Eram
duas florzinhas pequeninas, bonitinhas, acabadinhas de florir, que vi da minha
janela e me fizeram sorrir. Daquela janela grande de onde, de longe em longe,
me debruço meditando no fardo pesado desta vida.
E bem
azulinhas eram, pequeninas florzinhas uma à outra se abraçando e juntinhas se
amparando ante a enormidade do mundo. No fundo, mostrando um estoicismo digno
de tão bela coragem, levada pela aragem até à minha janela de onde perplexa
lhes vi as raízes d'um carácter dando coerência à leveza, à beleza e à esperança
de tão frágeis criaturas frente a um mundo infecto e duro, azul como ao planeta chamamos e a
natureza assim pinta.
Espartanas
no seu viver, guardando a água das chuvas p’ra quando o sol as castiga, vivem,
havendo até quem afirme, elas sentirem e chorarem se com desdém as tratarem ou
lhes faltarem com música.
Aquelas
duas azulinhas e pequeninas florzinhas que tanta coragem me incutem, são o
exemplo divino de que a esperança vale a pena e, o céu mesmo se com nuvens, será
sempre sempre azulado. São duas coisinhas lindas que me prendem à janela té nos
dias perturbados, são o perfeito modelo de paciência e resiliência, e
que neste mundo enlouquecido inda existe coerência.
Elas são quem esperamos
sejam, elas são quem devem ser, a beleza azul da paz e o verde limpo da
esperança. De braço dado, rridentes, em sinal de confiança, c’o porte erecto
e altivo que a honra sempre concede a quem por ela mata ou fere nos carreiros
da dignidade por tantos hoje olvidada e, de que estas duas florzinhas serão a prova provada de que é possível ser-se honrada, ser coerente e ser
estimada, inda que a maldade no mundo traga muita gente algemada.
Jamais
numa vida inteira vira eu desta maneira a probidade pintada, como se esta janela uma moldura de paisagem inocente, daquelas que com carinho penduramos na salinha bem por cima da lareira. Dignitate chamei à primeira e Honorem à segunda das
minhas duas pequenitas, crente ser ao vê-las catitas que a minha fé se renova e
a alma encho de veritas, apesar deste mundo cão onde tu também habitas estar
dia a dia, hora a hora, pronto a toldar-nos a razão e contra
nós encarniçado.
A
vida quer-se singela, honrada, preenchida e bela como neste caso inocentinho
que acabei de apresentar-vos, a César o que é de César, a Deus o que seja de
Deus, porque a vida, criaturas, necessita muito menos do que aquilo que
pensais, o mais é materialismo, é consumismo doentio, é loucura, é desvario de
quem sem encontrar o rumo de fio a pavio corre o mundo.
E
quando as vejo abraçadas, sorrio p'ràs minhas lindas e engraçadas florzinhas,
as minhas fiéis vizinhas, agradecendo-lhes consternada por me lembrarem com piada,
com leveza, com beleza, de quão pouco precisamos p´ra não sermos alma penada
p’lo mundo deambulando.
Precisamos de bem pouco me lembram elas sorrindo, dois
palmos de boa terra, um pouco de sol e água, um sorriso e um abraço, um olhar
cúmplice afastando o mau olhado, uma cabeça no regaço, nos
cabelos dedos em pente, sussurros, segredos, desvelos, uma mão quente no espinhaço e
palmadinhas no rabo. Tudo o resto é acessório, que não falte o essencial, um
ombro amigo, um colinho, o tal abraço apertadinho, e um beijinho afinal !
Como
o vento sorrateiro, que jogando c'o rodopiar abana tudo que não cai, tem-te,
firma-te, pois tal qual o pé delgado das minhas lindas florzinhas, é bom ter um
bom parceiro, uma confiança certeira que possa amparar-nos do vento durante uma
vida inteira.
E, de braço dado ou abraçados, mesmo se p’lo vento acossados
abanamos sem cair, como aquele par azulado frente à janela postado, que não me
canso de ver e me incute tal coragem que até nas noites mais escuras se calha
não adormecer, enfio o robe florido e arrastando os chinelos, me vou
chegando à janela p’ra recarregar baterias e não deixar que arrelias me enevoem
o viver.
Integridade
é também isso, termos no que acreditar e alguém em quem confiar contra ventos
e marés, e aqueles dois pés de Hibisco são a minha âncora sólida neste mundo
mentiroso prenhe de falsidades sórdidas onde contudo a vida bela teima em fazer
por ela, como Fénix renascida e um hino alegre à vida.
Uma
verdade é certeira, por muito que o tentem sábios tolos, loucos lúcidos, magos
ilusionistas, xamãs orientalistas, feiticeiros politiqueiros e outra gente
milagreira, será no fundo a beleza quem sobreviverá neste mundo onde depois,
como sempre, reinará a natureza.
*
Publicado a 8 de Dezembro 2015 por Maria Luísa Baião em: