Devaneios - José da
Fonseca
Fikai
vossas excelências sabendo que à terceira foi de vez, é kisto da vida não é dia
sim dia não, nem a exposição ! Realmente quando menos esperamos espera-nos uma
surpresa e isso é meio caminho andado para esfakearmos a rotina que, no fundo é
precisamente o que buscamos matar sempre que decidimos ver uma kualquer
exposição.
Rabiscos
A
koisa começara mal, pk nas duas anteriores vezes que ali me dirigira dera com o
nariz na porta a horas perfeitamente normais para estar desentupido e eu,
enfim, sentava-me na esplanada do ArtCafé pontapeando as ideias negativas com o
mesmo vigor que pontapearia a fauna ecléctica e absurda que a habita e me
olhava de soslaio o vinco das calças, o nó da gravata, o risco e o aprumo do
penteado e, quando o ânimo me passava atirava umas moedas para a mesa, sorria a
todos com uma enorme vontade de lhes oferecer rol-on do que gosto, pois como
toda a gente sabe só esse é ké bom, e desandava, ter deixado o carro mal estacionado
estava a apoquentar-me.
Amanhã
Hoje
não, hoje tive sorte porque o sol brilhava, eu levava a mota, ocupara abusiva e
ostensivamente o largo passeio, e ainda que tivesse voltado a dar com o nariz
de novo na porta tirei-me de kuidados e interroguei a fauna, cabeludos e
trançudos, mas debalde, ninguém sabia de nada, entrei no ArtCafé idem, José da
Fonseca ? Sandra Bravo ? Quem são esses manos ? Nã, aqui não nasceu ninguém kom
esses nomes, o senhor experimente falar ali com o Zé do Pipo que, pondo-se em
pé ao ouvir o seu nome, prontamente colokou tudo em pratos limpos;
- Eu
não fui ! Não fui nem sei kem tenha sido ! Nem sei de nada ! O senhor keira perguntar
ali à menina do INATEL, nakela porta ali mais acima fazendo favor.
Lua de Paper
E
com este cabrão do Zé do Pipo, ke nem sei se estaria bêbedo se pedrado era já o
terceiro que em menos de quinze minutos me indispunha com akela merda do
“senhor”, eu ouvindo-os como kem me segrega, me exclui, me mete a milhas, e
sentindo-me discriminado abalei dali a sete pés que o ambiente no pátio do Palácio
do Barrocal está pior do ke se estivesse entregue aos pretos, razão tinha eu
pois desde que adquirira no ArtCafé uns boiões de doce de tomate feito pela Ana
Sofia Dordio e com mais pó em cima que compota dentro, desistira de frequentar
a zona e proximidades, keu não sou homem para kriar prekonceitos se bem que já
tenha alguns há bué de tempo e que acarinho desde pequenino, mormente kontra
larilas, padres, advogados, médicos, militares e polítikos, de tal modo que
ainda hoje julgando-me Josef Stalin listo umas centenas de nomes e
mando Nikolai Yezhov fuzilá-los a todos, para na manhã seguinte acordar
decepcionado e não passar tudo de um sonho.
Nóis
Mas
vamos ao kinteressa, a menina do INATEL, linda e simpatiquíssima, ou
simpatiquíssima e linda, escolham vocês a ordem dos factores ainda que não seja
arbitrária, dizia eu ka menina levantou o cu da cadeira após atender-me
sorrindo e kuase me derretendo, arrankando directa ao ArtCafé, lugar onde fika
guardada a chave da exposição mas onde rasta nenhum sabe o que se passa à sua volta
ou dá akordo de si.
Expo DUPLOS X 2 José /
Sandra INATEL 2015
A boneka,
simpatiquíssima e linda, estendeu-me a passadeira vermelha, abriu a porta e,
milagre ! Entrei directamente num drama como kem sobe a um palco ! Viro
casualmente um folheto da exposição e dou kum recado pungente e confissão que
me dilacerou o coração;
-
José fiz o que pude ! Trouxe o que consegui, sinto-me mal, com febre, farei
tudo o ke puder, tu depois acabas !
Lisa Sorgini
Se
aquilo não é amor, amor à arte e à camisola o que é então ? Tanto mais que
sabemos ter a Sandra sido internada com uma valente anemia, diagnóstico:
viva menos - viva mais devagar - alimente-se correctamente - coma do ke tiver vitaminas e
sais minerais. Eh eh eh eh ! Isto é mesmo diagnóstico de fome de viver e de kerer
fazer tudo ao mesmo tempo... Bom vai ter ke arranjar um padre ! E refazer se !
Barry Kite
Por
vezes a vida suga-nos, e nem nos deixa espaço para pensarmos e cuidar-mos de
nós mesmos. Foi o sucedido, ou terá sido o sucedido. Foi um baque que me deu no
coração e parti para o périplo ao material exposto sangrando dos sentimentos
que tb os tenho, embora o Zé uma vez me tivesse mandado para as Caldas da
Rainha ainda hoje desconheço pk. Deve ter sido mal informado ou mal aconselhado
a meu respeito, provavelmente terá emprenhado pelos ouvidos, mas é bom rapaz,
só pode, para a Sandra o tratar assim, quase a morrer e olhando as composições
que nos oferece à vista só pode ser um bom tipo, um bom rapaz, ingénuo mas
sentimental, com muito por aprender e a quem os horizontes estreitos desta
terra nunca permitirão levantar voo ou sonhar mais alto que o Palácio do
Barrocal ou a Igreja de S. Vicente, talvez um oitavo de página no jornal da terra
e umas imagens partilhadas no Facebook entre amigos para desfastio.
Cavalo Solto
E é
pena, é pena porque as composições expostas, tão eclécticas quanto a fauna no
pátio, algumas pinturas que julgo já ter visto anteriormente, possivelmente
noutra exposição, na net ou na divulgação desta mesma mostra, (a mente
atraiçoa-nos a toda a hora), e sobretudo espectaculares colagens, e essas são
hoje uma arte cujo expoente mais conhecido talvez seja Andy Warhol, ainda que
nã seja exemplo do melhor que se fez e faz pelo mundo, nem caso único, mas em
Évora quem sabe isso, ou quem conhece esse tal de Andy ? Uma centena e meia de
pessoas se tanto, talvez umas duas a três centenas, talvez 372, José da
Fonseca, o nosso Picasso das colagens, e Sandra Bravo a nossa Georges Braque ou
a nossa Tarsila do Amaral, não são o bizarro Alfred Steiner, nem a absurda Lisa
Sorgini, mas o par merecia mais público, mais exposição, a arte em certas
geografias só tem becos e não auto-estradas, eles descobrirão por si mesmos.
Eu e Ela
Mas
afinal que coisa é aquela com que se entretêm e os faz compinchas, colegas
? Pinturas e colagens malucas ? Que é
isso ? E é coisa para levar a sério ? Aqui meto um pouco o bedelho e
acho que eles deviam formar o seu próprio público, formar no sentido de educar,
ensinar, começando por explicar-lhe o ké esta koisa das Artes Com Papel e as
suas Subcategorias, começando com o exemplo lindo e simples do Origami, como kem lhes faz um desenho ou ele público
tivesse quatro anos, para depois, com infinita paciência explicar como
funcionam e o alcance deste tipo de artes visuais, incluindo a pintura, a escultura,
a fotografia, a gravura e outros materiais, objectos ou bocados deles,
apetrechos que permitem a criação de obras, principalmente de aspectos, de figuras, e
que reflectem a natureza, a vida, o mundo, o reconstituem ou expressam, o
espelham, ke dão significado a esse mundo que nos cerca, e que devido a essa
capacidade expressiva de moldar até o inimaginável, ou plasticidade, tb podem
designar-se ou designam-se mesmo artes plásticas. E atirar-lhes com vários micro
point p’ra cima, de Barry Kite, Kiki Machado, Júlia Miranda, Marie Mackay,
Marcelo Monreal, “Merz” Kurt Schwitters e Adriano Catenzaro, podiam não
aprender muito mas ke fikariam impressionados com tanta cultura ai isso fikavam
!
Andy Warhol
Há
que valorizar as técnicas de colagem, ke foram utilizados pela primeira vez
quando da época da invenção do papel na China, cerca de 200 aC . A utilização da
colagem no entanto manteve-se muito limitada até ao século X, quando no Japão calígrafos (escribas), começaram a aplicar papel com textos colando-o
sobre superfícies, divulgando assim a suas poesias por exemplo, curiosamente já eu há
quarenta e tal anos atrás colava corações nas cartinhas que enviava às namoradinhas.
A técnica de colagem apareceu na Europa medieval ia ela a meio, a meio a época
das trevas e do catolicismo, em que a cegueira conduziu à colagem de folha de
ouro em painéis e assim começou a ser aplicado em catedrais góticas em torno dos ricos séculos XV e XVI, dando origem à talha dourada, mas chegou-se ao cúmulo
de aplicar gemas e outros metais preciosos sobre as imagens religiosas, os ícones,
e também sobre brasões de armas, Deus nos perdoe, akilo foi a riqueza e a
vaidade de cada um levada ao extremo numa Europa onde a populaça morria de
fome. Tempos de escuridão… A propósito quem anda apagando a luz ?
Amanhã
É
explicar-lhes, à maralha, kesta koisa da Colagem é nada mais nada menos que a
evolução das Iluminuras, essas letras pintadas à mão, gigantes e coloridas, que
vemos nos pergaminhos, o que por sua vez originou as maiúsculas enormes com que
hoje em dia jornais e revistas iniciam os seus textos ou reportagens. A colagem
deu génese à composição feita a partir do uso de matérias de diversas texturas,
ou não, intercaladas, sobrepostas ou colocadas lado a lado para gerarem a criação
de um novo motivo ou imagem, é explicar-lhes que a koisa, a técnica já foi em
tempos idos utilizada por Picasso e Georges Braque, entre outros, a malta adora
que lhe falem de Picasso pk é dos poucos ke toda a gente conhece e assim
sentem-se bem com eles mesmos e igualmente cultos, e com outra disponibilidade
ke é komo kem diz disposição para aceitarem aprender kualker koisinha. O
público português tem ke saber levar-se, é uma carga de fezes para lhe meter
kualker coisa na cachimónia, não sabem nada de nada mas julgam que sabem tudo e
negam-se a aprender, mais, têm até raiva a quem sabe por isso expliquem-lhes com
maternal ternura, e igual candura, que é uma técnica não muito antiga, mas muito criativa,
performativa, a maralha adora a expressão performativa, que aliás pode ser bem
divertida, e que tem por procedimento juntar numa mesma imagem outras imagens
de origens diferentes segundo a imaginação e criatividade de cada um. Com
doçura acrescentai que a colagem já era conhecida antes do Século XX, mas era
considerada uma brincadeira de crianças, e como sabemos quando se fala de
crianças todos se babam e ninguém contesta népia, pelo que devem aproveitar a
embalagem para citar o “cubismo”, e kesse foi ou terá sido o primeiro movimento artístico a
utilizar a colagem.
Mamarela
Os
cubistas colavam pedaços de jornal ou impressos nas suas pinturas, procedimento
técnico ke tem uma história muito antiga mas cuja incorporação na arte do século
XX, com o cubismo, representou um ponto de partida libertando o artista do jugo
da superfície ao permitir no espaço do quadro elementos retirados da realidade,
pedaços de jornal e papéis de todo tipo, tecido, madeira, objectos e outros, fazendo com que a arte passasse a ser concebida como construção sobre um suporte, o que
dificulta o estabelecimento de fronteiras rígidas entre pintura e ou a
escultura por exemplo. O cubismo de colagens tb chamado sintético foi fase
curta do cubismo que não deixou de ser importante, tanto que foi explorada, e
socorreu-se de elementos atrás citados, elementos introduzidos para estimular a
visão, desfazendo o hermetismo do cubismo, apelidado de analítico. O cubismo de
colagens não visava explorar somente a expressão ou a decoração, mas sim a
realização da própria peça enquanto obra, obra de arte. E chegados aqui
atirem-lhes com Juan Gris, o artista/pintor mais relevante desta fase e que
precedeu o cubismo sintético, que já aflorei.
Diva
Resumindo,
vale a pena visitar a dupla exposição Sandra / José, mesmo ke tenhamos ke
incomodar as meninas do INATEL ou pedir a chave ao balcão do ArtCafé, vale a
pena perdermo-nos no surrealismo das suas imagens poéticas e meditar no seu
significado, o ke eu fiz atribuindo-lhes nomes ou títulos uma vez que não há
legendas, a Sandra coitadinha tinha-se ido abaixo e o José terá que acompanhar
a exposição e ganhar o pão de cada dia restando-lhe pouco tempo, tem ke
sobreviver como kualker de nós, difícil em Évora, sem um mercado de arte, que
eles aliás ainda não têm condições de condicionar ou dele poder beneficiar.
Ela & Ela
A estética surrealista apoia-se tb na
concepção de imagens poéticas como muitas das que vemos ali, e segundo a qual a
imagem nasce não da comparação, mas da aproximação através do absurdo, da
ironia, do caricato ou do contraste ou de kualquer outra forma entre duas
realidades afastadas e captando pelos sentidos o mundo criado pela
inspiração/poesia do autor ou autora cujo surrealismo descontextualiza, quando
não esvazia e subverte um significado para atingir novos significados e tomar a
liberdade que leva a questionar o establishment, logo à ruptura discursiva. Mas esse desafio vai custar-lhes, ser
artista é ser disruptivo, subversivo, ser incómodo, e contra o quê ou quem vão eles subverter-se ? Quem deverão incomodar ? Irão
ser contracultura quando nesta terra a cultura só subsiste precisamente se
mantida com injecções de partidarite, amiguismo, compadrio ou subsídios ? Má hora para se ser do contra, ou ser artista,
ou má terra para tal desiderato… Portugal é um ingrato para os seus melhores filhos quanto mais
para enteados…
Beaux rêves
Mas
aprendi muito kom akela exposição, e aproximando-se o Natal construi eu mesmo
com estes olhos ke a terra há-de comer e estas mãos que dizia o meu paizinho
konde eu as punha Deus tirava a virtude, construi dizia eu, para o meu novo amigo
José da Fonseca, um brinde* colagem com recurso ao barro, às tintas acrílicas, a um
naperon bordado e a uma fieira de malaguetas ke roubei lá na tasca onde a malta
petisca, um brinde natalício que aki lhe deixo mesmo no final da página como prova da minha consideração
amizade e desejo de sorte futura :D
Virgem e&
Diabinho
* Brinde ao meu
novo amigo José da Fonseca, realizado com a técnica da "colagem" em ke ele é mestre e como prova da minha consideração amizade e desejo de
sorte futura :D