quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

295 - DUPLOS X 2, À TERCEIRA FOI DE VEZ ...

                                               Devaneios - José da Fonseca


Fikai vossas excelências sabendo que à terceira foi de vez, é kisto da vida não é dia sim dia não, nem a exposição ! Realmente quando menos esperamos espera-nos uma surpresa e isso é meio caminho andado para esfakearmos a rotina que, no fundo é precisamente o que buscamos matar sempre que decidimos ver uma kualquer exposição.

                                                            Rabiscos

A koisa começara mal, pk nas duas anteriores vezes que ali me dirigira dera com o nariz na porta a horas perfeitamente normais para estar desentupido e eu, enfim, sentava-me na esplanada do ArtCafé pontapeando as ideias negativas com o mesmo vigor que pontapearia a fauna ecléctica e absurda que a habita e me olhava de soslaio o vinco das calças, o nó da gravata, o risco e o aprumo do penteado e, quando o ânimo me passava atirava umas moedas para a mesa, sorria a todos com uma enorme vontade de lhes oferecer rol-on do que gosto, pois como toda a gente sabe só esse é ké bom, e desandava, ter deixado o carro mal estacionado estava a apoquentar-me. 


                                                             Amanhã

Hoje não, hoje tive sorte porque o sol brilhava, eu levava a mota, ocupara abusiva e ostensivamente o largo passeio, e ainda que tivesse voltado a dar com o nariz de novo na porta tirei-me de kuidados e interroguei a fauna, cabeludos e trançudos, mas debalde, ninguém sabia de nada, entrei no ArtCafé idem, José da Fonseca ? Sandra Bravo ? Quem são esses manos ? Nã, aqui não nasceu ninguém kom esses nomes, o senhor experimente falar ali com o Zé do Pipo que, pondo-se em pé ao ouvir o seu nome, prontamente colokou tudo em pratos limpos;

- Eu não fui ! Não fui nem sei kem tenha sido ! Nem sei de nada ! O senhor keira perguntar ali à menina do INATEL, nakela porta ali mais acima fazendo favor.

                                                       Lua de Paper

E com este cabrão do Zé do Pipo, ke nem sei se estaria bêbedo se pedrado era já o terceiro que em menos de quinze minutos me indispunha com akela merda do “senhor”, eu ouvindo-os como kem me segrega, me exclui, me mete a milhas, e sentindo-me discriminado abalei dali a sete pés que o ambiente no pátio do Palácio do Barrocal está pior do ke se estivesse entregue aos pretos, razão tinha eu pois desde que adquirira no ArtCafé uns boiões de doce de tomate feito pela Ana Sofia Dordio e com mais pó em cima que compota dentro, desistira de frequentar a zona e proximidades, keu não sou homem para kriar prekonceitos se bem que já tenha alguns há bué de tempo e que acarinho desde pequenino, mormente kontra larilas, padres, advogados, médicos, militares e polítikos, de tal modo que ainda hoje julgando-me Josef Stalin listo umas centenas de nomes e mando Nikolai Yezhov fuzilá-los a todos, para na manhã seguinte acordar decepcionado e não passar tudo de um sonho.

                                          Nóis

Mas vamos ao kinteressa, a menina do INATEL, linda e simpatiquíssima, ou simpatiquíssima e linda, escolham vocês a ordem dos factores ainda que não seja arbitrária, dizia eu ka menina levantou o cu da cadeira após atender-me sorrindo e kuase me derretendo, arrankando directa ao ArtCafé, lugar onde fika guardada a chave da exposição mas onde rasta nenhum sabe o que se passa à sua volta ou dá akordo de si.

               Expo DUPLOS  X 2 José / Sandra INATEL 2015

A boneka, simpatiquíssima e linda, estendeu-me a passadeira vermelha, abriu a porta e, milagre ! Entrei directamente num drama como kem sobe a um palco ! Viro casualmente um folheto da exposição e dou kum recado pungente e confissão que me dilacerou o coração;

- José fiz o que pude ! Trouxe o que consegui, sinto-me mal, com febre, farei tudo o ke puder, tu depois acabas !

                                                        Lisa Sorgini

Se aquilo não é amor, amor à arte e à camisola o que é então ? Tanto mais que sabemos ter a Sandra sido internada com uma valente anemia, diagnóstico: viva menos - viva mais devagar - alimente-se correctamente - coma do ke tiver vitaminas e sais minerais. Eh eh eh eh ! Isto é mesmo diagnóstico de fome de viver e de kerer fazer tudo ao mesmo tempo... Bom vai ter ke arranjar um padre ! E refazer se !

                                                       Barry Kite

Por vezes a vida suga-nos, e nem nos deixa espaço para pensarmos e cuidar-mos de nós mesmos. Foi o sucedido, ou terá sido o sucedido. Foi um baque que me deu no coração e parti para o périplo ao material exposto sangrando dos sentimentos que tb os tenho, embora o Zé uma vez me tivesse mandado para as Caldas da Rainha ainda hoje desconheço pk. Deve ter sido mal informado ou mal aconselhado a meu respeito, provavelmente terá emprenhado pelos ouvidos, mas é bom rapaz, só pode, para a Sandra o tratar assim, quase a morrer e olhando as composições que nos oferece à vista só pode ser um bom tipo, um bom rapaz, ingénuo mas sentimental, com muito por aprender e a quem os horizontes estreitos desta terra nunca permitirão levantar voo ou sonhar mais alto que o Palácio do Barrocal ou a Igreja de S. Vicente, talvez um oitavo de página no jornal da terra e umas imagens partilhadas no Facebook entre amigos para desfastio.

                                                       Cavalo Solto

E é pena, é pena porque as composições expostas, tão eclécticas quanto a fauna no pátio, algumas pinturas que julgo já ter visto anteriormente, possivelmente noutra exposição, na net ou na divulgação desta mesma mostra, (a mente atraiçoa-nos a toda a hora), e sobretudo espectaculares colagens, e essas são hoje uma arte cujo expoente mais conhecido talvez seja Andy Warhol, ainda que nã seja exemplo do melhor que se fez e faz pelo mundo, nem caso único, mas em Évora quem sabe isso, ou quem conhece esse tal de Andy ? Uma centena e meia de pessoas se tanto, talvez umas duas a três centenas, talvez 372, José da Fonseca, o nosso Picasso das colagens, e Sandra Bravo a nossa Georges Braque ou a nossa Tarsila do Amaral, não são o bizarro Alfred Steiner, nem a absurda Lisa Sorgini, mas o par merecia mais público, mais exposição, a arte em certas geografias só tem becos e não auto-estradas, eles descobrirão por si mesmos.

                                                       Eu e Ela

Mas afinal que coisa é aquela com que se entretêm e os faz compinchas, colegas ?  Pinturas e colagens malucas ? Que é isso ? E é coisa para levar a sério ? Aqui meto um pouco o bedelho e acho que eles deviam formar o seu próprio público, formar no sentido de educar, ensinar, começando por explicar-lhe o ké esta koisa das Artes Com Papel e as suas Subcategorias, começando com o exemplo lindo e simples do Origami, como kem lhes faz um desenho ou ele público tivesse quatro anos, para depois, com infinita paciência explicar como funcionam e o alcance deste tipo de artes visuais, incluindo a pintura, a escultura, a fotografia, a gravura e outros materiais, objectos ou bocados deles, apetrechos que permitem a criação de obras, principalmente de aspectos, de figuras, e que reflectem a natureza, a vida, o mundo, o reconstituem ou expressam, o espelham, ke dão significado a esse mundo que nos cerca, e que devido a essa capacidade expressiva de moldar até o inimaginável, ou plasticidade, tb podem designar-se ou designam-se mesmo artes plásticas. E atirar-lhes com vários micro point p’ra cima, de Barry Kite, Kiki Machado, Júlia Miranda, Marie Mackay, Marcelo Monreal, “Merz” Kurt Schwitters e Adriano Catenzaro, podiam não aprender muito mas ke fikariam impressionados com tanta cultura ai isso fikavam !

                                                        Andy Warhol

Há que valorizar as técnicas de colagem, ke foram utilizados pela primeira vez quando da época da invenção do papel na China, cerca de 200 aC. A utilização da colagem no entanto manteve-se muito limitada até ao século X, quando no Japão calígrafos (escribas), começaram a aplicar papel com textos colando-o sobre superfícies, divulgando assim a suas poesias por exemplo, curiosamente já eu há quarenta e tal anos atrás colava corações nas cartinhas que enviava às namoradinhas. A técnica de colagem apareceu na Europa medieval ia ela a meio, a meio a época das trevas e do catolicismo, em que a cegueira conduziu à colagem de folha de ouro em painéis e assim começou a ser aplicado em catedrais góticas em torno dos ricos séculos XV e XVI, dando origem à talha dourada, mas chegou-se ao cúmulo de aplicar gemas e outros metais preciosos sobre as imagens religiosas, os ícones, e também sobre brasões de armas, Deus nos perdoe, akilo foi a riqueza e a vaidade de cada um levada ao extremo numa Europa onde a populaça morria de fome. Tempos de escuridão… A propósito quem anda apagando a luz ?

                                                            Amanhã

É explicar-lhes, à maralha, kesta koisa da Colagem é nada mais nada menos que a evolução das Iluminuras, essas letras pintadas à mão, gigantes e coloridas, que vemos nos pergaminhos, o que por sua vez originou as maiúsculas enormes com que hoje em dia jornais e revistas iniciam os seus textos ou reportagens. A colagem deu génese à composição feita a partir do uso de matérias de diversas texturas, ou não, intercaladas, sobrepostas ou colocadas lado a lado para gerarem a criação de um novo motivo ou imagem, é explicar-lhes que a koisa, a técnica já foi em tempos idos utilizada por Picasso e Georges Braque, entre outros, a malta adora que lhe falem de Picasso pk é dos poucos ke toda a gente conhece e assim sentem-se bem com eles mesmos e igualmente cultos, e com outra disponibilidade ke é komo kem diz disposição para aceitarem aprender kualker koisinha. O público português tem ke saber levar-se, é uma carga de fezes para lhe meter kualker coisa na cachimónia, não sabem nada de nada mas julgam que sabem tudo e negam-se a aprender, mais, têm até raiva a quem sabe por isso expliquem-lhes com maternal ternura, e igual candura, que é uma técnica não muito antiga, mas muito criativa, performativa, a maralha adora a expressão performativa, que aliás pode ser bem divertida, e que tem por procedimento juntar numa mesma imagem outras imagens de origens diferentes segundo a imaginação e criatividade de cada um. Com doçura acrescentai que a colagem já era conhecida antes do Século XX, mas era considerada uma brincadeira de crianças, e como sabemos quando se fala de crianças todos se babam e ninguém contesta népia, pelo que devem aproveitar a embalagem para citar o “cubismo”, e kesse foi ou terá sido o primeiro movimento artístico a utilizar a colagem.

                                                           Mamarela

Os cubistas colavam pedaços de jornal ou impressos nas suas pinturas, procedimento técnico ke tem uma história muito antiga mas cuja incorporação na arte do século XX, com o cubismo, representou um ponto de partida libertando o artista do jugo da superfície ao permitir no espaço do quadro elementos retirados da realidade, pedaços de jornal e papéis de todo tipo, tecido, madeira, objectos e outros, fazendo com que a arte passasse a ser concebida como construção sobre um suporte, o que dificulta o estabelecimento de fronteiras rígidas entre pintura e ou a escultura por exemplo. O cubismo de colagens tb chamado sintético foi fase curta do cubismo que não deixou de ser importante, tanto que foi explorada, e socorreu-se de elementos atrás citados, elementos introduzidos para estimular a visão, desfazendo o hermetismo do cubismo, apelidado de analítico. O cubismo de colagens não visava explorar somente a expressão ou a decoração, mas sim a realização da própria peça enquanto obra, obra de arte. E chegados aqui atirem-lhes com Juan Gris, o artista/pintor mais relevante desta fase e que precedeu o cubismo sintético, que já aflorei.

                                                               Diva

Resumindo, vale a pena visitar a dupla exposição Sandra / José, mesmo ke tenhamos ke incomodar as meninas do INATEL ou pedir a chave ao balcão do ArtCafé, vale a pena perdermo-nos no surrealismo das suas imagens poéticas e meditar no seu significado, o ke eu fiz atribuindo-lhes nomes ou títulos uma vez que não há legendas, a Sandra coitadinha tinha-se ido abaixo e o José terá que acompanhar a exposição e ganhar o pão de cada dia restando-lhe pouco tempo, tem ke sobreviver como kualker de nós, difícil em Évora, sem um mercado de arte, que eles aliás ainda não têm condições de condicionar ou dele poder beneficiar.

                                                       Ela & Ela

        A estética surrealista apoia-se tb na concepção de imagens poéticas como muitas das que vemos ali, e segundo a qual a imagem nasce não da comparação, mas da aproximação através do absurdo, da ironia, do caricato ou do contraste ou de kualquer outra forma entre duas realidades afastadas e captando pelos sentidos o mundo criado pela inspiração/poesia do autor ou autora cujo surrealismo descontextualiza, quando não esvazia e subverte um significado para atingir novos significados e tomar a liberdade que leva a questionar o establishment, logo à ruptura discursiva. Mas esse desafio vai custar-lhes, ser artista é ser disruptivo, subversivo, ser incómodo, e contra o quê ou quem vão eles subverter-se ? Quem deverão incomodar ? Irão ser contracultura quando nesta terra a cultura só subsiste precisamente se mantida com injecções de partidarite, amiguismo, compadrio ou subsídios ? Má hora para se ser do contra, ou ser artista, ou má terra para tal desiderato… Portugal é um ingrato para os seus melhores filhos quanto mais para enteados… 

                                                       Beaux rêves

Mas aprendi muito kom akela exposição, e aproximando-se o Natal construi eu mesmo com estes olhos ke a terra há-de comer e estas mãos que dizia o meu paizinho konde eu as punha Deus tirava a virtude, construi dizia eu, para o meu novo amigo José da Fonseca, um brinde* colagem com recurso ao barro, às tintas acrílicas, a um naperon bordado e a uma fieira de malaguetas ke roubei lá na tasca onde a malta petisca, um brinde natalício que aki lhe deixo mesmo no final da página como prova da minha consideração amizade e desejo de sorte futura :D
     
                                                    Virgem e& Diabinho




* Brinde ao meu novo amigo José da Fonseca, realizado com a técnica da "colagem" em ke ele é mestre e como prova da minha consideração amizade e desejo de sorte futura :D