quarta-feira, 11 de setembro de 2013

160 - COM ELE E COM ELA ..................



              Erguia para mim um olhar extasiado e amedrontado, via-lho na carinha e no vigor com que se agarrava à minha perna

            No clamor dos tambores e dos cornetins, o homem alto de sorriso irónico, nariz de palhaço e longas pernas que de cima se baixava e lhe estendia a mão, para o cumprimentar, assustava-o


Pendurava-se do meu cinto e, surpreendido pelas pernas de quase dois metros questionava-me franzindo o cenho

- Pai ele é de verdade ?

Tal qual como uns anitos mais tarde aquando de um outro circo e perante as diabruras e os sorrisos rasgados de um anão

- Pai, eles são como a gente ?

E embora eu o não queira, a imaginação desfila passeando-se de mãos dadas com recordações antigas, o homem das andas, o anão de boné de pala descaída para trás, na verdade nem sei se um deles teria braços de metro e meio, ou talvez os tivessem assim os dois, quem sabe isso hoje passados tantos anos ?

Tal como não sei que praia é esta em particular, sim, esta ou qualquer outra no Meco, eu conheço-as todas, contudo só uma ou duas das principais vi de dia, ou de dia ou ao sábado, ou num domingo

Sim ali onde o bar de apoio de praia a cair de podre dantes um imponente e inatacável monte de pedra e cal 

Chegávamos pelo mar, duas ou três da manhã, dois ou três às vezes quatro barcos pneumáticos negros como a noite, largados a uma ou a meia milha da praia, deslizávamos do navio ou dos navios até à espuma branca da rebentação

Esta praia em especial jamais a vira de dia, é hoje a primeira vez que a vejo, e se a recordo garantidamente o faço pelo som da areia e das conchas estalando-me debaixo dos pés quando as piso, isso e acolá a ponta sobressaída daquela arriba, que recordo ser tocada pela Estrela Polar da Ursa Menor durante a noite

Nesta praia matei e morri varias vezes, sempre noite escura e tomando de assalto essa arriba ou o monte que é hoje aquele velho apoio de praia a desfazer-se

Nunca mais fomos ao circo filho, hoje se quisermos ver os bichos só na África do Sul, Moçambique, Angola, e talvez mais dois ou três países onde não iremos nunca, nem eu lá voltarei, não voltarei ao horror dos combates na Namíbia, não virarei a arma contra os sul africanos nem contra ninguém, por eles perdi a tua infância, por quê ? Para quê?

Já nem sei qual a direita nem a esquerda, para mim somente, como dantes, bombordo e estibordo, e hoje nem isso nos safa, somos um povo à deriva, como nós só vejo o capim ondulando nas tardes e nas miragens das savanas do deserto de Kalahari, nunca houve nem há almirantes nem “admirals”, nem guerras bonitas nem frias, há guerras quentes, latentes, e lactentes que mal chegam a ver a luz do dia, dantes palhaços só no circo e hoje basta olhar à nossa volta filho

Rodando o olhar nem reconheço as arribas, quem diria eu aqui passados tantos anos, trinta ? talvez mais

Mais, menos, dantes uma mochila de vinte quilos e hoje só esta toalha que o vento não deixa estender, e já agora por falar nisso sim lembro aqui sempre este vento irritante que, quando nós molhados, tornava a noite mais fria e mais negra, mas seria a nossa sobrevivência diziam, sem treino, técnica e perfeição não duraríamos nem um caralho, não se cansava de nos repetir o Capitão de Mar-e-Guerra Amaro de Albuquerque e de o gritar o Sargento Quintas secundando-o, força seus cabrões vamos a eles meus madraços

Não sei se as pernas me tremiam do medo, se do frio ou de tu agarrada às minhas coxas sugando-me como uma lapa e o horizonte dançando de tal modo que eu sem saber onde o mar acabava e o céu começava porque quando eras tu que encetavas era eu que não queria cessar a menos que se me embotasse a visão

Cravando-me a mãos pequeninas nas pernas ele puxava-me, assustado mas impetuoso, para junto da jaula dos tigres e leões, eu inspirava fundo e suspendia a respiração evitando o odor intenso de urina que tudo empestava, virando-lhe a carita para o lado afim de não ver os burros esperando ser esquartejados p’ralimentar as feras

            Com igual ferocidade estendia-te na toalha, certo de que àquela hora e naquela praia não haveria olhares encobertos pois a cerimónia era divina e te prestava culto com a mesma fé e devoção que em ti via quando, como uma lapa ajoelhavas ante mim, e, por uma vez mais te amava e idolatrava como se tu um altar e eu, viciado no pecado da gula, te sugasse como uma ostra com pérola …