez o pior PM que Portugal teve, e se não ficar agradeça a PPC que tudo tem feito pra o superar.

Lembro-me de ser militar quando nos quartéis (e não na AR) o problema candente na época, que arrastava todos para assembleias de marinheiros, era o da “Unicidade Sindical” e da ameaça de divisão que sobre ela pairava. Efectivamente Soares, ou o PS (eles confundem-se), abateu-a com legislação apropriada ao fim, com a criação da UGT e a ajuda desinteressada de muitos marcos de uma qualquer fundação alemã cujo nome agora me escapa.  Estava assim quebrada a espinha dorsal e a força do movimento sindical português, que aliás, a exemplo dos partidos, não evoluiu pra nada de bom e se debate também com a falta de sindicância e sindicalização dos nossos trabalhadores. Nada surge por acaso. O sindicalismo actual pactua com os partidos, PC e PS/PSD/CDS, defendendo essencialmente os trabalhadores instalados, bem ou mal mas instalados, defendendo-os contra tudo e contra todos, com razão ou sem ela. Um absurdo e uma incongruência, tal como o facto de os seus pontas de lança se perpetuarem nos lugares a vida inteira.  

Mas continuemos, com o tempo este senhor tão fixe e o seu partido viriam a “não” resolver muitos outros problemas do mundo do trabalho, foi igualmente pela sua mão, e do PS, que surgiu em Portugal a novidade do contrato de trabalho a termo certo, isto é o contrato de trabalho a prazo, pai dos recibos verdes que, maravilha das maravilhas, haviam de reproduzir-se como cogumelos para exportação, os incontornáveis precários. Se tantas vezes chamo a esse partido o partido do NIN, nem sim nem não, é porque ao longo de quarenta anos nunca o vi dando um murro na mesa, ou colocando-lhe em cima os tomates. Não deu nem os tem, por isso quarenta anos passados luta por clientela como se tivesse nascido ontem, mas, no entretanto, os seus feitores não terão razões para mal dizer esta democracia de trampa que lhes devemos. Pouquissímos anos mais tarde, uma fonte cavaquista de “não” resolução de problemas legislaria no sentido de desobrigar o patronato a cativar e endereçar automaticamente aos sindicatos o valor das quotas cobradas no vencimento dos trabalhadores, o que do ponto de vista económico foi mais uma machadada na independência dos ditos cujos sindicatos.

Curiosamente o essencial do Portugal de 73 manteve-se até ao governo de Passos Coelho e outros trapalhões. Fundos de pensões, Segurança Social, ADSE, Hospitais Militares, e outros aspectos sem razão de existência e que logo a 26 de Abril deviam ter sido corrigidos, somente agora o foram ou estão para ser, infelizmente a par de muitas outras medidas cuja solução peca por tardia e continua sem desenlace. Portugal pouco ou nada, ou mal e porcamente se reformou nestes passados quarenta anos, nem tão pouco agora, com a 3ª ou 4ª vinda da Troika. Não estamos mal devido a um acaso, estamos mal porque nada fizemos ou foi feito, porque se rouba demais, porque se tem vivido desde o 25A de enganos, de irresponsabilidade e desresponsabilização, em impunidade completa, ou quase, já que ninguém rouba um frango ou uma lata de ervilhas sem que vá logo preso.

No estado em que o país se encontra surge de novo a necessidade causa e justificação pra um governante da craveira de Salazar, ou de Estaline, o evoluir das coisas ditará qual o estilo e a cardadura das botas, porque quanto à figura a dúvida não me assiste, só falta ver-lhe a cara.

Um país em que até o TC (Tribunal Constitucional) delibera em função dos que estão instalados, esquecendo uma, uma não, duas gerações, que pagam as favas sem ter culpa alguma da situação, está mais que pronto para explodir, ou a aceitar, aliás aplaudir quem apareça com a oferta de um mínimo de justiça, de igualdade e sobretudo de esperança e emprego, pois a democracia por si só não mata a fome a ninguém. Esperança e mobilização serão os motores do nosso “Podemos”, do nosso “Cidadãos”, do nosso “Syrisa”. Eu não quero ser quiromante, ou bruxo, mas já anda por aí alguém acarretando esse mínimo de garantias, sem mentir e sem se rir nem ficar sério, e não sou eu que o digo, são os jornais que já perceberam o fenómeno e contra quem já iniciaram o contra ataque apodando essa figura de fascista.

Ora o jornalismo barato e sem conselheiros técnicos desconhece que a psicologia existe, e funciona, e que quanto mais fascista lhe chamarem mais publicidade e votos lhe darão. Para muito português, em virtude da falta de virtude desta democracia, fascismo vai-se tornando sinónimo de estabilidade, de crescimento, de emprego, de segurança. A censura ? Ora que se lixe, agora há liberdade e deu no que deu, agora qualquer idiota fala na Tv e escreve em jornais (Umberto Eco dixit) o panorama é até pior agora que o era há quarenta anos, em que a juventude dessa época conseguia ler nas entrelinhas, em contraponto a actual nem consegue ler um título com letras do tamanho de um burricalho. Mas em frente que atrás vem gente. Alguém que tem vindo a ser apodado de desbocado vem emergindo com um discurso espontâneo, genuíno, vero, liberto do politicamente correcto, um discurso mais afastado que imaginar se possa dos discursos NIN… Alguém com profundos conhecimentos e prática de direito, e que saberá agir quase como um ditador, com a graciosidade e o à vontade de conhecedor da lei e do género humano, ou como o fascista que os jornais lhe chamam, saberá mover-se nos limites da legalidade de modo bem melhor que o actual e trapalhão governo que já por várias vezes os pisou e até ultrapassou.

Estejamos de ora em diante atentos ao epifenómeno Marinho Pinto e façamos as nossas contas. Outra figura antítese do NIN é Henrique Neto, nem quero imaginar a volta que este país daria se esses dois chegassem ao poder, aí sim, seria a revolução que tem sido adiada há quarenta anos.

Este povo precisa, necessita, aplaudirá quem vier amá-lo. Este povo precisa sentir segurança, mas também sabe que precisa ser morigerado pois tudo nele são excessos.  Este povo sabe que em tempos a Pide, as policias e a GNR actuavam como taxas moderadoras, e sabe que terão que actuar agora como elementos dissuasores dos abusos populares e democráticos em que viemos a cair e se transformaram na nossa ruina, o povo sabe na sua secular sabedoria quanto precisa ser guardado de si mesmo, sabe que o medo guarda a vinha.

Confio que os portugueses saberão recuperar o sossego perdido em 74 e deixar o país e as pessoas crescer e viverem. Somos poucos, infelizmente sempre encalhando uns nos outos, sempre minando o outro com um escolho, atravancando, estorvando, falando até de quem nem conhecemos, emitindo juízos de opinião para os quais ninguém nos licenciou, mentindo, aldrabando, burlando, roubando, todos os dias os mídia nos dão conta de um novo caso, ou dois, ou mais, rouba-se mais do que se trabalha. Com Salazar ou Estaline não se arrastariam problemas por resolver durante 40 anos, como os do aborto, da educação sexual nas escolas, Camarate, e os novos que aí temos mais recentes, BPN, BESCL, etc etc etc… De um dia para o outro acabar-se-ia o consumo excessivo do álcool entre os jovens, ou e os excessos de velocidade, com o abuso das providências cautelares, as burlas, as falências fraudulentas, o enriquecimento ilícito, a venda de empresas estratégicas, (Bava e Granadeiro e muitos mais estariam há muito tempo em Caxias, no Aljube, em Peniche ou no Tarrafal), a ética e o mérito seriam de novo erigidos os valores supremos.

Creiam que desacreditei desta democracia, os partidos deixaram há muito de representar o povo para tratarem dos seus interesses ou dos interesses dos seus acólitos, do PS já falei, construído à imagem e semelhança de um homem é o rosto do falhanço da nossa democracia, atolou-se em intrigas palacianas que conduziram o país ao caos em que se encontra e não irei adiantar-me mais. O PSD ficou órfão com a morte de Sá Carneiro e julgou ter encontrado um padrasto num homem que fazia no momento a rodagem a um carrito barato, enganou-se, afinal tratava-se de um economista que percebe de tudo menos de economia e arrasou a nossa a troco de um prato de lentilhas vindas da CEE, desmantelou as pescas, a indústria e esqueceu a agricultura a troco da promessa de call centers… O milagre do terciário que levaria Portugal à modernidade… Esse Portugal está hoje praticamente reduzido a um grupelho influente de gente que nem em sonhos sabe o que seja a cultura, sonho que partilha com as gentes do CDS, acerca de quem direi somente representar a direita mais caceteira e retrógrada, desejosa de se vingar dos malefícios que injustamente (temos que reconhecer) o PREC lhe fez cair em cima, uma direita que em quarenta anos não se modernizou nem actualizou, que trucida diariamente os dez mandamentos e vive alimentando-se de um revanchismo serôdio que será irrevogavelmente a morte dela. Hoje muitos desconhecem, ou desconhecemos quase todos, homens íntegros nessas áreas como Adriano Moreira, Bagão Félix e Freitas do Amaral, todavia toda a gente no mundo conhece o que devia ser secreto, os nossos espiões, que se dão até ao luxo de chantagear nos jornais e televisões o governo inteiro.

Hoje, como os romanos há 2 mil anos, acredito que para grandes males do nosso povo só grandes remédios. Venha um Salazar ou um Estaline, o diabo que escolha…


   4ª Parte

1-     Mas Salazar nunca falhou ? Claro que falhou e muito, ainda que não tanto nem com tanto prejuízo para nós quanto os actuais democratas nos descarregaram em cima, que irá fazer-nos descer aos infernos tantos anos quantos Salazar levou a tirar-nos de lá após os desmandos do centrão da 1ª República. Que essa sim, acorrera a tempo de imolar uns cordeiros nas trincheiras da Flandres só para garantir um lugar à mesa das negociações do armistício, tentando não perder as colónias que ingleses, franceses, holandeses e alemães tanto cobiçavam. 
O que no fim foi conseguido, custou-nos mais ou menos a módica quantia de 2.200 baixas, entre mortos e desaparecidos em combate, a que há que acrescentar quase 6.000 feridos, tendo regressado perto de 50.000 stressados de guerra, ou gaseados como ficaram conhecidos. (fontes menos idóneas citam o dobro ou triplo de mortos e feridos). A verdade estará no meio como habitualmente. 
Recordemos que integrados no CEP (Corpo Expedicionário Português) foram enviados para França 100.000 soldados. Todo este padecimento concentrou-se essencialmente em 9 meses dos anos de 1917 e 18, só a batalha de La Lys parece ter consumido perto de metade do total destas baixas em cerca de 4 horas de combate. Um preço alto, exagerado sem duvida, mas por cá, entre os corajosos, festeja-se anualmente a triste efeméride (entre os parvos ainda mais se festeja, santa ignorância), celebra-se a honra do dever pátrio de morrer, quando é sabido que os nossos soldados para lá foram conscientemente enviados sem treino, e sem equipamento nem armamento à altura mínima da dimensão do conflito. 

     Em Portugal o designado CEP só não nos envergonhou porque todos calaram a verdade, a imprensa em especial. Salazar não apanhou com a I GG, mas apanhou com a segunda, à qual soube eximir-se magistralmente, poupando-nos aos horrores desse horrível cataclismo, pessoalmente lamento que isto não tenha sido arrasado, ele inclusive, e o país renascido das cinzas como a Fénix, mas adiante. 
Salazar eximiu-se ao conflito sabiamente, negociou com ambas as partes mantendo incólume a independência, inclusive a territorial (que no conflito 14-18 tantas vidas nos custara para ser mantida). No contexto de Guerra Fria que se seguiu, mantendo Portugal uma velha aliança com a Inglaterra e a base das Lajes alugada aos EUA, ambos países vencedores, alimentando Salazar uma aversão figadal às teses comunistas da URSS, quem esperavam que ele abraçasse ? É tudo realpolitik men ! 
Naturalmente abraçou os da mesma cor e vizinhos, com quem Portugal mais tinha a ganhar ($$$$) em manter boas relações. Foi uma escolha óbvia, tal qual a adesão à NATO, teria o país nesse contexto outra opção ? Mas… ao não aceitar participar no Plano Marshall (o pacote incluía a democratização do país e das instituições), oferecido em condições idênticas às dos países atingidos pela devastação da guerra, Salazar voltou a errar em grande. 
O apego ao poder foi mais forte que ele. Salazar, tal qual qualquer partido de hoje faria, não duvidem, tudo fez para se manter à frente deste barco e, olhando em volta e julgando pelas atitudes e resultados que observo, comparando com o passado, ainda bem que ele ficou. Acho que Portugal, ao invés de o invectivar, como faz de há quarenta anos para cá, devia fazer-lhe justiça e estudá-lo bem a fundo. Salazar foi erigido o bode expiatório do fracasso que foi e é o 25 de Abril, Abril que ainda não fez melhor que ele e corre o risco de, tal como aconteceu na 1ª República, deixar tudo ir mesmo ao fundo. 

    Salazar merece ser estudado e ensinado às criancinhas, quiçá de modo mais urgente aos adultos, sempre de boca cheia desfazendo nele quando nem de longe lhe conhecem a obra, nem tão pouco a biografia, o professor e historiador Filipe Ribeiro de Menezes elaborou recentemente uma óptima biografia de Salazar que editou e distribuiu somente em inglês e no mundo anglo saxónico, provavelmente por ter achado que a sua divulgação aqui seria deitar pérolas ao chão… 
Rodeado por estas circunstâncias que fazer em 1961 quando rebentou a guerra nas colónias ultramarinas ?  Salazar quis ou pretendeu manter intacto o património que lhe tinha sido confiado e que tantas vidas custara ao país. Outro erro, não contesto ter acertado ou não ao recusar-se a conceder-lhes a descolonização, errou ao não ter posto em prática o velho plano de Norton de Matos, errou em não ter explorado a fundo as suas riquezas, Portugal não explorou nem dominou as colónias, por pouco não se tinha limitado a estar lá, como por cá os ministros desde o 25 de Abril, que se têm limitado a sentar-se nas cadeiras do poder e estar, sem nada fazer, por fazer está tudo ainda volvidos quarenta anos… Talvez por isso de diga "estar-se ministro", e não "ser ministro"...

2-     E que dizer dos majores Valentins que ganharam rios de dinheiro com a guerra e a prolongaram durante 13 longos anos ? Toda a gente fazia comissões atrás de comissões, ganhando imenso dinheiro com isso, e quando deixaram de ganhar, quando os oficiais milicianos ameaçaram o tacho aos oficiais do quadro permanente como reagiram estes ? Fizeram o 25 de Abril…
Fizeram quem ? Os mamões, aqueles para quem a guerra sempre fora um negócio, uma cambada de ignorantes à frente dos quais sobressaiu Otelo, quando hoje vejo ou leio entrevistas do homem só me posso interrogar como foi que o exército deixou á solta um louco daqueles, como acreditou um exército, uma nação, em tamanho idiota ?  Tamanho cretino ? Tamanho ignorante ?
Portanto não se admirem de termos acabado como acabámos, ou estamos, o único que se aproveitava era Melo Antunes e o Senhor cedo o chamou a si. Foram aliás os militares quem conduziu este povo ao logro em que caiu e de onde ainda não saiu. Os militares fizeram desde o 1º minuto a apologia e campanha pelo socialismo, quando eles mesmos nem mudar a fralda sabiam. Porquê o socialismo e não outro ismo qualquer ? Que forças e interesses ocultos animavam esses democráticos e ingénuos militares ? 
O povinho como sempre batia palmas a tudo viesse quem viesse e aparecesse quem aparecesse, e até as bateu ao Almirante Pinheiro de Azevedo quando este, discursando de uma janela alta na Praça do Comércio o mandou à merda. Eu estava lá.

3-       Estava para aqui a escrever e a lembrar os muitos acidentes dos nossos rapazes em África, por exemplo o do filho do saudoso senhor Silvano Manuel Cágado, das bicicletas (que por isso vestia sempre luto), foi um dos primeiros a tombar, ao avançar para tomar o avião que havia de trazê-lo de volta, descuidou-se e a pá da hélice cortou-lhe a cabeça em duas. Era eu criança e muito me sensibilizou tê-lo sabido. 
Em treze anos de guerra colonial, segundo o Estado-Maior General das Forças Armadas, faleceram na Guerra de África 8.831 militares portugueses. Curioso é que, de acordo com a mesma fonte, 48,5 por cento, 4.280 militares, morreram em resultado directo de acções de combate e 51,5 por cento, mais de metade, em acidentes e doenças, 4.551militares. 
Cerca de 9.000 mortos, cerca de 30.000 feridos dos quais resultaram infelizmente também deficientes físicos. (5.120 com grau de deficiência superior a 60 por cento. Extraído do livro Cronologia da Guerra Colonial, José Brandão, 2008).
Ora por muito tristes que estes números, observados ao longo de 13 longos anos de guerra possam ser, se comparados com o elevadíssimo número de baixas registadas durante os escassos meses de 1917 e 1918 em que o CEP lutou na I GG, ou com a média actual de mortes nas estradas, levam-me a pensar que devia ter sido exigida aos chefes militares nas colónias uma vitória inequívoca, e nunca permitido o prolongamento “comercial” da guerra, ou em alternativa ter-se exigido aos políticos, Salazar incluído, uma solução politica, negociada, e não a debandada em que resultou a descolonização, a qual nos querem fazer crer ter sido exemplar. 
Não foi, foi um desastre, e só não foi um desastre maior porque dos USA, o Satã americano, nos atiraram com milhões de dólares para apoio aos retornados das colónias, o célebre IARN, Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais, o que permitiu a muitos refazerem a vida e abrirem negócios e empresas, os restantes, e muitíssimos, foram rateados pela função pública, vem daí o início do excesso de pessoal no nosso funcionalismo… 
Quanto à descolonização, a única coisa que os movimentos ditos de libertação respeitaram quanto às linhas do acordo de Bicesse, foi a data da independência… Tanto jovem morto durante 13 anos para quê ? Se nem uma gota de petróleo de lá veio, foi cara a factura que pagámos, porém não tão cara quanto outros cobraram à esquerda e à direita, Hitler, Pinochet, Vileda, Estaline, Bush, Mao, Pol Pot, Somoza, Franco, etc etc etc …

4-  Salazar tem que ser, como disse Garcia Lorca, estudado “dentro das suas circunstâncias”, e essas foram o mundo… A última vez que nos sentimos grandes foi com ele, cujo nome foi abusivamente apagado da única grande obra efectuada sem ultrapassar os termos do contrato, quer em prazo quer em orçamento (coisa que viria a tornar-se inédita em democracia) a construção da ponte sobre o Tejo em Lisboa. 
Mas este desígnio concretizou-se também em prédios de habitação (e não só) por todo o país, em Évora conhecemos bem “os prédios da caixa” após a Nau, ou os grandes prédios da Extinta Fundação Salazar, posteriormente rebaptizada de Catarina Eufémia, na Horta das Figueiras, obras do regime Salazarista para obstar às barracas e dar a todos os portugueses uma habitação digna.
Por todo o país acontecia, e só o consumo de quase 50% do orçamento de estado pela guerra, um exagero, travava a evolução na metrópole, o que mais vinca quanto errada essa guerra foi. But… La Nave Va… 
O eclodir do 25 de Abril colocou fim a todo este lento mas linear crescimento e traçou o risco de partida para o abismo em que nos encontramos. 
Gostes tu amigo ou não gostes de ler o que te digo. Há quarenta anos que o que mais nos dão são paroli paroli paroli….

5-       Depois do 25 de Abril as taxas de crescimento do PIB começaram a decair até hoje, 2015. O investimento não, (o 25 de Abril  primeiro e a CEE depois, fomentaram o investimento até perto do ano 2000) porque Salazar errara de novo, nas suas jogadas habituais com um pau de dois bicos readoptara entre 1931 e 1938 o padrão ouro para a nossa moeda, todavia diversos factores e a instabilidade vivida a nível mundial levaram-no a ancorar o escudo à moeda inglesa, libra esterlina e depois da II GG ao dólar americano, o que na prática significava possuir uma moeda forte (e nos obrigava a proceder como tal), o que somado à fobia de Salazar pela inflação o levou a uma governança contida e a entesourar moeda, deixando os cofres cheiíssimos (erro, porque abandonado o padrão-ouro Portugal estava desobrigado da convertibilidade da moeda, em ouro). Ao invés do país desenvolvidíssimo, industrializadíssimo, moderníssimo. 
Digam o que disserem o berço onde se nasce conta muito se a cabeça por milagre não ajudar. Uma moeda forte facilitava-nos as importações mas coarctava as exportações, mantendo o país numa modorra calma, lenta, pesada, perniciosa, apática. Todavia apesar do erro da moeda forte Salazar não embarcou no logro das importações, veja-se o exemplo do trigo, que tinha no Alentejo o seu celeiro mas era de longe mais caro que se importado, da URSS (Ucrânia), da França, da Alemanha ou dos USA, o mais barato de todos. Salazar subsidiava e impelia à compita os agricultores alentejanos, embora sabendo que apesar de tudo o nosso trigo (as terras alentejanas nem são aconselhadas para a cultura do trigo) era mais caro por tonelada. Por que o fazia ?

Porque era um nacionalista e independentista ferrenho e coerente. Porque se caísse no logro de importar trigo barato estaria a promover a ociosidade nos campos vilas e aldeias, porque em cada um desses lugares deixaria de existir todo um mundo de oficinas, artesãos, equipas e mil ofícios e actividades ligadas à cultura cerealífera, porque deixariam de entrar nos cofres da incipiente Segurança Social contribuições, porque teria que subsidiar de algum modo a miséria que surgisse batendo às portas das Casas do Povo, porque teria que distribuir mal ou bem subsídios de desemprego ou equivalentes, porque ele sabia que poupar no trigo importado lhe custaria uma fortuna e sairia caríssimo. 
Alentejo celeiro de Portugal foi a maior mistificação a que assisti na minha vida e o maior golpe de génio por parte de quem, de politica e economia, sabia mais a dormir que toda esta gentinha de agora acordada. Aprendi isto e percebi isto com Silva Picão, com os relatórios da antiga Junta de Colonização Interna e olhando os nossos campos, vilas, aldeias e cidades actuais, prenhes de gente ociosa, inactiva, inútil, mastigando o pão que outros pobres diabos amassaram. 
Salazar não importou um grão, como jamais teria vendido a estrangeiros uma ação, ou a eléctrica nacional, ou os aeroportos nacionais, ou a companhia aérea nacional, a rede eléctrica, os transportes, correios, banca, seguros etc etc etc… Com ele nem se teria chegado nem perto de onde chegámos, hoje somos estrangeiros na nossa própria terra. Tudo é dos outros, até a nossa esperança e o nosso futuro.

6-       Seria necessário recuarmos imenso para nos revermos num figura de referência moral e eticamente impoluta, já que o General Ramalho Eanes se afastou voluntariamente da política (por a achar suja?). Teríamos que, recuando, ultrapassar os Relvas, os Valentins, os Narcisos, os Isaltinos, os Salgados, os Oliveira e Costa, os Cavacos, os Soares, os Marcos Antónios, os Menezes, os Dias Loureiro, os Lima, os Jardim, os S. Guterres, os Barrosos, os Sócrates, os irrevogáveis Portas, ou os Costa que agora fogem da mesma justiça que comandaram, teríamos que ultrapassar tantos que pararíamos em Sá Carneiro, que se envergonharia do proselitismo vigente, para só pararmos mesmo em Salazar, que teve umas botas que lhe duraram uma vida, levaram meias solas várias vezes e nunca envergou fatos Armani. Era este homem um perigoso ditador ? 

7-       Claro que a Pide foi outro erro e outra nódoa. E por vezes parece ter sido mais papista que o papa. Nós tínhamos a Pide, outros tinham a KGB, a Stasi, o MI6, a CIA, o FBI, a Mossad, a Securité, a DISA, a DOI-CODI, a DINA, a Okrana, and so on… Exemplo típico é o caso do assassinato do General Humberto Delgado, que de resto na gíria dela, Pide, seriam meros danos colaterais. A que eu chamo excessos duma animalidade que ainda nos não abandonou, dantes batia-se nos estudantes, agora nos adeptos de futebol, dantes controlava-se um Benfica X Sporting com 6 agentes, hoje nem com 600… 
Alguma coisa está mal. Hoje temos gente como Relvas, o “facilitador”, dantes havia a Pide e os Pides, a PSP e a GNR, cujos quartéis aliviavam a casta dos juízes e lhes evitavam o acumular de processos facilitavam, oleavam a justiça, umas lambadas, umas porradas, resolviam a pequena criminalidade e evitavam gastos em tempo e diligencias processuais desnecessárias, era a chamada justiça na hora, má justiça mas justiça, agora não há nenhuma e o povinho sente-se inseguro. Eram as taxas moderadoras da época... 
Quantos chapadões não terão reencaminhado carreiras ínvias que de outro modo se perderiam na delinquência… PSP e GNR resolviam milhares de questões, tinham uma presença pedagógica, hoje são comissionistas que multam para garantir os direitos adquiridos e a narda ao fim do mês… há 50 anos as esquadras da PSP de Évora tinham uma viatura distribuída, um W Carocha de cor nívea, hoje têm uma frota que não chega nem serve para nada…

8-       Não sou saudosista, breve verão onde pretendo chegar. Aos partidos, essas instituições que há quarenta anos denigrem a democracia. Um partido socialista que nada tem de socialismo e até o engavetou há muitos anos, um partido social democrata liberal que ignora a sua matriz e até o que tais coisas sejam, um democrata cristão que abusa da palavra em vão e do pecado, um comunista que abandonou a ditadura do proletariado, a luta armada e a tomada do poder pela força, que se tornou burguês e por isso reviu os estatutos, daí que o apodem de revisionista, (há anos que o afirmo, que voltar aos velhos estatutos serei o primeiro a filiar-me), partido que desdenhou de Rimbaud e que permite à juventude rebelde como única saída o alistar-se no ISIS… 
E agora sim, chegámos onde eu pretendia chegar e ao facto de Portugal não ter o seu Syrisa ou o seu Podemos, não ter uma alternativa, acham mesmo que não tem ? Que ainda não chegou ? Não apareceu ? Não temos ? Olha que engano, por alguma razão o título deste texto tem lá a palavra premência...  …................... continua ............................ TEXTO EM CONSTRUÇÃO….............  o restante seguirá dentro de horas….........


3ª Parte

Tudo rosas ? Nem pensar ! A visão esclarecida de Salazar não era tão esclarecida assim, prejudicou-o grandemente o facto de toda a sua vida ter girado em redor de Stª. Comba Dão (Boliqueime não é neste aspecto diferente), viajara algumas vezes ao Fundão, a Vimieiro, fora a um Carnaval em Ovar, duas vezes ao Porto, de resto cingia-se demasiado a Coimbra. Mesmo após se ter tornado chefão disto tudo, saiu uma vez a Badajoz, para se encontrar com o amigo Francisco Franco.

Convenhamos que é pouco, mas também há quem tenha estado em África, estudado em Londres e não seja esclarecido por aí além. Vidas. Opiniões. Nem às colónias ultramarinas Salazar se deslocou uma vez sequer ! Nem mesmo após o auge da polémica despoletada por Norton de matos que fora Governador-geral de Angola, e que se atrevera a prescrever que a metrópole passasse para aquela província e este cantinho à beira mar se tornasse uma mera província do império.

Essa falta de mundividência a longo prazo foi-lhe fatal, no longo, aliás foi-nos, porque ele foi-se em 68. Terá Salazar sido o líder esclarecido que a nação necessitava ? Salazar governou quarenta anos protegido pelo mantra de um conjunto excepcional de circunstancias que indubitavelmente o favoreceram, mas como sabemos a sorte protege quem faz por isso, (não quis dizer protege os audazes), vejamos quais, uma por uma, mas não esqueçamos que o sucesso sempre dependeu de muito trabalho anterior e de quem esteja preparado para o fazer acontecer, receber, e colocá-lo ao seu serviço, tal qual o lutador de luta livre aproveita a energia do opositor para com ela o fazer cair um malhão com estrondo.

Para contrabalançar irei agora arriar um pouco de porrada em Salazar, antes que vocês me pendurem de algum poste julgando-me fascista empedernido, não sou, nem saudoso sequer, nem cego, muito menos esquecido, e nem me atiram areia para os olhos às boas, já sou cu velho e bastante sabido. Vejamos então uma por uma essas questões de sorte, e já agora de azar que positiva ou negativamente condicionaram Salazar.

1-     Salazar surge com autoridade intocada de um catedrático acerca de quem jamais saberemos se teria sido ou não um bom professor, todavia entre os inchados ceguetas dos poderosos militares, ou entre os políticos que a situação por eles mesmos criada atolara na lama, o impoluto era ele. Foi-lhe fácil impor-se perante o caos em que definhara a q1ª república e a inexistência de alternativas minimamente credíveis.

2-     Um vendaval tinha arrasado a Rússia havia somente vinte anos, em 1917, o que por todo o mundo suscitara uma liga informal de defesa com alicerces nas casas reais europeias que, desse modo procuravam suster o que parecia ser o destino comum e vermelho do planeta, sabemos quanta ajuda foi canalizada para os “russos brancos”, sem nenhum efeito no resultado final, hoje sabemos que os vermelhos não tomaram o mundo, mas na época temia-se que o fizessem, a diferença é substancial. Salazar, cristão, católico, proprietário (os pais tinham jurado deixar-lhe a horta por herança, e todos sabemos como são os bimbos que por uma leira de terra ou um regato se matam à sacholada), ora com razões de sobra Salazar alinhou na frente comum anticomunista mundial antes que a voracidade vermelha viesse a abocanhar as colónias ultramarinas que os vencedores da I GG não nos tinham conseguido sacar …

3-     O povo, o povão, o povinho nem estava pior com ele que antes dele, bem pelo contrário. Salazar no computo geral trouxe ao de cima o orgulho pátrio, providenciou estabilidade, à moeda, à sociedade rural da época, alinhavou umas reformazitas que se viram, nada que se parecesse com a trapalhada inútil de agora, estabilizou e dignificou o mundo do trabalho q.b. e “estabilizou” os sindicatos, o emprego, nada de contractos a prazo, precários ou recibos verdes, a legislação do trabalho era cumprida sem que houvesse sequer patrão que se atrevesse a pisá-la. O magano do Salas lançou igualmente por esses dias as bases da indústria moderna e pesada que tínhamos (recordemos a lei do condicionamento industrial, que não expandia antes continha, condicionava as industrias e industriais), estabilizou a educação e o ensino, surgiram os fundamentos para as primeiras creches, cumprindo-se, em parte, o artigo 21º da lei de Abril de 1891 e da legislação de 1927 (sobre a maternidade). Surgiram igualmente escolas um pouco por todo o lado, primárias, comerciais e industriais, liceus, debaixo da pata deste ditador o país crescia a olhos vistos e como nunca se vira na vida.

4-     Durante quarenta anos de ditadura Salazar promoveu, criou ou acelerou ou recuperou companhias, empresas, CTT correios e telecomunicações, TAP, transportes aéreos, EDP electricidade, barragens e rede eléctrica, CP caminhos de ferro, JAE estradas pontes e viadutos, hospitais, silos, agricultura, marinha mercante e pescas, minas, enfim, lembremo-nos de tudo quanto já não temos, com ele tivemos e tínhamos. Para melhor se mover, sem atrapalhações ou discussões estéreis e inúteis, improdutivas, criou a sua própria constituição, corporativa, tudo pela nação nada contra a nação, instrumento utilíssimo para tornear opiniões e oposições contrárias e que, vejamos os nossos dias, nem fazem nem deixam fazer. Imaginará algum de vocês que debaixo da inutilidade de um parlamento Estaline teria conseguido, e em tempo record, a grandeza da União Soviética ? Ou teria Mao munido de quaisquer instrumentos democráticos conseguido fazer alguma coisa do bilião de chineses e da China que governava e é hoje uma potência mundial ?  A ocasião e a natureza do problema têm que conjugar-se, Salazar o ditador fascista nunca se deixou dominar pelos mercados, dominou-os, foi mais coerente que muito democrata actual, atentem que enquanto Salazar impediu a entrada em Portugal da imperialista Coca Cola, os nossos democratas e radicais de esquerda compram no super dúzias de garrafas de litro e meio para se empanturrarem, onde está a coerência ? É verdade que se rodeou de uma Legião Portuguesa, de uma Mocidade Portuguesa, do SNI, de António Ferro, da Radiodifusão Portuguesa, da Emissora Nacional, da Radiotelevisão Portuguesa, da censura, da Pide, mas sobretudo de dez milhões de amigos que, mau grado uma ou outra dissonância um ou outro protesto, uma ou outra dissensão, lhe permitiram atravessar com alguma bonomia quarenta anos de carreira e, surpresa das surpresas, deixar muitíssima obra feita e, cereja no topo do bolo, morrer de velho. Um povo assim solidário merece ser lembrado e homenageado. Podemos dizer que salvo uma qualquer e rara excepção Salazar uniu, fomentou a coesão nacional que ousou reunir até contra si mesmo.

5-     Este mesmo povo que manteve Salazar quarenta anos no poder sem o incomodar, nem se incomodar, é o mesmo que hoje, passados outros quarenta anos, se calou e cala. Alguém além de Medina Carreira levantou a voz denunciando os graves erros de governação que cometemos ?  Medina Carreira foi apodado de profeta da desgraça… Algum dos actuais célebres economistas falou ? E este povo acordou agora admirado por enquanto dormia se terem guindado ao poder todo o tipo de crápulas e salafrários, arrivistas e oportunistas sem carácter nem idoneidade, que não possuem nem um décimo da transparência, mérito e honestidade de Salazar, que morreu pobre. Nunca é demais lembrá-lo, esse ditador fascista nunca deixou duvidas quanto á sua dedicação à causa pátria. Com este povo, ele sim devia ser mudado, quem conseguirá algum dia, a menos que o ultrapasse, chegar a algum lado ? Os partidos, as pessoas, digladiam-se como inimigos enquanto a pátria definha, é caso para perguntar que faziam ou que fizeram durante quarenta anos duzentos e trinta deputados a tempo inteiro na AR ? Dormiam ? E quem defendeu os interesses da nação ? O adido militar da China ?


6-     Ética e mérito são peculiaridades hoje raríssimas nos nossos políticos, que nem cuidam sequer de fazer parecer que as cultivam. Cada um de nós na sua cidade vila ou aldeia tem que ser critico, que veja, olhe, observe, quem são os políticos preponderantes e onde se “resguardam” destes tempos difíceis que a eles devemos, eles e os familiares, filhos e afilhados mais próximos, e depois pasme com as solidariedades e solidárias instituições ou empresas que os “abrigam”, sem o pudor exigido por um concurso, pelo mérito, pela ética, que apregoam à boca cheia mas espezinham em privado. Na generalidade serão tão merecedores da nossa benevolência quanto o filho de Durão Barroso e o modo como acedeu a lugar de quadro superior no Banco de Portugal. Tivessem os nossos políticos o cuidado de pensar em nós todos, (o que Salazar, que eu saiba, nunca deixou de fazer), ainda que mal e porcamente decerto estaríamos melhor ou menos mal, o problema é que se lembram única e exclusivamente de si próprios e dos seus… Por isso, quem não se sentir confortável na sua zona, que migre, Salazar ao menos sempre teve o pudor de isso não nos ter ordenado fazer. Com tanta arenga já parecerei um saudoso Salazarista, coisa que não sou, embora no presente  no caos em que nos colocaram fosse capaz de votar nele, num partido corporativista ou qualquer outro que defendesse a ditadura do proletariado e a tomada do poder pela força das armas. Este país, cada vez estou mais convencido, jamais irá a lado algum sem a mão pesada de um Salazar ou de um Estaline, cada um de nós ou de vocês que escolha segundo o que mais vos agradar pois foram ambas figuras poderosas da história ainda que a dimensão de Estaline se sobreponha de longe à figurinha de Salazar.


2ª Parte

Salazar anuiu, aceitou tudo quanto desesperadamente lhe pediam, deve dizer-se ás criancinhas, e não só, que Salazar não provocou nenhum golpe de estado ou sublevação no exército, antes nos concedeu a satisfação de um rogado pedido que lhe fizemos, Salazar não invadiu o país à frente de tanques, ou de um exército de rebeldes subversivos, nem tão pouco de nacionalistas fervorosos (como Spínola tentou em e 28 de Setembro de 74 e 11 de Março de 75). Salazar simplesmente fez o favor de nos iluminar com a sua sapiência, que sobre nós derramou, aliás com uma humildade que Gaspar nunca teve e uma modéstia de envergonhar Maria Luís.

Fê-lo porem resguardando a independência e dignidade pátrias, sem recurso á Sociedade Das Nações e sem hipotecar o país. Ajustou-se e ajustou-o como pôde e soube, os portugueses fariam o mesmo, nada que não seja coisa conhecida, passamos por um ajustamento idêntico, contudo o de agora bem recheado de demagogia, trapalhice, trafulhice, e no qual se empenharam os anéis e os dedos, o que fará Salazar, professor de finanças, dar duas voltas na campa.

A mesma percepção que tocara Júlio César inspirou e bafejou Salazar, o professor cedo se apercebeu das intrigas palacianas que animavam, e animam, este rectângulo. Da barraca mais humilde ao palácio mais guarnecido, pelo que, não podendo guindar-se à figura de um todo poderoso Estaline, cuja fama chegara longe e se sabia ter tanto poder que privara Deus dos seus bens terrenos deixando à igreja ortodoxa nada mais para oferecer ao Senhor que trabalhos e sacrifícios. Enfim, uma heresia que os nossos republicanos já haviam imitado nos escassos dezasseis anos em que Deus estivera distraído. Uma heresia que Salazar tentou evitar a todo o custo e aproveitar para afirmar a clareza do seu pensamento, a força das suas ideias, e quem sabe, quiçá instaurar um período de legalidade onde, a um canto, pudesse rubricar o seu apelido.

Mas esta tropa fandanga ainda hoje é dificílima de conciliar e de conduzir a bons hábitos, quer os fardados quer os civis, coisa que ele depressa aprendeu, pelo que findo o período a que se voluntariara, bateu com a porta e alas, pernas para que te quero, regressou célere ao sossego da sua cátedra de Coimbra.

Saltemos os pormenores e as cusquices que envolveram figuras e época e centremo-nos no essencial, um novo pedido, de joelhos, ao digníssimo lente, novas recusas deste que, movido pela vaidade ou pelo sabor do poder aceitou, à 7ª vez, e sob condição, regressar à tão espinhosa missão de nos governar, e ressalvo, sob condição, Salazar aceitou voltar desde que lhe fossem dadas para governar, possibilidades que o isentassem de aturar a cáfila que permanentemente se alimentava da baba escorrendo pelos corredores do poder, e lhe permitissem furtar-se a satisfazer os desejos de todos os gatos pingados a quem mérito algum bafejava com a sorte de irem a ministros e se julgarem no direito a exigir verbas que as Finanças do país estavam longe de possuir mas que esses camelos, perdão, cavalheiros, desbaratavam numa luta sem quartel. Tal qual nós por cá nas últimas décadas…

O lugar de Presidente do Conselho de Ministros (hoje PM) não lhe foi portanto dado, Salazar lutou por ele, impôs as suas condições, ideias e convicções, e até impressões, jogou uma cartada e ganhou, uma vez mais sem disparar um tiro. O resto da história já quase todos a conhecemos mais ou menos, e aos que não conhecem deixo este apontamento. Do ponto de vista da economia e meramente estatístico refiro um gráfico de quarenta anos de crescimento permanente, um crescimento médio equivalente a 4% do PIB anual, ininterruptamente ! Desde que Salazar tomara posse até 1974 !

Nesses quarenta anos Salazar lançou programas, teceu alianças e acordos com a EFTA e com a OCDE, com a CEE estavam prestes a ser assinados à data em que o seu sucessor, professor Marcelo Caetano caiu ante a força das armas dos militares irmanados e filhos do povo, conduzidos por uma vanguarda esclarecida, aliás várias vanguardas cada uma mais esclarecida que a outra, mas dizia eu, foram anos de crescimento, dos primeiros passos na Segurança Social, na construção da rede de Casas do Povo, de escolas aos milhares, os mesmos milhares que agora estão a ser encerradas e passadas a pataco.

E o povo pá ?

O povo embora latindo lá ia fazendo filhos para alimentar essas escolas, agora nem se pode sonhar com isso, bem, sonhar e masturbar-se a malta ainda pode…

E que melhor sinal de esperança no futuro que o chilreio e as gargalhadas e sorrisos inocentes dos petizes ? (nas últimas duas linhas inspirei-me claramente no estilo paternalista e de escrever de Salazar), o homem devia ser levado para o Panteão. Ele e eu, um dia, mais tarde…

Mas eram tudo rosas nessa época perguntarão os mais novos. Responderei que os partidos democratas do centrão de então tinham deixado debelar de tal modo a nação que era de todo impossível, em pouco tempo erguê-la de novo a contento e desejo de todos.

Todavia Salazar tomara o gosto ao poder, dedicava-se de alma e coração a uma nação que tão enxovalhada fora e tudo fazia para colocar bem alto a nossa grandeza. Metrópole e império colonial sobrepunham-se à Europa se fossem estendidos num mapa, por mim acho ter sido quando confrontado com esta grandeza e esta responsabilidade que Salazar se imbuiu de um espírito salvífico e, ter-se-á esquecido que apesar de possuidor de tão grandiosa alma era contudo mortal, tendo-o chamado a si o Senhor em 1968, quarenta anos após exclusiva dedicação à causa pátria. Não teve sócios, nem negócios paralelos, nunca fez greve nem exigiu diuturnidades ou direitos adquiridos, muito menos fez parte de escritórios de advocacia, nunca solicitou, pediu ou aceitou subvenções, vitalícias ou quaisquer outras, nem ajudas de custo ou mordomias, e defendeu enquanto pôde este bom povo que tão bem conhecia.
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1ª Parte 

              Há quase dois mil anos os romanos sabiam-no, foi por o saberem que por aqui se aguentaram tanto tempo e com tanto êxito, Pax Julia, Pax Augusta, Colônia Pacense, Beja, Ebora Cerealis, Liberalitas Júlia, Évora, Métalo Vispascense, Mina de Aljustrel, Alcoutim, Alenquer, Coimbra, foram dezenas, se quiserem a pedido far-vos-ei uma lista, pois vos não desejo cansar com a minha erudição e conhecimento, cousa que certamente muitos invejariam… Mas dizia eu, os romanos iniciaram aqui a prospecção, e exploração com um sucesso que nem hoje estamos sequer próximos de igualar, de pedreiras e rochas ornamentais, minas e minérios, agricultura, pecuária e pastorícia, peixe e sal, etc etc etc

Tanto que o sabiam que um raro e localizado foco de organização e resistência foi pronta e exemplarmente solucionado, com recurso à traição, uma característica muito nossa, tal como a disponibilidade para o fingimento, o servilismo, a cobardia, peculiaridades que facultamos primeiro que tudo a nós mesmos e depois em favor daqueles a quem desejamos servir ou simplesmente agradar.

Foi portanto sabendo haver na Península Ibérica, mais concretamente nos Montes Hermínios, Lusitânia, gente que não sabia governar-se nem deixava que a governassem que o peso das legiões romanas se fez sentir, domou e domesticou este povo, povo aliás voluntarioso e a quem sobremaneira falta essencialmente cabeça, cabeças, líderes, dirigentes, elites, e que infelizmente nem disso tem ou toma consciência.
  
Tal povo sempre exigiu lideranças fortes, com elas se fez a conquista, a reconquista, a expansão marítima das descobertas, que sem essas lideranças capitulou ingloriamente.

 Com ela, liderança forte, construiu Sebastião José de Carvalho e Melo o curriculum do Marques de Pombal, e sem ele a modorra voltou. Fontes Pereira de Melo deu corpo a outra liderança forte e conseguiu, apesar de tudo fazer alguma coisinha, lançou no país o caminho-de-ferro. O Marechal Saldanha, mais conhecido por Duque de Saldanha foi outro incontornável, e dezenas de vezes ministro (24), e várias vezes presidente do conselho de ministros na monarquia constitucional (4), em cima de quem a república se erigiria a 5 de Outubro de 1910.
  
Ora sucede que a república assentou praça em cima das debilidades e vícios da monarquia parlamentar constitucional, de quem herdou as dividas e as personalidades que haviam de compor os dois partidos do então centrão ou arco governativo, digo uma cambada de tontos e trapalhões que em nada ficariam a dever aos actuais, que de igual forma nos desgovernam e arruínam. Claro que passados uns escassos dezasseis anos, (1910 -1926) a governança deu buraco, estava arrumada por indecente e má figura a primeira república.

Neste ponto da narrativa devo fazer uma paragem esclarecedora, a fim de elucidar a caterva de democratas que hoje vota como se estivesse em causa o seu clube, já que a ignorância que os anima, ou preenche, não é exclusiva de cada um mas da massa ululante, que para mal dos nossos pecados vota e nos força a todos ao sofrimento das suas esclarecidas e liberais escolhas. Não sendo a estupidez apanágio de cada um, antes de todos, espero ter deixado feliz o leitor, e de consciência tranquila claro, a merda, como sempre, será culpa dos outros, e jamais de cada um. Feita a ressalva, eu espero manter incólume a nossa amizade, permito-me avançar para o facto pouco divulgado, diria até muito abafado, escondido, que após o país arruinado pelos dois partidos do centrão, estava-se em 1926, foi convidado a dirigir a pasta ministerial das Finanças o Dr. António de Oliveira Salazar, lente em Coimbra e uma espécie de Sampaio da Nóvoa da altura.
  
Pois o dito Salazar, a quem nada me liga e a quem não devo favores, apenas me rege o democrático dever e desejo de que não seja injustiçado, me traz hoje aqui. O dito senhor dizia eu, foi diplomatica e cortesmente convidado, pelos militares, em 1926, que entretanto tinham tomado conta desta trampa, antes que fossemos completamente pelo cano abaixo. Solicitaram veementemente dizia, que o lente conimbricense se dignasse auxiliar a Pátria num momento de tão grande aperto e necessidade, julgo porém, numa atitude tão indigna quanto a que há bem pouco tempo assumimos para solicitar, ou mendigar empenhadamente o auxilio da ominosa Troika, e de um ajustamento

 Primeira foto:  Algés 1970 - foto furtada a José Espada, restantes fotos, panorâmicas diversas de Algés, igualmente nos anos 70, e destinadas ao confronto coma primeira. Quer uma quer outra são espelhos de uma realidade que era transversal a todo o país, havia por todo o lado focos de miséria convivendo lado a lado com áreas urbanas modernas e desenvolvidas. A verdade seja dita.

http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=192905
https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Lista_de_pol%C3%ADcias_secretas_e_pol%C3%ADticas_na_hist%C3%B3ria&redirect=no#Brasil
http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2014/09/colonia-agricola-de-pegoes.html
http://www.publico.pt/mundo/noticia/acordos-de-bicesse-falharam-por-falta-de-vontade-politica-das-partes-diz-alto-responsavel-da-onu-25439
https://repositorioaberto.uab.pt/bitstream/10400.2/2617/1/Trabalho_V2_20121018_V12.pdf
https://pt.wikipedia.org/wiki/Portugal_na_Primeira_Guerra_Mundial
http://aphes32.cehc.iscte-iul.pt/docs/s27_1_pap.pdf
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ex%C3%A9rcito_Branco
http://www.ligacombatentes.org.pt/portugal_e_a_grande_guerra
http://arepublicano.blogspot.pt/2014/07/bibliografia-portuguesa-da-i-grande.html
https://www.google.pt/webhp?sourceid=chrome-instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=mortos+na+guerra+do+ultramar+por+concelho
http://jugular.blogs.sapo.pt/2535614.html

http://estrolabio.blogs.sapo.pt/tag/mortos+em+combate











terça-feira, 23 de junho de 2015

249 - PENDURADO D’A TRAVE ................................

                                          
                 - Conheceste-o ?

Infelizmente não o conheci bem, nem bem nem tempo suficiente.

- O que andavas a fazer em 74 quando ele morreu ?

Em 73 ou já em 74 lembro-me de ter visitado a galeria A Trave, nem recordo bem quem além dele lá estava, só lembro a galeria no geral, eu era ainda muito novo, aliás eu era um tipo ainda demasiado novo para dar excessiva atenção aos pormenores que não me suscitassem ou prendessem a atenção. Outras memórias ficaram até hoje, que registei como um impacto no meu cérebro, à guisa de flashes que te irei passando como se de diapositivos se tratasse:

Uma mesa corrida central, comprida, que de início me levara a julgar ser uma bancada de carpinteiro e, sobre ela, inimaginável desarrumo e profusão, de godés, frascos, pincéis, bisnagas, panos sujíssimos, paletes improvisadas, tintas ressequidas, endurecidas, cerdas duras, tinta pingada, escorrida e salpicada por todo o lado, os copos sujos, o vidro baço conspurcado de magenta, restos de comida. Fosse hoje e diria que tinham sobrado restos de várias pizas.

O tecto todo branco, tabuas brancas, barrotes e traves brancas, de um branco sujo, donde pendiam ainda serpentinas, balões esvaziados, e vários holofotes forrados a celofane vermelho, azul e verde. Num canto afastado uma tarimba nojenta e nela sentado um jovem de barbas, jaqueta moderna de ganga, azul e cabelos compridos. Passados dois ou três anos dei por mim a achar o meu irmão mais novo parecidíssimo com ele. Teria dormido ali ? Desgrenhado, de olheiras…

Tudo eu revejo ainda “fotograma a fotograma”, os cavaletes, um casaco e um blusão atirados ao calhas para cima de um sofá, as gargalhadas dos homens, mas quem esses homens ? O mais novo, o tal da farta cabeleira desgrenhada riu como um desalmado, levantou-se, pegou num tubo porta desenhos em cartão que mais pareci uma bazuca e:

- Adeus maninho, adeus Raminhos que me vou embora, que me vou embora para não mais voltar.

E atirando com a bazuca à tiracolo preparava-se para abalar, assobiando, quando o maninho o abraçou, o ergueu nos ares, quase derribando uma pipa de pratos pintados pendentes de pregos na parede, nalguns, pássaros do poeta começados, noutros a meio ou por começar, até o largar pendurado duma trave, esperneando e reclamando ter horas para estar no café do Rosa, onde combinara encontrar-se com o José Cachatra a fim de aproveitar a boleia do Amado da Urbana (a quem muita gente, confundida, chamava senhor Urbano).

O maninho que assim o mimava era nem mais nem menos o mestre Palolo, técnico de serralharia mecânica na Somefe Ldª, empresa onde eu anos atrás debutara no mundo do trabalho como paquete e onde durante seis meses aprendera o abc do mister, éramos portanto colegas, ainda que isso não me ajude a lembrar porque e por quem eu ali fora levado. No chão ficara um rasto de garrafas vazias, por pouco não tropeçaram, quase se estatelando, num molhe de varas de perfis para molduras. Foi a vez dos outros rirem a bandeiras despregadas.

O ambiente tinha algo de surreal, as paredes preenchidas de quadros, flores, bonecos grandes, arlequins, palhaços, desenhos, esquiços, aguarelas, ou, penduradas, composições aleatórias, umas acabadas outras a meio, grandes vasos com flores, mirradas, mortas, pregos como bengaleiros, e no centro do salão quatro ou cinco cavaletes de diversos tamanhos, trabalhos em curso, um Templo, a Sé, as Portas de Moura, um grupo de cantadores alentejanos, um enorme pássaro de poeta aparentemente acabado, nisto uma estridente buzinadela:

- É o Urbano, deve ser ele que já nos estranha a demora.

Mas onde vais tu mermão, com tanta pressa, logo tu que parece teres nascido com todo o vagar do mundo e que amas esta cidade mais que a tua própria mãe ?

- Estás enganado maninho, só levo saudades desta rua das Lousadas, por ter aqui deixado o coração, de resto já sabes que penso como Eça, ou Pessoa, esta cidade fede a "provincianismo", de gente incapaz de reflectir, incapaz de criticar o que vê, lê ou lhe dizem, quando digo criticar quero dizer analisar, pensar, é gente desconfiada, descrente, má, individualista, sem ideias próprias, ignorante, porém capaz de perfilhar ideias de outrem sem sequer as mastigar, sem as remoer, é uma cidade de atrasados mentais que me sufoca, esta falta de desenvolvimento civilizacional, esta ausência de ideias abafa-me, asfixia-me, vou para Paris, Bruxelas, Berlim, vou conhecer mundo maninho.

Oh ! Mermão ! Mas onde vais tu ao periquito mermão ? Tu que andas sempre mais teso que um carapau ?

- A Cambra pagou-me esta semana o Dragão que lhe fiz para as piscinas, tenho narda para ir até à Cochinchina maninho, não voltarei acredita.

Dragão ? Estás a delirar mermão ? Que conversa é essa ?

- Sim dragão, aquela escultura para os miúdos brincarem, nas piscinas, junto ao tanque infantil.

E arrancou, lesto, não sem que antes tivesse atirado, à laia de provocação, uma piada e tal encontrão ao Raminhos que o ia atirando para dentro da mal enjorcada chaminé, aliás como estava tudo o resto.

- E tu que fazes aqui salta-pocinhas ? Não tinhas arranjado um salão novo na rua do Alfeirão ó romeu ?

Evidentemente referia-se ao Raminhos e a uma garagem que o “salta-pocinhas”, assim lhe chamavam os amigos íntimos por andar sempre atarefado num passo miúdo e saltitante, uma garagem mais próxima da loja e situada em frente do portão de saída dos rapazes, a entrada principal da Escola de Stª Clara era destinada unicamente às raparigas.

E lá abalou, correndo, enfiando-se logo no Sinca novo do Amado que, para não perder a garantia lhe fazia as revisões em Lisboa, desta levava com ele o Cachatra, a dar as últimas, e que o senhor Amado forçava a ir ao médico, talvez para não perder o negócio da venda dos seus quadros na loja de artesanato que possuía em plena Praça do Geraldo, a URBANA, daí a origem da confusão que amiúde faziam quanto ao seu nome.

Mas quem era afinal este senhor Amado ?

O senhor Urbano, por vezes assim erradamente conhecido, era homem de uma extrema urbanidade e decoro, o que não obstara a que, seis meses atrás, tivesse deixado o meu paizinho em polvorosa, de dignidade ofendida e em negação, ao ter-lhe manifestado o desejo de me inscrever no 1º ano liceal, ser meu encarregado de educação e passar a custear-me os estudos. Porquê tanta generosidade ? Perguntar-me-ão V. Exªs., e com razão. Por mor do milagre do amor, retorquir-vos – ei.

O senhor Amado, senhor muito urbano, tornara-se amásio de enfermeira parteira moradora à Travessa dos Mascarenhas, a quem tinha montado casa, consultório e todas as particularidades e peculiaridades a que a posse de uma senhora de tais predicados nunca deixa de obrigar…

Ora sucede que na verdade o dito e urbano senhor apenas pretendera oficializar ou institucionalizar uma situação de facto, que na prática já existia, pois me custeava os estudos por via dessa minha tia que se fizera enfermeira. Portanto podeis facilmente deduzir que a vida deste amigo que aqui se vos confessa poderia ter tomado outro rumo, completamente diferente e, tivesse eu frequentado o liceu e não o ensino industrial e comercial, como veio a acontecer, teria pelo menos diferente escol de amigos e conhecidos coisa extremamente útil nos dias de hoje, ao invés dos inúteis que me rodeiam. Mas a vida é assim, e nem perdi tudo pois continuei fazendo, quando calhava, recados e mandados ao senhor Urbano da URBANA e ganhando as respectivas gorjetas, pelo menos até ter crescido e a mama se ter acabado claro, que o homem tinha mulher e filhos, honra e brio a manter.

- Você não pinta mal António, pena não ser coisa que se venda na minha loja, os camones querem é material very tipical entende ? Umas ceifeiras, uns cantadores, umas cenas campestres, bucólicas, aqui o seu amigo Cachatra ajeita-se bem, é sempre a facturar !

Sim sim, vou fazendo uns risquinhos, mas é como diz, nesta cidade não me safo, além de ser pequena, andamos sempre a encalhar uns nos outros, nos mesmos.

- Constou-me que vai dar o salto, é verdade ? Se é faz bem…

E ouvido isto o António só não deu um pulo por ir entalado entre mantas de Reguengos, capotes e peliças alentejanas em pele de borrego, porém:

Mas… ! Como sabe ! Quem lho bufou ? Isso é coisa que nem ás paredes confesso ! Estou tramado !

- Não se assuste, foi confidência do seu amigo Cachatra ao solicitar-me boleia para si, fez bem, de contrário não me teria convencido.

Sim, na verdade sinto-me apertado nesta cidade, em especial entre as gentes ligadas à cultura e que fui descobrindo serem, na generalidade,  quem menos cultura tem, já aguentei choques que cheguem, ando sempre a encalhar nos mesmos para onde quer que me vire, por estas bandas o ambiente está soturno, de cortar à faca, especialmente depois desse tal Gonçalves Rapazote**** ter ido a ministro, agora até as paredes têm ouvidos…  

- Meu caro António para viver aqui tem que se saber viver, aprenda comigo que não viverei sempre, nesta cidade as gentes têm medo e inveja de quem tenha alguma inteligência ou alguma cultura, por isso com os que não tenham nem uma coisa ou outra, ou até as duas, eu faço-me ignorante, por vezes até parvo, e com os que são inteligentes e cultos faço-me mais parvo ainda, mais ignorante, mais estúpido, é vê-los felizes, tenho um amigo em cada eborense, não podemos ferir susceptibilidades António, e você ainda é demasiado jovem…

Era gaiato eu, mas testemunhara imensas vezes a vergonha que constituíam para o café as tentativas do Cachatra de nele promover a venda dos seus quadros, e quanto à sua demência, poucos lhe conheceriam os problemas de degenerescência, era inúmeras vezes confundida com alcoolismo. Não raramente cada compra implicava a galhofa e chiste do pintor que contudo se sujeitava, garantindo ao menos a sobrevivência, já que a dignidade lhe era recusada. Ainda assim a venda de obras na URBANA providenciavam-lhe melhadura certa e regular, sem o submeterem a desconsideração ou achincalhamento.

- Não se precipite António, isto há-de mudar, se para pior ou para melhor não lhe afianço, mas vai mudar, a tentativa de 16 do mês passado** não foi um acaso, estou bem informado e garanto-lhe que mudará em breve. O poder quando muito concentrado acaba por explodir, quando muito disperso, por implodir, é aquela situação em que são demais a mandar, onde todos mandam mas ninguém obedece, isto do orgulhosamente sós *** foi chão que já deu uvas, está prestes a era do venha a nós o vosso reino, para mim deverá ser bom, decerto venderei mais, tempos virão e todo o pequeno burguês quererá parecer tu cá tu lá com a “arte e a cultura”. António, queira Deus que o seu amigo se aguente, tenho algum receio que ele tenha que ficar internado sabe ?

- Não fico, nem sei se isto algum dia mudará, o país resume-se a fado, futebol, Fátima e folclore, (o folclore dava para tudo, como agora dá o cante alentejano) não há uma política descentralizada para a cultura, ainda se vive no tempo do António Ferro*, que com Duarte Pacheco* completam a trilogia salazarista que governa este país, vou, já me decidi há muito, esta cidade tresanda, cheira a bafio, a vulgaridade e ignorância, além de poucos abatemo-nos à mínima inveja, à falta de melhor até o assobiar é invejado.

Nem decorrido um mês o turbilhão do 25 de Abril engolir-nos-ia a todos, António desapareceu por completo, soube pelos jornais do sucesso de exposições suas em Madrid, Paris, Bruxelas, Nova Iorque, Salamanca, Bolonha, Roma, Cáceres, S. Paulo, Iowa EUA, para citar somente as estrangeiras. José Cachatra ficara mesmo internado, o seu estado anímico, e anémico, era mais grave que o suposto, viria a falecer a meia dúzia de dias da data que nos engoliu. O urbano senhor Amado, foi de tal modo prejudicado pela instabilidade do PREC que ficou sem turistas (as aquisições dos nacionais sempre tinham sido residuais) e foi obrigado a fechar a URBANA, grande loja que distava poucos passos do Arcada, e que assim se manteve largos anos até terem feito dela um salão de jogos, entretanto falido e encerrado.

Eu, influenciado, ainda experimentei uma incursão pela pintura, até que alguém em quem muito confio e muito considero, olhando para os meus quadros proclamou cheio de empatia e sinceridade:

- Cagas melhor do que pintas.

Foi quanto bastou para que, mau grado tanto prémio nos jogos florais e noutras exposições, passasse a dedicar-me às letras e à poesia, mas essa é outra história que um dia aqui vos contarei.

Quanto ao urbano senhor Urbano, a quem muita consideração devo, morreu no seio da sagrada e amada família Amado.

Não me restam dúvidas de que acertara em pleno, o poder explodiu primeiro e implodiu quarenta anos depois, ou não estivéssemos por mor de tanta democracia e tanto poder democrático de novo agarrados aos tomates.



Notas : A primeira foto apresentada é o “Dragão”, escultura colocada junto às piscinas infantis e obra de António Palolo.

*  A. Ferro, responsável pela politica cultural , D. Pacheco, ministro das Obras Públicas e Comunicações de Salazar.


 ** tentativa de golpe das “Caldas da Rainha” a 16 de Março e que antecedeu o 25 de Abril.

*** Frase célebre atribuída a Salazar.



                                            Pintura de António Palolo
                                Pássaro de Poeta, pintura de Paulino Ramos
                                           Meu irmão Manuel Baião
                                 Portas de Moura, pintura de Paulino Ramos
                                 Cidade de Évora, pintura de Paulino Ramos
                                   Sé catedral, pintura de Paulino Ramos
                                Templo de Diana, pintura de Paulino Ramos

                                            Pintura de António Palolo
                                           Pintura de António Palolo
                                             Pintura de António Palolo
cantadores de cante em Pintura de José Cachatra
 


                                    Arlequim, pintura de Paulino Ramos

sexta-feira, 19 de junho de 2015

248 - CACHATRA EM S. VICENTE …………………


              Não me recordo já como era aquela canção do J.M. Branco, ou do Fausto... louco ou marinheiro... lólarélóli... Mas procurá-la-ei e colocarei aqui o link, fica jurado. Assim confuso me senti ante a restrita mas rica colecção de pinturas de José Cachatra (1933-1974), o esquecido, enlouquecido, extrovertido, exuberante, doutor, aviador e pintor José Carlos Cachatra,  de Borba mas eborense claro, o indizível, o maldito, o inexplicável, o inclassificável e, por acréscimo ou silenciamento, o inominável.

Já por três vezes visitei esta exposição, (no primeiro dia praticamente só metera o pé na porta) e nem me cansei, há pormenores que nos ocupam uma eternidade a entender. E será que os entendi ? No mínimo conjecturei, o que não deixa de ser uma prerrogativa ou intenção de qualquer artista ou autor, julgo.

Mas não nos afastemos do tema, e para rimar, é pena, é pena que as composições não estejam datadas, porque seria mais fácil entender, ou não, se os diferentes períodos da sua tão curta vida se reflectiram, e de que modo, na pintura e nas opções temáticas e cromáticas que fez. Aproveito porém para deixar eu também os meus agradecimentos aos proprietários das obras, e a todos aqueles que de alguma forma intervieram nesta linda exposição.

Uma coisa é certa, o tema Alentejo quase monopoliza as obras expostas, motivos, paisagens, gentes, e, segundo creio o grosso das obras conhecidas. O que sabemos é que o período vivido em Évora foi dos mais produtivos da sua curta mas profícua e atribulada carreira.

Atentei nos pormenores disse-vos há pouco, na firmeza e domínio do pincel, na inclinação progressão e certeza das pinceladas, em cuja direcção não vislumbrei a mínima hesitação. Casos há em que, ao invés de cerda, ou de espátula, se terá servido dos dedos, o que nos aparece nítido numa pequena composição (talvez 30X20cm, nº PP01 nas imagens que vos cedo) em que até a unha parece ter sido utilizada e, aqui sim, embora em pequeníssima dimensão, hipotéticamente com recurso a uma técnica de Pollock, designada "action painting". Sabe-se que Pollock executava obras gigantescas, saltando para o meio das telas e pintando do interior para o exterior, neste aspecto o catálogo da exposição apresenta alguma ligeireza, ao não ter sido dado a verificar ou rever por autoridade na matéria, induzindo em erro o visitante mais incauto ao comparar a técnica de Cachatra ao "dripping" de Pollock, o que constitui erro grosseiro, o "dripping" é uma técnica de gotejamento ou salpico da tela pelo pincel com a qual nenhuma obra nesta exposição de José Cachatra nos autoriza a fazer tal afirmação ou comparação.

Cachatra modernista ? Sim, claro, mas de um modernismo muito próprio, nele se nota abertamente uma aversão à tradição com a adopção clara de novas formas e fórmulas de expressão a que não terá sido alheia a extinta e brevíssima "Orpheu", (surgida em 1915 mas da qual só se publicaram 2 números), revista que subverteu e durante muito tempo influenciou artistas e autores portugueses em cujo círculo o nosso homem, embora arriscando afirmá-lo, decerto privou. 

           Quase sem excepção as suas figuras, os seus motivos, são fruto das novas correntes já firmadas na Europa, e desenvolvidos num traço estilizado mas nunca deixando de ser firme, o que nos prova uma mão segura, um domínio genuíno da arte e da palete, até naqueles quadros em que, não um "sfumato" mas uma indefinida penumbra anima os contornos. Expressão de estado de alma ? Embora artista seguro surgem-nos por vezes composições suas cujo jogo cromático nos apresenta propositadamente tons esbatidos, a par de outras em cores mais vivas, casos em que me atreveria mesmo a falar de cores limitada ou condicionadamente exuberantes, em Cachatra o deslumbramento nunca nos advém das cores, antes das formas, (exemplo de Flores, na minha designação).

Embora vasta, à volta de cinquenta quadros expostos, acredito que a ausência de muitas obras por dispersão ou desconhecimento delas, não nos permitem que, exclusivamente com base nestas, possamos classificar ou catalogar levianamente o autor. As "poucas" obras expostas mostram-nos uma amplitude temática rica, de onde sobressaem grupos que pela sua afinidade estilística ou cromática, ou técnica, se isolam dos demais, ou antes sobressaem dos demais, já que algumas telas não fazem de modo algum jus à personalidade conhecida do pintor, reservada, e, segundo se conhece, de um dramatismo que o conhecimento precoce e interiorizado de uma morte prematura acelerou, pois a doença e a instabilidade, sabemo-lo, foi uma sua constante e cruz.

Cachatra reproduz Picasso (1881-1973) e o cubismo, com os seus Palhaços Músicos, e Les demoiselles d'Avignon e os seus nus, ou Paul Cézanne (1839-1906) e Les Grands Baigneuses, Cachatra foi um modernista, viveu como um modernista, conviveu com modernistas na sua fase Lisboeta, e eu apostaria ter frequentado tertúlias e partilhado a companhia de outros modernistas portugueses hoje muito conhecidos. A sua pintura no-lo diz, que inclusive muito se assemelha à de alguns pintores europeus, especialmentes franceses, que por pouco não foram também seus contemporâneos.

O nosso homem foi estudante de Belas Artes, foi estudante trabalhador, boémio, professor, oficial da Força Aérea, pintor... Cachatra terá sido, a crer nalgumas telas mais exuberantes, um "bon vivant", um "play boy", um homem com a vida cheia, preenchida, até de problemas creio, a sua saída tumultuosa do liceu de Évora, em confronto com o reitor (homem do regime), faz com que o considere um inadaptado à bonomia e pasmaceira do Alentejo, mais concretamente de Évora, cidade onde, parafraseando salvo erro Vergílio Ferreira, quem tivesse menos de quatrocentos porcos ou mais que a quarta classe não seria gente fiável nem para levar a sério. Sabemos que Vergílio Ferreira deu por essa época aulas no mesmo liceu, mas penso que Cachatra terá leccionado entre 63 e 65, Vergílio Ferreira andara por aqui somente meia dúzia de anos antes, entre 45 e 48. Teria sido engraçada a sua simultaneidade e convívio, que temas lhes teriam açambarcado as conversas e a camaradagem ?

Foi por esses anos que Cachatra recusou ser reintegrado como tenente na Força Aérea, coarctando a continuidade ou curso de uma carreira militar que interrompera, porquê ? Inconformismo e recusa do regime Salazarista ? A guerra ultramarina irrompera feroz em 61...

Não esqueçamos que Humberto Delgado, general nomeado em 59 Director-Geral da Aeronáutica, posteriormente oposicionista, fora perseguido, em 59 exilado, e posteriormente assassinado a 13 de Fevereiro desse ano de 65. A atitude de Cachatra teria sido de insurgência ? Subversão ? Recordemos a veia "modernista" e por acréscimo "futurista" de José Cachatra, e os aviões, os quais eram nesse período histórico as máquinas futuristas por excelência, que o terá levado a abandoná-las ?  Igualmente por esses anos Henrique Galvão, mais precisamente em 1961, organizara e comandara o assalto ao paquete Santa Maria, numa tentativa de provocar uma crise política contra o regime de Salazar e desse modo acicatando os meios oposicionistas, onde decerto Cachatra se moveria, e então efervescentes.

São estes episódios de rebeldia que me autorizam a arriscar afirmar que muito singelamente poderão testemunhá-lo, ou pelo menos assim nos autorizam, a inscreve-lo como um independente, ou portador de um pensamento libertário, ou mais que isso, um independentista formado e empedernido, um sólido ponto referencial de coerência na aparente volatilidade da sua agitada vida.

Seria o antinacionalismo dele, ou nele, que talvez expliquem a sua faceta irreverente, ou anárquica, demolidora de cânones, é sabido que as correntes neo-realistas nasceram daí, da recusa da sobranceria e da exploração ou escravização do homem. O neo-realismo de Cachatra é sobretudo alentejano, pois noutras suas composições não é visível esta corrente, nessas outras está bem vincado o tal impressionismo e proto cubismo órfico que a brochura bem cita, o abstraccionismo e o expressionismo, tudo movimentos, tendências e correntes que nitidamente grassaram igualmente entre outros que lhe foram contemporâneos e com quem terá sido impossível não se ter cruzado em tertúlias e debates.

José Carlos Cachatra dar-me-ia, se o quisesse, pano para mangas, e torna-se tentador um seu estudo sincrónico / diacrónico abrangendo contemporaneidades suas como Almada Negreiros (1893-1970), Júlio Pomar (1926 -…), Júlio Resende (1917-2011), Fausto Sampaio (1893-1956), Dordio Gomes (1890-1976), Manuel Cargaleiro (1927-…), Nadir Afonso (1920-2013), Helena Vieira da Silva (1908-1992), António Charrua (1925-2008), António Palolo (1946-2000) e Paulino Ramos (1923-1999) os dois últimos autodidactas,  e muitos outros, todos eles imbuídos desse espirito de uma época que tudo revolucionara e até já enterrara muitos dos seus principais debutantes e intervenientes, quer a nível europeu quer mundial.

Contudo todavia mas porém a vidinha está má, difícil, e nem me pagam para isso, portanto deixo a oportunidade a quem queira desenvolver sobre o tema quaisquer teses de mestrado ou doutoramento, a gente nova e cheia de garra, acreditem que não brinco.

Infelizmente Cachatra morreu meia dúzia de dias antes do bambúrrio de 25 de Abril de 74, deve ter sido homem de esperanças, felizmente para ele morreu com elas, nós certamente morreremos desiludidos. 

P.S. – Deixo uma nota breve, o desejo que daqui a 50 anos não estejamos de igual forma a tentar adivinhar, ou compor, a vida e percurso de Marcelino Bravo, é eborense, e ainda é vivo).
                                                         PP 01
                                                      FLORES
                                             PALHAÇOS MÚSICOS
                                             




                                                        ÉVORA

terça-feira, 16 de junho de 2015

247 - A PARÓDIA DOS 460 ..........................................

     Eu já esquecera a coisa, mas as circunstâncias encarregaram-se das trazer de volta à minha memória. Ao arrumar e dar uma limpeza na garagem achei uma caixa de velhas cassetes, uma delas, cópia de excertos de várias reportagens que para a RDP fizera em directo e debaixo de fogo no longínquo ano de 2003.

Muitos amigos e colegas, após o meu regresso, se riram comigo e eu com eles, relembrando a panorâmica de 460º que eu afirmara ter a partir da localização onde me encontrava observando e vivendo os acontecimentos. Rimos que nos fartámos, e já bebemos e brindámos à pala disso umas centenas de vezes. O que muita gente não conhece, porque fora desse exclusivo e restrito grupo, são as circunstâncias especiais em que os relatos decorreram, particularmente esse.

Esclareçam-se as coisas, quer esse quer os outros foram feitos em directo, todos eles, o que aliás se perceberá pelo ruído de fundo, não poucas vezes rebentamentos próximos e fogo de retaliação, de artilharia ou de antiaéreas disparando ao acaso contra um inimigo invisível, ao acaso até serem detectadas e pronta e sistematicamente silenciadas. Passados dias coube-me ver a parafernália defensiva montada em camiões que se deslocavam, céleres, após cada disparo, mas convém admitir que essa estratégia foi gizada tarde demais e nada ter adiantado.

A conquista da cidade processara-se com o cronos decorrendo intensamente, e o que era compreensível ou aceitável ou lógico pela manhã poderia estar absurdamente subvertido à tarde, e fazia das tropas defensivas autênticas baratas tontas sucumbindo paulatinamente ao avanço do agente DUM DUM. Algumas eram literalmente pulverizadas.

Adiante-se que quer a minha calma quer a minha coragem eram igualmente aparentes. A calma decorria do facto de ter interiorizado (de bombardeamentos anteriores, aquele não era nem de longe o primeiro) processarem-se os mesmos cirurgicamente, e não ver qual o interesse que poderia haver em atirar o Sheraton abaixo. Tínhamos sido mudados do famoso Palestina para este, cuja construção, mais recente, já obedecia a directrizes de Saddam, (abrigos nas caves), situado em frente e na mesma rua. Acrescia o facto de eu não ter então, ou ainda, conhecimento de danos colaterais sofridos algures, o que também contribuía para a minha calma. A coragem advinha-me de me negar a gorar o prazer aos ouvintes que em directo seguissem as peripécias daquela guerra, da circunstância do edifício abanar mas dificilmente cair, e de me encontrar havia vários dias ensopado de adrenalina.

Por duas ou três vezes apostara comigo mesmo que alvo se seguiria de quantos se encontravam ao alcance da minha visão, e ter ganho essas apostas. Mas a minha recusa decorria também da pouca disposição para descer (e posteriormente ter que subir) quinze andares de escadas, pois a energia passava a maior parte do dia ausente e sem ela colapsavam elevadores e aumentava exponencialmente o perigo de um incêndio em qualquer andar do hotel, onde tudo funcionava à luz das velas.


Foi por essa a razão que, quando os simpáticos encarregados árabes da segurança do hotel me apareceram intimando-me a descer aos abrigos das caves eu me recusara terminantemente a ponto de lhes responder, ou gritar, no fear, no fear, NO FEAR ! numa linguagem que sabia entenderem (que se ouve na gravação). A minha táctica não surtiu contudo efeito, acabariam por levar-me quase à força, não sem que antes acabasse o meu relato, em boa hora, pois que os bombardeamentos se aproximavam a cada minuto e numa linha recta na qual o Sheraton se inseria de modo nítido. 

Evidentemente as minhas calma e coragem eram mais aparentes que outra coisa e encontravam-se até muito longe de dominadas ou controladas por mim, se estar às voltas no carrocel do Alverca já nos inebria, imaginem-me, um pacato alentejano naquela situação. A primeira ameaça residia nos vidros das janelas, se se estilhaçassem seriam arremessados contra mim deixando-me que nem um passador… A segunda ameaça consistia, citava-se por todo o lado, no perigo da forte deslocação de ar provocada pelos rebentamentos estar a arrancar as cabeças do lugar a muita boa gente, mesmo que afastada do epicentro das mesmas, isto para não falar de um impacto directo em que pura e simplesmente reduzisse a pó ou provocasse a derrocada do hotel de 20 ou mais andares.

Confesso ter sentido um fascínio inexplicável em toda aquela situação, o tremer do prédio, que contagiava as minhas pernas com um tremor que se apossou de todo o meu corpo, e o espectáculo de luz e som em que inconscientemente olvidamos quem ou quantos o alimentam, isto é, nele perecem. É um festival de luz cor e som inimitável, um cheiro a pólvora que inebria, e em que uma falsa sensação de segurança prodigiosa nos cola agarra e fixa ao lugar, em que um misterioso encantamento nos torna admiradores inconfessáveis do homem e da técnica ou os extremos a que a aliança deles nos conduziu, como é possível tanta maravilha ?

- Tanta precisão, tanta pontaria
- Tanta capacidade, tanta destruição
- Tanta indiferença, tanta intenção
- Tamanho absurdo, tal maldição ?

Não foi portanto o maravilhoso mistério da criação que me tomou, antes o deslumbramento da perdição e, por momentos fui cúmplice do diabo e exultei, teimei mesmo nele durante o meu relato e foi esse deslumbramento, colado nessa frase, que inda hoje de vez em quando os amigos me soletram aos ouvidos rindo.

- Da janela deste 15º andar do Sheraton desfruto de uma panorâmica de 460º bla bla bla, tudo isto seria cómico se não tivesse sido trágico e, soube-o depois, choque e pavor premeditados numa operação destinada a subjugar um ditador mas também uma nação, um povo.

Claro que fiz prognósticos, quem os não fazia por aquele dias ? A diferença é que os meus foram passados a livro, estão lá, estão plasmados ali para que quem se dignar os avalie, infelizmente não falhei um dos muitos e muitos que formulei.

O ISIS, o porquê do Isis ? Está lá o prognóstico, ele e a resposta. O país, o seu futuro, as várias confissões religiosas, a dificuldade ou impossibilidade da reconstrução, está lá tudo, preto no branco, e temo, sim temo, não que o futuro me desminta mas antes que me ultrapasse, que vá ainda mais longe no absurdo do que alguma vez julguei ser possível, ou até inimaginável.

Irei editar em CD essa famosa e divertida gravação (e que Deus me perdoe), colar-lhe-ei algumas fotos desses momentos traumáticos para aquela que era uma grande e linda cidade, desde já me comprometo  colocar, acrescentar,  o link neste texto, os primeiros contactos com o técnico de som e vídeo estão feitos, vamos esperar que ele goze o S. João, como me prometeu. 

                  https://youtu.be/E1EazTwjCcU