O
nosso homem está no Alentejo, quero dizer o PR de todos nós, e é bem-vindo, não
temos muita gente à sua espera porque somos poucos, aliás somos cada vez menos,
um terço do país para um vigésimo da população, mas temos muito espaço onde ele
poderá alegremente cabriolar e gastar as energias que parecem atingi-lo como a sarna.
Disse
o senhor presidente, em quem não votei mas teria votado numa segunda volta,
pois nem lá fui, aliás a uma mesa eleitoral nem vou há bué da time, mas como ia
dizendo, disse ele não sei já onde que o Alentejo tem sido esquecido, por mim
ter-lhe-ia respondido olhe que não senhor presidente, olhe que não, somos
precisamente cada vez menos porque quando um alentejano se deita a cismar a
sério faz as malas e abala, parte, vai-se embora, precisamente por se lembrar
bem onde e com quem está metido, ou entalado.
Contava-se
na minha infância, passada em S. Miguel de Machede, que se semeassem carapaus
de cabeça para baixo se colheriam sardinhas de cabeça para cima, o Alentejo
vive um pouco nessa esperança, nesse desígnio, vive-o há tempo demais, vive-o
há quarenta anos. O problema nem são as suas gentes, que aliás cada vez são
menos e cada vez são menos “gente”, gentes que têm sido menorizadas, tratadas
abaixo de cão por tudo que é barão. Só no Alentejo acontecem fenómenos
anormais, como aconteceu na terra do Endovélico, uma terra onde quase ninguém
sabe ler mas alguém se lembrou de construir uma biblioteca como a de
Alexandria, onde muito mais de meio milhão de euros foram gastos e as obras
estão a meio, paradas, deteriorando-se, nem para manter o edificado há dinheiro. Não
faço ideia quem teria sido o imaginativo expert, mas merecia decerto uma
medalha, uma medalha de merda claro.
Não
estando enfeitiçado por um qualquer determinismo, o Alentejo não deve ao acaso
ser a região mais pobre da Europa e do país, porque também está fadado, isto é possui
condições impares para fazerem dele uma região mais dinâmica e mais rica, o seu
mal têm sido as suas elites, ignorantes que nem uma tabua rasa, o Alentejo só
pode portanto queixar-se de si mesmo, pois tem ficado à espera que os de fora
façam o que ele próprio não faz, e quando alguém aparece a querer fazer
deitam-no abaixo, lembrem-se ser esta a terra onde já se experimentou cavar
deitado, ou esqueceram isso ? O Alentejo acabou com os latifundiários, mas não
acabou com a fome, desta vez fome de oportunidades, fome de realização, fome de
emprego, fome de solidariedade, fome de igualdade, de fraternidade. E deve tudo
isto à ignorância larvar de elites, autarcas e dirigentes, é preciso não ter
medo de o dizer, e se tiverem dúvidas olhem para ele, ele Alentejo, está aqui a
sua obra, a obra deles, no Alentejo a desfaçatez tem a dimensão da planície.
A
história que vos vou contar, verdadeira, embora lhe desconheça os pormenores,
ilustra bem a anedota que somos ou que mentes ilustradas fizeram do Alentejo.
Era uma vez uma barragem que deu origem ao maior lago artificial da Europa,
coisa grande, grandiosa, e a que era necessário regulamentar o perímetro
evitando-se a construção clandestina ou o aproveitamento selvagem das margens. Alguém
criou um rascunho de regulamentação que antes de ser vertido em lei foi
colocado sob apreciação de todos os autarcas ribeirinhos. Deram o seu parecer e
opinião tendo a lei avançado para publicação.
Poucos
anos mais tarde os mesmos autarcas desataram a criticar vivamente a mesma lei
que tinham escrutinado, desta vez com a acusação de que o regulamentado era
demasiado restritivo, nada permitindo fazer na orla da barragem, tendo a lei
sido de novo mudada, não sem antes obter de novo o seu escrutínio e aprovação.
Resultado, qualquer dia para fruirmos da barragem teremos que ir à margem
espanhola, por cá continua a não se permitir que alguém faça o que quer que
seja, ficámos com uma marina e um restaurante sobranceiro a esta e agora,
agora, para dinamizar a coisa, e sendo a esperança a última a morrer, deparei há
dias num jornal da terra com o maior investimento alguma vez efectuado nas
margens de Alqueva, o maior e certamente o único, na página principal desse
diário e com desenvolvimento nas interiores, anunciava-se ter sido sinalizado “o
início de um percurso pedestre” ligando as aldeias ribeirinhas, tendo sido
inaugurado o momento com pompa e circunstância. Embora não passe de um
projecto, segundo percebi, ligará todos os concelhos dos 14 municípios
ribeirinhos, existindo para o BTT idêntica intenção. Haja pois esperança, o
Turismo do Alentejo estava solenemente representado dando ar de seriedade à
coisa, estamos salvos, vão chegar via aeroporto de Beja resmas de caminheiros
ou caminhantes, e paletes de ciclistas ou ciclo-alpinistas do BTT amantes. Se o
ridículo matasse e a parvoíce em vez de fazer rir desse dinheiro, a esta hora
estaríamos todos mortos de riso ou no mínimo ricos…
E
entretanto o que foi ou é feito desses excelsos autarcas ? Eu digo-vos, foram
promovidos apesar de nunca terem sabido governar um concelho, qualquer dia
arriscamo-nos a ter um deles como Primeiro-ministro… Há mais histórias destas
do baú donde esta veio, mas não quero maçar-vos. Não me ocorre onde foi que li,
ou ouvi, ser Évora ou o Alentejo a zona do país com a maior densidade de
associações culturais e associações de desenvolvimento, aliás basta ir ao
Google, são à volta de vinte páginas das primeiras e outras tantas das
segundas, o que ilustra bem a contradição que se vive no Alentejo onde, com
tanta gente empurrando para cima e para a frente, se torna inexplicável este
retrocesso de décadas direitinho ao fundo e caminhando para trás. Por isso
afirmo que o Alentejo, como o país, só pode queixar-se de si mesmo e das suas
vanguardas. A atribulação mor do Alentejo é o amor, é tão amado que o afobam,
há dias nasceu mais uma paixão, a AMAlentejo, mais uma a juntar a tantas outras…
O
problema das nossas gentes não é diferente do problema das gentes do resto do
país, uma ignorância pomposa campeando à solta pelas vastas planícies, sem um
desígnio, sem uma estratégia, sem um plano anual, bianual, quinquenal ou
qualquer outro e, quando há ou existe, esconde-se, para esconder com ele o
clamor do seu falhanço. Nem a jóia da coroa está isenta de nódoa, a Barragem de
Alqueva, acerca da qual o Tribunal de Contas (TC), afirmou taxativamente que no
contrato de subconcessão entre a EDIA e a EDP para a exploração hidroeléctrica
das barragens de Alqueva e Pedrogão “o interesse público não foi devidamente
salvaguardado”, (sic). Quanto a mim o TC foi peremptório em condenar a inépcia
ou a forma abusiva como as negociações foram travadas, tendo daí resultado que
a exploração da queda de água foi parcialmente “dada” à EDP.
Nem
é cível nem criminal o TC, nem cita nomes, não cita personas, cita empresas e
administrações, cita culpas, mas deveria ter personalizado o problema, para que
as populações soubessem como dirigir a sua desaprovação à forma imoral e pouco
ética como o assunto foi conduzido, para que as populações ao menos pudessem
ser criticas, ainda que à moda da revolução cultural chinesa de 1966… É
inacreditável que todos se calem, se calhar merecemos o esquecimento a que o
senhor PR aludiu e a que somos votados. Há uns meses a Universidade Católica em
parceria com a Zaask deu à luz um estudo negríssimo para o Alentejo, porém não
me consta que alguém se tivesse incomodado com isso, ficou tudo como dantes,
quartel general em Abrantes.
Uma
cega autofagia politica grassa como uma praga há muitos anos no Alentejo e
enquanto esse surto epidémico não for erradicado como o foi a peste negra na
Idade Média o Alentejo definhará, morto ou quase morto já ele está, uma região
linda, a mais linda do mundo, como a classificou há dias um jornal inglês, é contudo
e incompreensivelmente, com tão extensas planícies em que tudo está a
descoberto, um lugar submetido a profundas e pródigas divisões, onde inexplicavelmente
não se constroem pontes, antes se cavam e mantêm velhas irredutibilidades. É
caso para dizer que, tal qual o mal de Portugal são os portugueses, o mal do
Alentejo serão os alentejanos….
Sua
excelência abalará feliz, Deus permitiu-lhe visitar o Alentejo no auge da sua
beleza, a Primavera, temo, e os alentejanos compreenderão o meu temor, que a
exemplo de outras situações e mantendo o hábito e a tradição, terminadas as
visitas e as loas tudo fique na mesma, como a lesma…