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quinta-feira, 30 de julho de 2015

261 - CUTILEIRO ..........................................................


Afinal quem vai ganhar ? O ambiente que já se vive na pré campanha mais parece de festa, e claro que nós melhor até que no reino da Dinamarca, pelo que acho ser impossível desgraça maior, contudo confiemos, inda que seja de toda a prudência manter um olho no burro e outro no cigano, ou no árabe, ou no romeno, no ucraniano, no vadio, no drogado, no desempregado, no preto, and so on…

O céu está limpo, as nuvens negras desapareceram, a manhã aqueceu e a esplanada ficou agradável, bebo uma bica para me reconfortar da Exposição do amigo João Cutileiro, “Árvores do Conhecimento Com Alguns Frutos”, à Igreja de S. Vicente, de onde acabei de sair e na qual nem cinco minutos me demorei, espera o artista  que o fruto da dita lhe vá parar às mãos, está bem está ...

Cinco ou seis árvores de pedra, coisa pequena, coisa miúda, e tal qual o publicitado, produto de mãos hábeis e da mente rica criativa e lúcida de Cutileiro, por aí nada a dizer, nem da montagem, cuidada como sempre, nem sei se alguém faria melhor com o pouco que lhe meteram nas mãos, parabéns portanto à organização, pois o que me deixou meditando no artístico Cutileiro foi o seu estado de espirito, o que me conduz a outro desvio colateral nesta conversa, os parabéns à Associação Cultural Colecção B, que o soube cooptar, sabido ser Cutileiro um artista de peso, e de regime, um artista que sempre fez trabalhos essencialmente para determinado partido, obras grandes e melhor pagas. Lembro o designado “Falo”, um amontoado de pedregulhos ao cimo do Parque Eduardo VII e que um tal partido alegadamente terá pago bem, perdão, um partido não, supostamente a CML pagou, suponho que bem e a tempo e horas. Bem mais próximo de nós, temos o “Arco do Triunfo” ali às Portas do Raimundo, que deve ter sido pago a peso, sendo precisamente a questão do peso, peso institucional enquanto mandatário de campanhas e não só, o que verdadeiramente me atira para uma outra vereda colateral…

Os tempos vão maus, só cortes, as instituições públicas contam os tostões e o artístico amigo Cutileiro tem um estaleiro para gerir, armazéns, matérias-primas, gruas, monta-cargas, energia, combustíveis, rendas, provavelmente vencimentos já que acolhe lá uma catrefada de vocações que não acredito vivam somente do ar, portanto há que diversificar a oferta, descobrir-lhe novos nichos, torná-la acessível a outros espaços, a outras bolsas mais moderadas que os cofres ou contas bancárias de quaisquer municípios amigos, torna-la menos volumosa, e pesada, a fim de caber numa entrada, numa sala, na caixa de uma carrinha, na mala de um carro, ou até capaz de ser levada embrulhada debaixo do braço. Um novo conceito de arte ao portador e ao domicílio, um impulso no binómio da produtividade versus rentabilidade.

Portanto parabéns às produções Colecção B, que o cooptaram e parabéns ao amigo Cutileiro que teve visão para prever a quebra no mercado da arte e soube magistralmente delinear com a antecedência necessária e exigida uma estratégia salvífica (peditório para o qual já dei), de que a exposição que visitei é um genial instrumento, multiplicado em S. Bento de Cástris e a multiplicar em centos de sítios, assim os Deuses lhe propiciem longa vida, inspiração e compradores porque é aí que bate o galho, já que falávamos de árvores e jardins e todos sabemos que a cavalo dado não se olha o dente.

E por falar em cavalos, o amigo Cutileiro, e outros, que tirem o cavalinho da chuva pois os tempos estão mudando e não voltarão atrás, se bem que continuemos promovendo, homenageando, louvando e premiando precisamente os mesmos, precisamente aqueles que nos trouxeram até aqui, até este buraco onde soçobramos com merda até ao pescoço, lamento muito o amigo Cutileiro e outros, mas as pessoas não comem pedras, tal como não comem TGV’s disse o outro, que hora a hora se contradiz e nem sabe o que diz…







sexta-feira, 19 de junho de 2015

248 - CACHATRA EM S. VICENTE …………………


              Não me recordo já como era aquela canção do J.M. Branco, ou do Fausto... louco ou marinheiro... lólarélóli... Mas procurá-la-ei e colocarei aqui o link, fica jurado. Assim confuso me senti ante a restrita mas rica colecção de pinturas de José Cachatra (1933-1974), o esquecido, enlouquecido, extrovertido, exuberante, doutor, aviador e pintor José Carlos Cachatra,  de Borba mas eborense claro, o indizível, o maldito, o inexplicável, o inclassificável e, por acréscimo ou silenciamento, o inominável.

Já por três vezes visitei esta exposição, (no primeiro dia praticamente só metera o pé na porta) e nem me cansei, há pormenores que nos ocupam uma eternidade a entender. E será que os entendi ? No mínimo conjecturei, o que não deixa de ser uma prerrogativa ou intenção de qualquer artista ou autor, julgo.

Mas não nos afastemos do tema, e para rimar, é pena, é pena que as composições não estejam datadas, porque seria mais fácil entender, ou não, se os diferentes períodos da sua tão curta vida se reflectiram, e de que modo, na pintura e nas opções temáticas e cromáticas que fez. Aproveito porém para deixar eu também os meus agradecimentos aos proprietários das obras, e a todos aqueles que de alguma forma intervieram nesta linda exposição.

Uma coisa é certa, o tema Alentejo quase monopoliza as obras expostas, motivos, paisagens, gentes, e, segundo creio o grosso das obras conhecidas. O que sabemos é que o período vivido em Évora foi dos mais produtivos da sua curta mas profícua e atribulada carreira.

Atentei nos pormenores disse-vos há pouco, na firmeza e domínio do pincel, na inclinação progressão e certeza das pinceladas, em cuja direcção não vislumbrei a mínima hesitação. Casos há em que, ao invés de cerda, ou de espátula, se terá servido dos dedos, o que nos aparece nítido numa pequena composição (talvez 30X20cm, nº PP01 nas imagens que vos cedo) em que até a unha parece ter sido utilizada e, aqui sim, embora em pequeníssima dimensão, hipotéticamente com recurso a uma técnica de Pollock, designada "action painting". Sabe-se que Pollock executava obras gigantescas, saltando para o meio das telas e pintando do interior para o exterior, neste aspecto o catálogo da exposição apresenta alguma ligeireza, ao não ter sido dado a verificar ou rever por autoridade na matéria, induzindo em erro o visitante mais incauto ao comparar a técnica de Cachatra ao "dripping" de Pollock, o que constitui erro grosseiro, o "dripping" é uma técnica de gotejamento ou salpico da tela pelo pincel com a qual nenhuma obra nesta exposição de José Cachatra nos autoriza a fazer tal afirmação ou comparação.

Cachatra modernista ? Sim, claro, mas de um modernismo muito próprio, nele se nota abertamente uma aversão à tradição com a adopção clara de novas formas e fórmulas de expressão a que não terá sido alheia a extinta e brevíssima "Orpheu", (surgida em 1915 mas da qual só se publicaram 2 números), revista que subverteu e durante muito tempo influenciou artistas e autores portugueses em cujo círculo o nosso homem, embora arriscando afirmá-lo, decerto privou. 

           Quase sem excepção as suas figuras, os seus motivos, são fruto das novas correntes já firmadas na Europa, e desenvolvidos num traço estilizado mas nunca deixando de ser firme, o que nos prova uma mão segura, um domínio genuíno da arte e da palete, até naqueles quadros em que, não um "sfumato" mas uma indefinida penumbra anima os contornos. Expressão de estado de alma ? Embora artista seguro surgem-nos por vezes composições suas cujo jogo cromático nos apresenta propositadamente tons esbatidos, a par de outras em cores mais vivas, casos em que me atreveria mesmo a falar de cores limitada ou condicionadamente exuberantes, em Cachatra o deslumbramento nunca nos advém das cores, antes das formas, (exemplo de Flores, na minha designação).

Embora vasta, à volta de cinquenta quadros expostos, acredito que a ausência de muitas obras por dispersão ou desconhecimento delas, não nos permitem que, exclusivamente com base nestas, possamos classificar ou catalogar levianamente o autor. As "poucas" obras expostas mostram-nos uma amplitude temática rica, de onde sobressaem grupos que pela sua afinidade estilística ou cromática, ou técnica, se isolam dos demais, ou antes sobressaem dos demais, já que algumas telas não fazem de modo algum jus à personalidade conhecida do pintor, reservada, e, segundo se conhece, de um dramatismo que o conhecimento precoce e interiorizado de uma morte prematura acelerou, pois a doença e a instabilidade, sabemo-lo, foi uma sua constante e cruz.

Cachatra reproduz Picasso (1881-1973) e o cubismo, com os seus Palhaços Músicos, e Les demoiselles d'Avignon e os seus nus, ou Paul Cézanne (1839-1906) e Les Grands Baigneuses, Cachatra foi um modernista, viveu como um modernista, conviveu com modernistas na sua fase Lisboeta, e eu apostaria ter frequentado tertúlias e partilhado a companhia de outros modernistas portugueses hoje muito conhecidos. A sua pintura no-lo diz, que inclusive muito se assemelha à de alguns pintores europeus, especialmentes franceses, que por pouco não foram também seus contemporâneos.

O nosso homem foi estudante de Belas Artes, foi estudante trabalhador, boémio, professor, oficial da Força Aérea, pintor... Cachatra terá sido, a crer nalgumas telas mais exuberantes, um "bon vivant", um "play boy", um homem com a vida cheia, preenchida, até de problemas creio, a sua saída tumultuosa do liceu de Évora, em confronto com o reitor (homem do regime), faz com que o considere um inadaptado à bonomia e pasmaceira do Alentejo, mais concretamente de Évora, cidade onde, parafraseando salvo erro Vergílio Ferreira, quem tivesse menos de quatrocentos porcos ou mais que a quarta classe não seria gente fiável nem para levar a sério. Sabemos que Vergílio Ferreira deu por essa época aulas no mesmo liceu, mas penso que Cachatra terá leccionado entre 63 e 65, Vergílio Ferreira andara por aqui somente meia dúzia de anos antes, entre 45 e 48. Teria sido engraçada a sua simultaneidade e convívio, que temas lhes teriam açambarcado as conversas e a camaradagem ?

Foi por esses anos que Cachatra recusou ser reintegrado como tenente na Força Aérea, coarctando a continuidade ou curso de uma carreira militar que interrompera, porquê ? Inconformismo e recusa do regime Salazarista ? A guerra ultramarina irrompera feroz em 61...

Não esqueçamos que Humberto Delgado, general nomeado em 59 Director-Geral da Aeronáutica, posteriormente oposicionista, fora perseguido, em 59 exilado, e posteriormente assassinado a 13 de Fevereiro desse ano de 65. A atitude de Cachatra teria sido de insurgência ? Subversão ? Recordemos a veia "modernista" e por acréscimo "futurista" de José Cachatra, e os aviões, os quais eram nesse período histórico as máquinas futuristas por excelência, que o terá levado a abandoná-las ?  Igualmente por esses anos Henrique Galvão, mais precisamente em 1961, organizara e comandara o assalto ao paquete Santa Maria, numa tentativa de provocar uma crise política contra o regime de Salazar e desse modo acicatando os meios oposicionistas, onde decerto Cachatra se moveria, e então efervescentes.

São estes episódios de rebeldia que me autorizam a arriscar afirmar que muito singelamente poderão testemunhá-lo, ou pelo menos assim nos autorizam, a inscreve-lo como um independente, ou portador de um pensamento libertário, ou mais que isso, um independentista formado e empedernido, um sólido ponto referencial de coerência na aparente volatilidade da sua agitada vida.

Seria o antinacionalismo dele, ou nele, que talvez expliquem a sua faceta irreverente, ou anárquica, demolidora de cânones, é sabido que as correntes neo-realistas nasceram daí, da recusa da sobranceria e da exploração ou escravização do homem. O neo-realismo de Cachatra é sobretudo alentejano, pois noutras suas composições não é visível esta corrente, nessas outras está bem vincado o tal impressionismo e proto cubismo órfico que a brochura bem cita, o abstraccionismo e o expressionismo, tudo movimentos, tendências e correntes que nitidamente grassaram igualmente entre outros que lhe foram contemporâneos e com quem terá sido impossível não se ter cruzado em tertúlias e debates.

José Carlos Cachatra dar-me-ia, se o quisesse, pano para mangas, e torna-se tentador um seu estudo sincrónico / diacrónico abrangendo contemporaneidades suas como Almada Negreiros (1893-1970), Júlio Pomar (1926 -…), Júlio Resende (1917-2011), Fausto Sampaio (1893-1956), Dordio Gomes (1890-1976), Manuel Cargaleiro (1927-…), Nadir Afonso (1920-2013), Helena Vieira da Silva (1908-1992), António Charrua (1925-2008), António Palolo (1946-2000) e Paulino Ramos (1923-1999) os dois últimos autodidactas,  e muitos outros, todos eles imbuídos desse espirito de uma época que tudo revolucionara e até já enterrara muitos dos seus principais debutantes e intervenientes, quer a nível europeu quer mundial.

Contudo todavia mas porém a vidinha está má, difícil, e nem me pagam para isso, portanto deixo a oportunidade a quem queira desenvolver sobre o tema quaisquer teses de mestrado ou doutoramento, a gente nova e cheia de garra, acreditem que não brinco.

Infelizmente Cachatra morreu meia dúzia de dias antes do bambúrrio de 25 de Abril de 74, deve ter sido homem de esperanças, felizmente para ele morreu com elas, nós certamente morreremos desiludidos. 

P.S. – Deixo uma nota breve, o desejo que daqui a 50 anos não estejamos de igual forma a tentar adivinhar, ou compor, a vida e percurso de Marcelino Bravo, é eborense, e ainda é vivo).
                                                         PP 01
                                                      FLORES
                                             PALHAÇOS MÚSICOS
                                             




                                                        ÉVORA

quarta-feira, 5 de março de 2014

179 - NOSSA SENHORA DA LAGOA ......................


Sempre duvidara que aquela enorme igreja assentasse as fundações em cima de uma lagoa, não tanto por duvidar ter a física da leveza sucumbido às premonições populares e disso não ser capaz, afinal eu mesmo já vislumbrara várias vezes a vila inteira pairando acima das nuvens, vila, castelo, varandil, igreja, cisterna, escola, muralhas, tudo certamente muito mais pesado que uma igreja só, sobretudo uma de aparência tão leve como o azul claro que certa vez lhe rematava os baixinhos. 

                   Porém era para mim difícil aceitar que ali houvesse uma lagoa, as dúvidas assaltavam-me não obstante a certeza das águas na cisterna, e que bastas vezes sentira bem frias nas cálidas tardes de verão em que eu e o Julinho lá nos refugiáramos da canícula.

Nessa manhã aborrecera-me, já ia alta, e eu, sozinho, brincara de avião em torno do pelourinho quando senti roçagar na face as almas penadas dos expostos e a pele se me arrepiou num calafrio repentino, como quando acordava com uma osga passeando-se no meu pescoço. 

Afastei-me receoso e tão bruscamente que as grilhetas dos mortos se me enlearam nos pés e me travaram os passos e, temente, encostei-me ao gargalo do poço cuja água, tão profunda, jamais poderia ser a mesma que a do charco da igreja de Nossa Senhora da Lagoa, mas reflectia, refractada nos círculos concêntricos que se formavam na queda das pedrinhas que com desfastio provocado pelo ar pesado da manhã eu lhe atirava, reflectia a minha imagem, tremente e temente, e que por instantes ficava impressa nessa água assim agitada, em contraponto à quietude a que os sacrificados mártires no pelourinho se impunham.

Foi somente quando o fundo do poço me devolveu a imagem de um ungulado de olhos em chamas que o corpo se me inteiriçou numa paralisia asfixiante e intentei fugir dali, subtraindo-me ao hausto que o gargalo do poço exalava e espinhosamente me atraía para as águas profundas que o bolçavam.

Dei por mim fugido da razão e trémulo da emoção que me causou o tecto elevado da igreja, cosi-me melhor contra uma das altas colunas que sustentavam a nave quando me mirei e remirei nas lajes escuras do chão de xisto impregnadas de humidade, tentando não ser eu mas um outro que refugiado estaria numa palafita que séculos antes dos castros ocupavam o lugar que hoje a igreja de Nossa Senhora da Lagoa tanta protecção me oferecia.

Do alto da minha pequenez assustada encolhia-me ante a esplendorosa talha dourada do altar mor e atrevi-me, pé ante pé, a percorrer a nave deserta e fresca onde eu só não levitava por sentir sobre mim o pesado olhar de todos os santos, em todos os altares, em todas as capelas, focados em mim, intimidando-me, enquanto continuava ouvindo silvando lá fora as almas dos mortos rodopiando em volta do pelourinho e assomando ao gargalo do poço, arrastando as correntes e exibindo as chagas purulentas cujo cheiro, fétido, os círios ardendo nos altares cobriam e eu, de pernas tremendo como varas verdes, num salto fenomenal para não pisar as lajes sob as quais descansam em paz os ditosos, saí dali a fim de lhes não perturbar o eterno sossego que naquela paz sagrada buscavam.

Vergado à compunção ensurdecedora que o silêncio da igreja incutia, arrastei tenazmente os meus medos e alcancei a escada que me conduziu à varanda no alto do frontão entre as duas torres sineiras cujos sinos, melíflua e melodiosamente, me acordavam em cada manhã das férias passadas naquela vila que já era um navio, mas que não tinha então à vista o enorme mar em cuja bonança hoje navega.

Matei a curiosidade e toquei no bronze frio dos sinos com a ponta dos dedos, experimentando neles a duvidosa magia de comando das almas para que o Julinho me alertara, cujo penar se sumia dos nossos sentidos quando, admirados, recolhiámos a mão do verdete sujo do sino, para só tornar tocando-lhe de novo,  e então novamente as almas em seu diáfano horror em redor do pelourinho e na borda do poço, para se remeterem ao sepulcral  penar mal eu encolhia novamente o dedo.

E foi assim que senti, dominando os meus medos, esvaír-se-me a infância, estando eu nisto quando, nem precisava ter ouvido lá em baixo o senhor Teófilo, cujos gestos não davam lugar a dúvidas convidando-me a descer antes que subisse ele e me desse duas lambadas. Amuei mas desci.

Mau grado as ameaças tomei, contente, nesse pungente momento a firme decisão que naquele dia transmiti à avó Inácia :

- Avó, a partir d’hoje não quero voltar a usar calções nem suspensórios.

Ela sorriu para mim, estendeu-me os braços em que me acolheu e …

- Meu querido menino, és mais parvinho que o teu avô.

Puxou-me para o seu colo enquanto me lambuzava com beijos sabendo quanto eu detestava isso, e só escoando-me me libertei daquele abraço e sorriso mágicos com que sempre me cingia.

De fugida da avó avistara o Julinho perscrutando a praça da sacada da janela. Gritei-lhe e fiz-lhe sinal. Descemos ao largo lajeado da igreja e sentámo-nos na escadaria. Esculpidos nas lajes a canivete os sulcos dos jogos do Alquerque* convidavam-nos a um despique, ele alinhou, eu fiquei com as pedrinhas brancas ele com as pretas. Ganhou o melhor de nós.

  
* Alquerque – Velho jogo árabe cuja origem ninguém na vila conhecia. Espécie de “jogo do galo” Cada contendor ao invés de alinhar cruzes procura alinhar as suas pedras.