quarta-feira, 8 de junho de 2011

56 - DA NATUREZA DAS COISAS...



Conheci-a vai para muitos anos. Conheci-a é modo de dizer, na verdade vi-a, integrada numa cena qualquer cujos factos já esqueci, certamente acontecimento já então e sobretudo agora completamente irrelevante para o caso. De momento interessa somente saber que não a esqueci devido ao rosto, de uma beleza impar, mas também ao porte altivo e sobranceiro que ostentava, fazendo lembrar, na época, e em muito devido igualmente a um condicente mas pleno efeito conjugado com o contexto restante, um peito extraordinária mas naturalmente empinado, rijo, cuja projecção não deixava ninguém indiferente, como não me deixou a mim, que nestas coisas não sou nem mais nem menos santos que os outros. Sou homem, com todos os defeitos e qualidades que tal acarreta.

Tanta conversa para quê, perguntar-me-ão?

Tão simples como isto, a coincidência da sua imagem se me ter gravado na mente e, ao longo dos últimos vinte ou trinta anos decorridos, como espectador involuntário ter acompanhado, entre aspas, a sua vida, ou pelo menos as suas acções e posições, desde meras compras num híper a posições de carácter, denunciadoras da sua personalidade, e visíveis nas suas atitudes que, sem que ela o soubesse, e, como atrás afirmei, involuntariamente presenciei.

Todo mundo deixa “pegadas”, aqui no Face então…

E assisti, imensas vezes, à exuberante manifestação da sua natureza selvagem, rebelde, inconformista e espontânea, tanto quanto só a natureza nos permite observar. Tinha muito, muito de tudo, para além da muita beleza um carácter vincado, uma personalidade forte, e o porte, esse, sempre parecendo suster um ego hedonista, narcísico, do género de antes quebrar que torcer.

Não me desculpo, tomara eu tantas notas de cem euros quantas as pessoas que me conhecem sem que eu dê por elas e, sem que me aperceba, me observam e até julguem ou sobre mim ajuízem sem que minimamente note as suas presenças. Toda a gente tem casos idênticos, não serei excepção. É da natureza das coisas manifestarem-se, evoluírem, acontecerem, independentemente da nossa vontade e desejo, como só na pródiga e rica diversidade da natureza sucede.

Mas continuemos com a história, verídica, nem triste nem feliz, da divinal criatura que, a bem dizer contra si apenas a característica de ser uma daquelas mulheres com o cu debaixo dos braços, quero dizer, há as que têm o dito descaído, tronco comprido e pernas pequenas, as normais, em que a proporção é vitruviana, a pessoa terá proporções áureas (há quem cientifica e anatomicamente tal designe de divinas proporções), e há-as como ela, de pernas altas e esbeltas, mas com o dito demasiado subido para o gosto geral. Avancemos, pois esta questão não é mais que mera constatação sem valor de juízo para a meta que pretendo atingir.

Impossível avaliar até que ponto tão fortes traços, fisionómicos e de carácter terão influenciado a sua vida, faço conjecturas que partilho aqui convosco e que poderão estar tão longe da realidade quanto de Urano ou Plutão, e eu, errando, cerzindo juízos de valor, preconceitos, e comprometendo a minha idoneidade, todavia correndo esse risco para que ao menos fiquem V. Exas. conhecendo o modo enviesado como a mente se pode portar e, neste capitulo não serei diferente de muitos de vós, lendo-me neste momento. Porém assumo o erro e o risco, a história, com mais de vinte anos como vos disse, é algo cómico e simultaneamente trágica.

Conheço-lhe um filho, quase homem, mas como e por que nunca lhe conheci marido ? O porte afastou os homens da sua proximidade ? Foi o medo da sua beleza ? Medo da cultura por ela tida ou presumida ? A personalidade forte e propiciadora a choques ? A opção dela de ser mãe solteira ? Dos macacos às aves mais exóticas do reino animal, “homem” incluído, existe toda uma panóplia de rituais de acasalamento a que ela não me parece tenha fugido, o permanente culto do corpo e da beleza, o esmerado cuidado com o vestir, o propositado pretensiosismo no andar e no estar, nos modos, atitudes e posições, ná, ou nã como vulgarmente nós alentejanos dizemos, aqui há gato… ainda que os gatos, pardos como tantas coisas, se insiram na normal natureza delas, coisas, a saber, o bom, o belo, mas também o mau, o feio, o adverso.

Casualmente tive contactos com a dita senhora vai para uns cinco ou seis anos, mas foram contactos de grupo, de trabalho, esporádicos, episódicos, pontuais, largamente intercalados no tempo e meramente impessoais, jamais de lazer, e nunca um contacto pessoal, próximo. Foi sempre simpática, cativante, atenciosa, atitudes ás quais igualmente retribui, mas, tenho que admitir, ou confessar-vos, não me escaparam os inicialmente detectados laivos de sobranceria e pretensiosismo… Problema dela pensei de mim para mim, e segui em frente que atrás vinha gente… Todavia a entendi, como não deixará igualmente de ser da natureza das coisas, rebelde, revoltada, intransigente, frustrada, ressabiada, zangada…

Com quem ? ou contra quem ? Porquê ?

Conheci-a pessoal e uma vez mais casualmente num longínquo dia, apresentei-me, cumprimentei-a, trocámos umas breves palavras de circunstância e baldei-me pesaroso, demasiado perturbado com a natureza que as coisas tomaram.

Que desilusão vista de perto !

Como pode ser falaciosa a natureza !

Escondida por trás de uns óculos cujas lentes teriam cada uma o tamanho de um punho meu, fechado, desvendei então a razão da sua falta às reuniões de trabalho dos grupos nos últimos tempos, eu estranhara a ausência do sorriso radiante, pepsodente, e que lhe era, mais que uma imagem de marca, um atributo divino, ou divinal atributo a que ninguém ficava indiferente e que, com a sua proverbial sabedoria a natureza a tinha bafejado prodigamente.

É da natureza das coisas que tudo vem do pó e ao pó regressará um dia, na natureza nada se perde e nada se ganha, toda a gente o sabe, tudo se transforma, como é da natureza de cada um de nós o modo como lidamos com isso, o intuímos e aceitamos, ou inconformados e recalcitrantes o negamos. Rugas, rugas na testa, nos olhos, nas faces, no pescoço, e nem sei onde mais, terão sido ou estarão na origem da perda do seu sorriso, e então, uma vez mais, fiquei pensando como lidará ela hoje, agora, com isso, habituada que estava a lidar com o seu oposto, uma beleza radiante e contagiante, capaz de deitar aos seus pés os mais renitentes ou refractários ás leis naturais.

Como ? Como lidará ela com tal coisa ?

Por certo tarefa difícil, ingrata mesmo.

E porquê agora a boca descaída, o sorriso forçado, temerá sorrir para não acentuar mais as rugas que lhe sulcam o rosto outrora incomensuravelmente lindo ? Que mistério transformou uma personalidade radiante numa cara fechada ? Onde, agora, os amigos e amigas que anterior e constantemente a rodeavam ? Será verdade que Ele tudo dá e tudo tira ? Estarei a extrapolar e a efabular para além do admissível ? Ter-lhe-á morrido algum familiar próximo e muito querido ? E onde o luto então ? Será somente cansaço derivado das políticas ministeriais e da tumultuosa avaliação dos professores ? Uma paixão impossível ? Uma vida inconsequente ? Desilusão ?

Terei o direito de partilhar convosco os meus pensamentos sobre ela ? E não será isso para me envergonhar ? Confesso, confesso que na realidade preferia não a ter pessoalmente conhecido, preferia ter continuado a ter dela a imagem que tinha, eu morreria feliz, sabendo existir a beleza, jamais me ocorrendo quão falível e efémera ela é ou pode ser. E ela ? Serão essas características da natureza da beleza as culpadas de tão contrastante mudança na sua atitude perante a vida ? Jamais o saberei, jamais.

Quererão vocês dar-me uma ajuda ?

Esperarei os vossos comentários.


:)