Estamos a perdê-la. Apesar da muito boa
vontade já demonstrada, das alternativas e experiências desenvolvidas estamos a
perdê-la. Curioso como sempre a perdemos, curiosamente, como sempre, por culpa
nossa. Se não foi a guerra colonial foi a falta de perspectivas. Sempre
espalhámos órfãos, pelo mundo e na nossa própria casa. Somos madrastas e
padrastos dos nossos filhos, e, nem para os que apesar de tudo nos sobram
estamos mais atentas, disponíveis.
Em especial nos últimos anos tem-nos
faltado boa vontade, eficácia, mas sobretudo disponibilidade de recursos técnicos
e financeiros que promovam alternativas ao vazio para que os atiramos.
Somos, já o demonstrámos à saciedade,
incapazes de articular soluções que façam frente aos novos problemas, articular
meras e correctas adequações dos meios essenciais, os quais, ainda que não
ultrapassem comezinhas acções pontuais, resultam vulgarmente em coordenações
deficientes com resultados sempre sempre aquém dos desejados.
Para o que não renda de imediato lucros
palpáveis consideramos demasiado valioso todo o dinheiro empregue, não
lobrigamos mais que maneiras de maximizar o uso dos recursos sempre limitados
que possuímos, como se tratasse de uma e única aposta num qualquer jogo de
sorte e azar.
Paradoxalmente, perante certo tipo de
problemas, move-nos um prazer mórbido de os resolver deitando-lhe dinheiro em
cima, que nestes casos resulta invariavelmente numa espiral sôfrega e
insaciável de desperdício que nos sossega a consciência mas não resolve
absolutamente nada.
Por comodismo ignoramos a desagregação
dos valores éticos e dos laços de sociabilidade que acreditamos existirem,
contribuímos de forma anónima e paulatina para a substituição de modos de vida
que, curiosa e inexplicavelmente passamos a vida criticando.
Afinal quem fomenta a exclusão social,
as desigualdades sociais, a ausência de pleno emprego e a vil distribuição de
riqueza que inconscientemente nos orgulhamos de apresentar ?
Quando e quem lutou, ou no mínimo
contestou ou denunciou esta injusta repartição dos bens comuns que a ninguém
prometem nem alimentarão um qualquer projecto de vida com dignidade no futuro,
e que, supostamente, dariam coesão à nossa sociedade ?
Como mobilizar o meio envolvente, como
mobilizar a comunidade, como sensibilizar este nosso mundo, mais preocupado
consigo que com os demais, mais virado para si que para o que o rodeia ?
Somos soezes a cavar fossos comunicacionais,
hábeis a fingir, mestres no parecer, impetuosos no forjar de paternalismos e
maternalismos serôdios e inconsequentes, exímios na afirmação de contrastes entre
os valores apregoados e praticados.
Erguemos como valor dos valores o
individualismo, ajustamo-nos a solidariedades vazias, inventámos a Escola
inclusiva, e apresentamos os mais elevados e vergonhosos índices de abandono
escolar.
Razão têm os adolescentes, somos nós os
inadaptados, somos nós que os obrigamos aos códigos de rejeição que acusamos de
usarem contra o nosso mundo, mundo onde lhe negamos espaço para se sentirem e
serem adultos, viverem as suas insubstituíveis experiências, experiências que
os façam sentir vivos e actuantes, sentir que nesta sociedade há um lugar que é
deles.
Nem satisfatoriamente desenvolvemos a
prevenção, nem cabalmente fazemos reduzir, limitar ou ao menos atrasar o início
de tipos de consumos que, por bem parecer, pelo menos assim parece, nos
esforçamos por evitar. A juventude não pode ser um mal a rejeitar.
A toxicodependência não pode ser uma
batalha perdida, em que poucos mas muito empenhados, lutam contra tantos e tão
alheados.
Que fazer ? Baixar os braços porque
todos os dias surgem novos consumidores a quem nada ampara ? Não me façam crer
que escola, família, poder, são tudo tretas para inglês ver, ou, ontologicamente
falando, tsunamis de indiferença.
Há custos que não podem ser
contabilizados como feijões em mercearia, há experiências que não podem deixar
de ser ousadas, há formas mínimas de comunicação que não podem ser desprezadas.
Não nos façam acreditar que é natural este resquício de despojados da riqueza,
de afastados dos bens materiais que, mau grado a nossa singularidade ainda nos
resta.
Não batam mais na tecla das diferenças
étnicas e culturais ou dos novos tribalismos. Somos todos diferentes mas todos
iguais.
Olhe-se para este mundo, olhe-se para a
nossa casa, e perguntemo-nos quais são e onde estão, as políticas de Juventude,
os incentivos ao Associativismo juvenil, o regaço onde possamos acolher os que
têm a desdita de cair nos labirintos, nos abismos, que o nosso mundo lhe
estende. A toxicodependência não é mais que uma doença, não se cura todavia em
fabulosos estádios como os que erguemos hedonisticamente a não sei quê…
* Escrito e publicado
por Maria Luísa Baião em Março de 2005, Diário do Sul, coluna “ Kota de Mulher “