Nunca tive pai a quem chorar
Ainda assim, lembro-te
quedo e mudo
E revejo-te, surdo a
tudo e todos
Sonhando com o Kruger, e
a Gorongosa
E como sempre, por opção
tua, alheio ao mundo
Sonhaste mundos para
alem do Bojador
Cafezais, horizontes,
carabinas, elefantes
Espaços sem fim,
liberdades, zagalotes
E depois, quebrou-se-te a
hesitação, naquele dia *
Naquele dia em que tu, um
clandestino, deste pinotes
Nunca falaste comigo,
que me lembre
E inda assim recordo-te
a postura recta
O caminho que me
traçavas numa uma estrada dura
E as balizas que,
indiferente a todas e quaisquer urdiduras
Me forçavas a percorrer
e respeitar à força como se fosse gente
Mas jamais coube no
espaço convocado
Pois mais que vigiado eu
esperava ser amado
Cerceado, logo algo em mim a compita despertava
Até que um dia, irado,
desvairado, abri a porta do redil
E frustrado por
acidente tornei, pródiga chama embargada
Retomei a mesma
espiralada vida
Sempre urgente,
acelerada, vívida
Em bonançoso turbilhão
crestada
Sempre em busca do amor,
ou de nada
Sempre sem uma estrela,
sempre sem ti
C’os anos vi-te aceitar
a ilusão e a descrença
Abraçaste, ciente de ti, relha e senil misantropia
Isolado, de tudo e de
todos, descrente, perdido,
E encontrado, mas será
justo dizer apaziguado ?
Intuíste em ti que nada
havia a cumprir neste reino mal fadado
No fundo tolerámo-nos,
conhecemo-nos
Conhecemos ? Nem sei se
será lícito tal firmar
Passaste invisível p’la
minha vida como eu p’la tua
Que pena, como quando
procuramos incerto amor na rua
Porque foi, foi pena,
negámo-nos o que nosso era por direito
Afirmámo-nos,
assumimo-nos, p’la negativa
Um contra o outro nos
assumimos e fortalecemos
Solidamente, c’os anos e
pela negação fundámos o carácter
Chamámos-lhe
personalidade, princípios, justeza, rectidão
Todavia, cruel verdade,
é jamais auditar-se o que perdemos …