Sobre tu carne trigueña – Mista / tela
100x200 cm - Àisar Jalil Martinez
Dei com ele
por mero acaso numa daquelas pesquisas aleatórias na net. Declaro-vos que já nem o
recordava. Impressionou-me exactamente há dez anos quando, numa digressão
mundial, honrou Évora com a sua presença e uma impressionante exposição. Foi
oportunidade que não descurei, há que não perder ocasião de olhar uma outra
panorâmica do mundo, coisa que a arte jamais deixará de nos propiciar. No caso,
uma visão além Atlântico, de que deixei testemunho, como poderão ver nas linhas que se seguem e que foram publicadas no Diário do Sul em principios de 2002 .
Confesso que
recebi um choque emocional, fui apanhado desprevenido pelo impacto projectado
pelas belas imagens de um artista ímpar, suficientemente sabedor para com
grande mestria ter agarrado perfidamente o visitante mais distraído. Apesar do
tempo nessa manhã, que ainda recordo, chuvoso, a visita ao Palácio de D. Manuel
para ver com os meus olhos a exposição “ Sobre tu carne trigueña “, de Àisar
Jalil Martinez, valeu a pena.
Nascido em
Cuba, o que me suscitou alguma desconfiança, Àisar, recordo, apresentou-me ou
melhor, presenteou-me com cerca de quarenta telas, todas elas fortemente
expressivas, provocatórias, e que na realidade me deram do “ homem “ uma visão
muito redutora… Não contestei. Se esta sociedade não é matriarcal, tal sucederá
porque a “ mulher “, as mulheres, não fazem ou não sabem fazer uso do seu
potencial persuasivo e dissuasor.
Mas não as “
mulheres “ de Àisar, estas, não só dominavam toda a exposição, como todos os
homens. Desnecessário dizer que cheguei ao fim do périplo com a emoção
acumulada e a tensão altíssima, e, literalmente, insolentemente apanhado
desprevenido por aquela alucinação. Vindas do Caribe, as cores não teriam
podido deixar de ser calientes, com um contraste pictórico muito vivo e
acentuado. Àisar atirou-me repentinamente á cara com uma sensibilidade levada
ao extremo, tão trabalhada e polida que se convertia em espelhos que me
interrogavam e incomodavam.
Latinos que
somos, todos, machistas por inerência, em maior ou menor grau, senti-me mais
que provocado pelo traço do artista, quiçá ofendido. No mínimo a tentação será
para dizer que me senti despido… Lembro que uma critica colocada no folheto de
apresentação sublinhava, ou colocava em relevo a relevância da teatralidade
impregnada às mulheres interpretadas pelo pintor.
Teatralidade
? Quando em noventa por cento dos casos são elas a comandar o homem ? Abordagem
da problemática feminina ? Não brinquem, lembro bem Caballo rojo !, Oh vida ! E
ainda hoje afirmo que os títeres, comandados, quais marionetes, precisamente
por belas mulheres, eram os homens ! Reparei especialmente em Eva, cujo símbolo
do pecado repousava a seu lado, símbolo do pecado ou fruto da dominação
feminina ? Recordo a mulata de carne trigueña que dava vida ao cartaz da
exposição e se metamorfoseava em leopardo…
Arquétipos ou
reais, as imagens de Àisar, parecendo ir contra toda a lógica, muito pelo
contrário encerravam uma sabedoria pelo pintor demonstrada soberbamente. Ao
entrar na exposição entrei num mundo surrealista, em que transgressão e
tragédia tomavam sobre o real que entendemos, ou queremos entender, uma
ascendência expressionista e marginal.
Se vi a
cidade por detrás dos personagens ? Sim vi ! Tratava-se claramente de Habana,
la vieja, o que para mim foi absolutamente secundário, mas me autorizou a
fazer-me outra pergunta: E quem terá visto, reparado, na forma como o homem
era retratado nessas telas ? De faunos a bestas, de exóticos a luxuriantes
seres, em quase todas elas a imagem do homem era abordada na sua vertente
animalesca, fossando entre ninfas e divas, numa promíscua sensibilidade
liminarmente transbordante de erotismo.
Os nossos
medos, mitos e tradições mais antigas, do lobisomem ao íncubo, estavam ali
prostrados mas actuantes, fazendo-me, fazendo sentir ao visitante quanto de
animal vive em nós (ainda?), e o quanto de grotesco marca a nossa libido. Sobre
todos aqueles animalescos seres que representavam o homem, pairava a mulher,
quer no plano geométrico quer no simbólico. Por certo Àisar deve muito às
mulheres, via-se em todos os seus quadros que lhes estava reconhecido.
Com uma
eficácia mais simbólica que linguística, a mulher era endeusada por aquele
cubano cujo curriculum foi o melhor convite para que tivesse corrido a ver as
suas telas. Por mim teria comprado Eva, outros certamente teriam feito outras
opções, os preços, esses, estavam claramente acima da minha modesta bolsa…
Quem tivesse
querido perder algo de muito valioso, bastar-lhe-ia não ter ido ver aquela
maravilhosa magnífica e estulta exposição, foi a sensação que recordo ter de lá
trazido. Quanto ao autor, hoje encontra-se na galeria dos meus amigos, e
honra-me com a sua amizade. Obrigado Àisar Jalil Martinez !
* Nota: este texto já fora publicado no início de 2002 nas páginas do Diário do Sul.
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https://www.facebook.com/aisar.jalilmartinez/videos/vb.743573867/10153400704078868/?type=2&theater
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Sobre tu carne trigueña – Mista / tela 100x200 cm - Àisar Jalil Martinez