A partida era às sete.
Não eram habituais atrasos.
Alguém lembrou que na véspera ouvira umas conversas esquisitas enquanto emborcava umas canecas, culpando a mãe, mas… quem liga a quem nessas ocasiões?
Eram quase oito horas, partimos, eles que dessem depois mais gás à máquina e talvez nos apanhassem no caminho, era norma, não normal acontecer, mas norma.
Até porque ou nos púnhamos a abrir ou nem um metro de praia onde estender a toalha quando chegássemos, sabido não haver maricas nenhum de Lisboa que não parecesse buscar o sol de Sesimbra.
Abalámos chateados, atrasados, recuperando o tempo acelerando a fundo e ultrapassando uns pela esquerda e outros pela direita, foi um espectáculo, um verdadeiro festival, não fazíamos uma destas desde a viagem a Faro!
O dia foi bem passado, mau grado eles não atenderem os telemóveis nem terem ligado ou aparecido.
No regresso, já sem pressas, fome ou sede, coisas que atiráramos fora em Vendas Novas, a capital das bifanas e da parvoíce diz sempre o Afonso, rumámos aos arredores e à quinta onde viviam, nada.
O jipe e a moto do Hélder estavam debaixo do telheiro habitual, do Mercedes da Verónica nem sinal.
Tudo fechado, certo que eram vinte horas, mas nem uma luz, um sinal, nem do alarme, o Farrusco e o Tirano esfomeados e sedentos, ali havia gato,
– e cão –, rematou o Afonso.
Rumámos a casa da mãe, que distava quilómetro e pouco, na mesma propriedade.
A Verónica tinha sido hospedeira da TAP, toda “não me toques” até casar com o Hélder, órfão de pai seis meses depois de casar e no dia em que a mulher apareceu ao sogro com uma carrada de piercings mais umas tatuagens, uma delas, uma borboleta dois dedos acima do rabo e que, diz quem sabe, foi a culpada do enfarte do velho.
A Verónica tinha sido hospedeira da TAP, toda “não me toques” até casar com o Hélder, órfão de pai seis meses depois de casar e no dia em que a mulher apareceu ao sogro com uma carrada de piercings mais umas tatuagens, uma delas, uma borboleta dois dedos acima do rabo e que, diz quem sabe, foi a culpada do enfarte do velho.
Chegámos, D. Apolónia veio a terreiro sem precisar sequer que a chamassem, que a culpa era nossa, que nunca tivéramos juízo e ao filho só fizera mal ter-nos conhecido e acompanhar-nos e práqui e práli.
Bem quis esclarecer o caos, parei a moto, desci, avancei e;
– Já aí quieto meu maricas de galarito!
– Já aí quieto meu maricas de galarito!
Tu és o pior de todos!
Nem mais um passo!
Quanto mais velhos menos juízo têm!
Ainda tentei balbuciar qualquer coisa mas D. Apolónia, embora com menos uns anitos que eu sempre me tratara por tu, com indisfarçável indiferença e menos respeito ainda, coisa que nunca compreendi mas sempre aceitei, era mulher rude, campónia, mãe do meu amigo, nunca pensei casar com ela, pelo que tanto se me dava como se me deu, naquele dia deu.
D. Apolónia mas…
- Já te disse meu maricas!
Põe-te fora daqui e já!
Paneleiros!
São todos uns paneleirões, paneleiros e putéfias, meu rico filho com quem se meteu!
São todos uns paneleirões, paneleiros e putéfias, meu rico filho com quem se meteu!
Por tua causa e de outros como tu, meu merdas, é que…
Não adiantou, não conseguimos arrancar nada de nada a D. Apolónia, mas, a julgar pela coisa algo se tinha passado, e grave.
Certo que tinha partido de Évora protegido pelo meu fato de cabedal azul, o escuro, mais fresco, mas àquela hora estava de bermudas, uma camisola de manga cavada até à cintura comprada com o propósito de deixar mostrar os músculos e a beleza deste corpinho, o cabelo de um azul-marinho lindo, enfim, tudo adereços que em vez de acalmarem mais espevitaram a ferocidade de D. Apolónia, uma daquelas pessoas cheias de narda e de propriedades mas carente de massa cinzenta, para quem a frase “todos diferentes, todos iguais” seria mais uma coisa provinda desse novo jogo do “soduku” que um qualquer pensamento profundo, uma vez que era mulher mais propensa a coisas práticas.
Debandámos.
Já pela meia-noite a Gina viu o Mercedes da Verónica com o focinho enfiado na garagem do Pilha-galinhas, mais concretamente o Maurício, estranha coisa, pois o Hélder e o Maurício eram inimigos figadais há anos, telefonou à maralha, a maior parte de nós na feira de Reguengos, e lá acorremos pelo que quando batemos à porta éramos já um grupo coeso de amigos na farra, grupo a que só faltavam o Maurício, a Verónica e o Hélder.
Foda ou canelada?
Foda…
A Verónica tinha uns olhos de quem chorava há um mês, por ela ficámos sabendo metade da história, pelo Maurício outra parte, faltaria o Hélder, cujo paradeiro todos desconheciam e cujo depoimento esclareceria e comprovaria os pormenores em falta, os dados adquiridos, e o facto de, na passada semana a Verónica e o Hélder se terem engalfinhado.
A Verónica tinha uns olhos de quem chorava há um mês, por ela ficámos sabendo metade da história, pelo Maurício outra parte, faltaria o Hélder, cujo paradeiro todos desconheciam e cujo depoimento esclareceria e comprovaria os pormenores em falta, os dados adquiridos, e o facto de, na passada semana a Verónica e o Hélder se terem engalfinhado.
Ela dera-lhe um pontapé, ele, ferido no seu orgulho de macho latino ripostara com um “cabra de merda, a minha mãe é que tinha razão” e atirara-lhe um murro ao focinho que a deitara por terra e pusera a sangrar.
Ela apenas se lembra de ele a ter posto na rua, arrancado as chaves de casa, gritado galdéria de merda não me voltes a aparecer diante que te fodo o juízo todo, e ter abalado, a pé, chorando, para casa da mãe.
Segundo a Verónica confidenciou à Filipa, a exaltação adviera da estreia, umas noites atrás, duma fantasia de enfermeira, coisa que sabia agradar ao Hélder, que já se queixava das máscaras, das capas e dos chicotes e algemas, coisas de que andaria a ficar mesmo farto.
Despeitada e metida na rua a Verónica rumara ao único homem que há muito lhe prometera e prometia o coração, o Maurício, não por acaso conhecido pelo cognome de Pilha-galinhas…. em cuja casa se instalou de mesa e pucarinho, que é como quem diz de armas e bagagens, mostrando ao Hélder não precisar dele para nada.
Só que as coisas nunca são assim tão fáceis.
Enquanto a Verónica e a Filipa entre lágrimas e juras, planos de vingança e contenção, se esclareciam, o Maurício abria a matraca ao ouvido do Leandro para se lamentar que toda a vida tinha tentado saltar prá cueca daquela gaja, sem qualquer resultado, chegara a ponto de lhe prometer e jurar amor eterno, e nada, e casamento, e nada, a não é que agora a tinha ali, ainda por cima para ficar!
E logo agora que nada lhe convinha, que já tinha férias combinadas, pagas e repartidas com a Fátinha em Porto Covo, e aparece-lhe esta gaja em casa, sem avisar, sem dizer água vai água vem, a meter-se-lhe na cama, fogo, não via que mal tivesse feito a Deus para merecer aquilo, e agora?
E agora quem é que lhe tirava a gaja debaixo porra?
E agora quem é que lhe tirava a gaja debaixo porra?
Tou mesmo a ver que mais dia menos dia o Hélder vai chorar no meu ombro depois de umas cervejolas, vituperar a mãe e a moral de merda da velha, mais a própria estupidez por lhe ter dado ouvidos, chorar pela Verónica e cagar-me calças e blusa de baba e ranho e eu, farto desta merda, faço votos para que a coisa se resolva depressa, afim de não estragar as férias ao Maurício e à Fátinha, o leve a repensar a coisa e aproveitar as fantasias em que a Verónica é mestra, e ela que encha a barriga e quebre violentamente a rotina aproveitando para fazer com o Maurício o que pelos vistos não deve ou não pode fazer com o maridinho que, por sua vez não faria mal em se desfazer da velha, pois já é crescidinho e fica-lhe mal furtar-se à Verónica quando toda a gente sabe as porcarias de que é capaz quando se apanha sozinho em Gerês, Faro ou em qualquer outro sitio.
Mas como não há mal que não venha por bem, a Mariazinha, que há dez anos corteja o Hélder, esfrega as mãos de contente e oferece tartes à D. Apolónia.
Ela lá saberá porquê.
Ela lá saberá porquê.
E eu, bem… eu o melhor, pelos vistos seria começar a ter juízo ou montar um consultório sentimental…..