quinta-feira, 29 de agosto de 2013

159 - DEIXAI ALI O RIO AO LARGO ........................

                            

Arrasto em permanência uma tristeza melancólica, e, desta janela, nem se avista o rio sequer, nem o seu calmo caudal, ou mesmo um qualquer caudal em que estas mágoas fluíssem compelidas para longe daqui, para longe de mim.

 Passará ela ainda àquela varanda largos minutos cada dia dali se aventurando a longos voos, maquinados por sua sequiosa imaginação que, por vezes durante horas, a prostram alheia de si, e como dantes durante tanto tempo ?

Era largo ali o rio, visto daquela outra janela onde eu e ela… tantas vezes olháramos apaixonados, esperançados que os castelos de sonhos pudessem um dia erguer-se, ser mais que construções na areia em que, como alimárias, enterrámos a cabeça ignorando conscientemente os limites dos nossos sonhos, varanda virada a norte, e para o rio, o céu, e as águas mansas correndo sem pressa como só elas sim, conscientes do impossível, correndo para oeste, para o mar, convidando a nele adentro banhar em devaneio estes sonhos,

a leste ainda o rio e as fragas sorianas onde nasce a esperança e a sul, eles, mouros, morenos, mouro ele, pele crestada pelo mesmo sol que lhe ateia os delírios e os sonhos a que nesta varanda demos corpo.

Dela se alcança o rio, barcos em lufa-lufa subindo e descendo sob a ponte, os carreiros de formiguinhas dos automóveis, o metropolitano, avançando cismando, cabeça sempre rente ao chão.

Sofrerá ela ainda e cada vez que ousa lançar daquela varanda, em voo planado, e planeado, os sonhos que tanto lhe demoram a voltar, e qual boomerang, sempre tão vazios frios e tristes quão haviam partido ?

Incomoda-me este aperto, com a ponta dos dedos solto os colchetes e deixo que caia, atiro-o bruscamente para cima da cama onde por vezes o sonho estendido, apaixonado e guloso, voraz. Sinto-me melhor sem ele, mais à larga e mais fresca, mais pronta aos seus abraços, aos seus dedos por baixo desta blusa florida e larga e que adora quando estremeço, que adora e que adoro se e quando me arrepio se a sua respiração no meu pescoço e o sinto gargalhar pois por tal me rio, ou se na nuca que me mordisca e beija.

Uma alimária, uma alimária quadrada ou ao quadrado, é o que sou, culpa minha esta melancolia triste que se me pegou desde que à janela a sonho sem que a veja como se tivesse sido o inexorável caudal do rio a rojá-la para longe dali, para longe de mim.

Continuarão murchando nela cada dia mais a esperança de achar num dos seus imaginários voos o ramo de oliva que lhe testemunhe o fim do dilúvio desordenado dos pensamentos, cada vez mais confundidos com a realidade sonhada e desejada que acordada, jura ser vera em cada sonho vivido ?

O que eu adorava ver dali o rio, por cima do ombro dela e dos seus cabelos macios e perfumados que tanto adorava beijar quando, brincando, soprando as narinas neles submersas os levantava, numa provocação premeditada e inocente  dentro do meu abraço.

De tal modo ela se convencera dos seus sonhos, que vogava as oito horas da jorna movimentando-se, calma e parcimoniosamente, entre os canteiros floridos de um jardim inventado, cujos passeantes metódica e atenciosamente ia cumprimentando, fa-lo-à ainda ?

Eu então, perdido agora o sonho e quando tão a desejo como da primeira vez, vivo esta perda como um silício, e eu mártir dessa dolorosa ausência que me dilacera.

E ela ? Continuará fechando os olhos, depositando na palma da mão beijos alongados soprados na esperança de pressentir o doce sabor deixado pela boca de um qualquer príncipe encantado como dantes comigo fazia ?  

Porque não vem ele ? Porque não me surpreende nesta varanda em que estiolo ? Por vezes pressinto-o vindo por trás de mansinho, agarrando-me pela cintura num abraço apertadinho, o mesmo hálito a mentol no meu pescoço, impossível não deixar cair a cabeça encostada à sua face, entreabrir os lábios e dessedentar-me c’o doce sabor há tanto conhecido de mim. Uma vez mais a perna colada na minha coxa provoca-me tremuras, o seu corpo quando colado no meu faz-me vibrar como um lamiré sob tensão vibrando dedilhado com prazer.

Hoje, mais que ontem e menos que amanhã dói-me a carência dela, e, homem sofrido, sorrio sempre para ela mesmo que somente em pensamentos a contemple…

E ele ? Saberá que me causou sentido ciúme ? Como não se a posse dos sonhos é tudo que tenho e me resta ? Antes rainha por um dia que duquesa a vida inteira….

Fecharam os olhos. Sentiram-se planar, o tempo alongar-se ao infinito, as mentes vogar-lhes num mar efervescente de pensamentos aurifúlgicos e, ainda somente um ponto minúsculo no horizonte longínquo, uma pomba branca voava trazendo no bico um viçoso ramo de oliveira que a qualquer deles fez sorrir de esperança …