A
maravilha que a internet pode ser, constituir, sensibilizou-me esta semana com
a publicação de um vídeo inédito dos Quatro de Liverpool, cujo link não poderia
deixar de vos disponibilizar no fim da página. É verdade que foram
excepcionais, um ainda o é, e salvo erro dois são ainda vivos, o baterista
Ringo Starr e o vocalista Paul McCartney.
Naturalmente
vi o vídeo do princípio ao fim, mas não foram as musiquinhas, que estou fartito
de ouvir desde que era gaiato, que me despertaram a atenção e me quebraram a
inércia aos neurónios que de imediato se puseram aos pulos não parando a tarde
inteira e até me ter agarrado ao pc a desbobinar a arenga que aqui vos deixo
hoje.
O
que me deixou os ditos verdadeiramente aos pulos foram antes o tempo e as
circunstancias em que o fenómeno ocorreu, já Garcia Lorca nunca desapossava do
homem as circunstâncias em que se movia, foi portanto o contexto em que o
fenomenal fenómeno ocorreu e teve lugar que me ocupou as meninges, terão sido
aquelas quatro personagens únicas ?
Evidentemente
que o não foram, mas tiveram a sorte, que lhes atirou para o colo o proveito e
o mérito de uma carrada de circunstâncias sem as quais jamais teriam
ultrapassado o anonimato. Verdade que eram naturalmente muito bons no que
faziam, até porque as circunstâncias e em especial a sorte, só bafejam quem
esteja preparado para as ou a receber. Um pouco como a coragem, ou a
heroicidade, que somente protege e beneficia os audazes. (Ao contrário deles, Portugal desperdiça oportunidades há quarenta anos).
Aqueles
quatro pacifistas, ironia das ironias o destino fez com que um deles tivesse
morrido com um tiro no peito, foram os primeiros grandes beneficiados do facto
de a GB ter vencido a II Grande Guerra. O esforço tecnológico colocado pela
ilha para vencer o conflito mundial, em especial a invenção do RADAR, o tal
tubo de raios catódicos que desaguaria na televisão, e os desenvolvimentos
propiciados pelas ondas hertzianas, vulgo rádio, com as válvulas a serem
substituídas por transístores, seriam fulcrais como trampolins do seu merecido
e reconhecido sucesso.
É
certo ter havido grande disponibilidade e muitíssima gente disposta a vê-los e
a morrer por ouvi-los, ao contrário do que acontece comigo, que canto muito bem
mas pareço não alegrar ninguém, os milhares que enchiam os estádios eram jovens
a quem a fúria de viver animava e almejavam vestir a irreverência que os quatro
corporizavam, esquecidos que estavam os serviços fúnebres das gerações
anteriores.
A
ilha, ou melhor a GB, já durante a I Guerra Mundial perdera os jovens de duas
gerações, e, quando ser recompunha, a II Grande Guerra rouba-lhe ingloriamente
outras duas gerações, pelo que a seguir ao conflito a ilha, a par dos EUA, foi
um dos dois pontos do mundo onde outras e vantajosas condições se aliaram
causando o fenómeno posteriormente conhecido entre nós como baby boom.
Democracia e desenvolvimento económico dominaram a variável que hoje conhecemos
como “confiança do consumidor” e foram pais de milhões de bebés encantadores
por toda a Europa e USA, um pouco do que inversamente acontece agora entre nós,
cuja democracia e economia de sucesso ditaram o gelado inverno demográfico em
que nos atolámos e que nem a maravilha do último ajustamento ajudou a derreter.
Ora
após o baby boom havia uma catrefa de jovens sedentos por que lhes ocupassem os
tempos livres e lhes segredassem coisinhas românticas ao ouvido, e, não
casualmente, existiam já prenhes de êxito e disseminados por todos os lares,
rádios, nessa época designados por “galenas”, coisa que tinha que ver com a
antena e o ajustamento das frequências emitidas. Mas, ainda que a preto e
branco, já pontificava a televisão, que havia de preencher a toda esta gentinha
a tal avidez nada comezinha quando não uma surpreendente histeria.
Milagrosamente violas e guitarras eléctricas, tal como amplificadores,
sintetizadores e “distorcedores” de som ampliariam de modo inaudito a valência
dos espectáculos ao vivo, levando a juventude ao delírio. A invenção do fonógrafo,
então já desenvolvidíssima para o suporte em disco mais ajudou à festa.
Diria
que se conjugaram as condições ideais, fulcrais, necessárias e fundamentais
para que o anonimato ou o mero conhecimento limitado e localizado da música
daqueles quatro, tivesse sido ultrapassado e as suas melodias difundidas pelo
mundo com maior sucesso e rapidez que os bips do Sputnik. Toda a causa tem
efeito, e todos os condicionalismos ou circunstancialismos ditam e moldam os
nossos gostos usos e costumes, tudo é fruto de algum determinismo.
Sherlock
Holmes, Agatha Christie, Poirot, Fantomas, e outros grandes autores e
personagens literários tiveram a sua época num período em que as massas não
chafurdavam na vacuidade da Tv a cores ou das rádios FM. Esses quatro sortudos
tiveram a sua época no tempo das preciosidades, e não no do consumismo
desenfreado de CD’s a pontapé ou da miséria dos mídia actuais cuja função mais
parece ser a de embrutecer-nos. Emílio Salgari ou Júlio Verne não teriam
sucesso hoje que o pessoal pensa que sabe tudo, já viu tudo e acredita que sim,
que assim é. Os quatro do bando, não confundir com o bando dos quatro, tiveram
a sua época, tal como Ágata Christie Sherlock Holmes e outros tantos tiveram a
sua época no mundo da leitura, da imprensa, dos livros, quando a imprensa e a
edição eram rainhas e sinónimo de verdade, confiança e cultura. Depois
passou-se para a época em que sabemos tudo e todos somos cultos, letrados,
instruídos e aperaltados pelas estatísticas, pela normalizadora, Orwelliana e
mistificadora varinha de condão das estatísticas. Está para mim mais que visto
ter a escola pública falhado, o ministério, a escola e bué de professores que nelas pontificam, ganhando demasiado para o bem pouco que sabem.
Mas
esses foram tempos atrasados, sem progresso, tempos da conquista dos pólos, de
Roald Amudsen e Robert Falcon Scott, de Herman Melville e da caça à baleia
branca, Moby Dick, foram os tempos das descobertas de novos mundos e espécies,
de Charles Darwin, de Jean Baptiste Lamarck, de Mendel, dos bandeirantes, dos
Mapas Cor-de-rosa, de Angola à contracosta, do pioneirismo na aviação, na
electricidade, de Mr. Hyde e Mr. Jekill, de Frankenstein, do cinema mudo que
nos havia de gritar a plenos pulmões, das Neves do Kilimanjaro, das Vinhas da
Ira, de Doutor Jivago, foram os tempos do Expresso do Oriente, das 20.000
Léguas Submarinas e da Viagem ao Centro da Terra. Nem séculos mais tarde a
conquista da Lua arrebanharia tantos curiosos.
Já
então se sabia tudo, sabíamos tudo, Freud e Einstein haviam mostrado tudo, e a
volta ao mundo depois do Titanic fazia-se em muito menos de oitenta dias.
Mas
os quatro de Liverpool beneficiariam também da Revolução Russa de 1917, das
influências de Marx e do Manifesto Comunista, do advento das correntes
socialistas e sociais-democratas (não confundir com as nossas), dos debates à
volta de Pierre Joseph Proudhom e do que É a Propriedade, do bom selvagem de
Rousseau e do seu Contrato Social. À época destes quatro cavaleiros do
apocalipse o lazer estava instituído bem como a jorna de oito horas diárias, os
tempos de esclavagismo da Revolução Industrial estavam enterrados, o lazer
exigia novas respostas, criando novas oportunidades, novos hábitos, novas
indústrias, novos empregos, novas necessidades, novos nichos de mercado como se
diz agora, e de todas estas circunstâncias os quatro beneficiaram em cheio pois
estavam à hora certa no local certo, tivessem estado na Africa do Sul ou em
Portugal e teriam morrido incógnitos, por cá temos até o mau hábito de foder a
maioria das poucas oportunidades que milagrosamente nos aparecem.
Paulatinamente
o som e a imagem foram destronando dos jornais os folhetins diários que gente
séria escrevia e outras gentes igualmente circunspectas liam religiosamente
pois eram publicados e avidamente devorados apaixonadamente dia a dia.
Relatando, quando não inventando histórias, a imaginação e a ficção não tinham
limites, descreviam odisseias, sagas, aventuras, epopeias, descobertas, avanços
científicos, apresentando-nos o presente enquanto simultaneamente nos preparavam
para o futuro.
Paradoxalmente
hoje, tanta cultura ameaça remeter-nos de novo para as cavernas, endeusámos a
ligeireza do vácuo, da vacuidade, até na música estamos muito longe das
miríficas letras e acordes dos quatro de Liverpool, e, por este andar, temo que
não demore que recolhamos de novo às grutas de Lascaux, Altamira e de Matera,
aos saltos, aos grunhidos, aos monossílabos, gesticulando em redor de uma
qualquer fogueira e arrastando-as de novo pelos cabelos.
Aquele
vídeo, este vídeo, fez-me pensar, deu-me conta da enorme incompetência e estupidez que nos
rodeiam, nunca imaginara tal gigantismo. Brutos, incongruentes,
inconsequentes, incultos, pouco menos que analfabetos, selvagens... Nem no tempo da outra senhora eu vira tamanha desgraça.
Vai fazer sol ? Não sei, só sei que quer à esquerda quer à direita a ignorância a estupidez e a boçalidade tudo carregam de cores negras...
Ob-la-di, ob-la-di, ob-la-dá……………………………..
Vai fazer sol ? Não sei, só sei que quer à esquerda quer à direita a ignorância a estupidez e a boçalidade tudo carregam de cores negras...
Ob-la-di, ob-la-di, ob-la-dá……………………………..