segunda-feira, 2 de maio de 2016

344 - OBNUBILADOS ..................................................

illustración de Kaethe Butcher

Não era o túnel do Marão, que aliás anda em obras de Stª Engrácia, a terra toda revolvida, mais parece ter caído ali um avião, mas é o túnel que sempre aproveito quando calha estarmos juntos. Entre a cabeça e os ombros, no lugar do pescoço fica um túnel por onde, deslizando nos lençóis de seda, faço sumir o braço que, como um cinto de segurança lhe atravessa e segura o peito num carinho acolhedor e lhe permite acolher-se ou encolher-se na conchinha do meu amplexo.

É complexo este ritual que distendemos no tempo e que se repete, sempre e nunca igual, assim haja oportunidade, pois de motivo nem carecemos. Antes diria padecemos, por nem precisarmos de causa mas instigarmos os sintomas. Enquanto isso o outro braço cabriola de alto a baixo e percorre-lhe o corpo de viola, subindo e descendo vales e morros, detendo-se aqui no estreito da cintura, ou ali, em duas maçãs maduras que lhe dão e completam a formosura, acolá, em atrevida investidura onde, ou como, ou porque é dia da mãe e lhe afago o ventre quente e liso com nada inocente candura e ainda menos juízo.

E, se e quando as caras coladas, febris, onde esta barba rija e dura que não arranha nem perfura arrasta atrito doseado como uma linha de branquinha, o mais certo é deixar um de nós afogueado e o outro em doce loucura. Aperto então o meu abraço, num aconchego de regaço em que ajeitamos a conchinha e, brincando c’o umbigo dela segredo-lhe; querida enfiarei o dedinho até te encontrar o baço. Risota pegada, cócegas, voltas e reviravoltas para, no fim, nos quedarmos na mesma, esfomeados, mais apertados, mais enlouquecidos, mais abraçados que nunca.

Como num tambor, sinto-lhe no baixo-ventre as vibrações das gargalhadas e pressiono-lhe a pele como que querendo ouvir-lhe também o tam tam tam do coração. Regularmente, a mão termina sumindo-se por baixo do elástico e, como cabeleireiro aquilatando os cabelos da cliente, assim a ponta dos meus dedos lhes aprecia a espessura, a densidade, a maciez para, num repente, eu gaiato e a prima Esmeralda sorrindo-me num desafio:

- És capaz de adivinhar onde as mulheres têm o cabelo mais encaracolado Bertinho ?

Era manhosa a Esmeralda e até aos seus dezanove vinte anos a diferença de idades sempre lhe serviu para reinar comigo, para me gozar ou atrapalhar, eram dois ou três anos que lhe davam sobre mim uma maturidade acrescida, porém não passava daí, não era mal-intencionada, era simplesmente manhosa e um tanto ou quanto maliciosa. Claro que acabou por me pegar na mão e, apagando a luz, me conduziu e posteriormente mostrou o lugar onde as mulheres tinham o cabelo mais encaracolado. Estupidamente a mente poluída tinha sido a minha, pelo menos os dela não eram encaracolados, pelo contrário, eram bem lisos, macios e sedosos. Quando abri os olhos já ela, matreira, tinha composto as roupas e espetado diante deles um mapa de África no qual se destacava uma preta de carapinha. 

Esqueçamos a Esmeralda coitada, que já nem está entre nós, a queda de um avião nos alpes franceses há um ano atrás foi-lhe fatal, lembram-se ? Às mãos daquele jovem e louco piloto que se trancara na cabine*. Nem os ossinhos lhe encontraram, nem tão pouco poderemos dizer a terra lhe seja leve, apenas uma bolsinha com os documentos. Não foi caso único, antes assim coitada, nem deu por ela chegar… nem doeu…

E, enquanto eu perdido nos meus pensamentos, ela afogueada, fechando e abrindo as pernas numa aflição que me apressei a serenar-lhe, entalando nelas a mão e acalmando-a com a pressão de um carinho, logo alternando ou aliviando com uma terna caricia mal o respirar tranquilizou e os dois, novamente cúmplices, matando um esfolando o outro e chutando para o fundo da cama tudo que estava a mais ou atrapalhando para, e agora sim, a minha mão na sua nuca, acariciando-lhe os cabelos, os lábios aflorando-lhe a orelha, a face, a boca, o mindinho tacteando, abrindo, entrando e aberto o caminho vão dois, são agora dois, escorregando, deslizando, acariciando, as coxas contraindo-se, apertando-se, sobrepondo-se, os olhos que se fecham, as mentes que se obnubilam, o desejo tomando a dianteira, os corpos que rolam, tu por cima, não não, tu, de repente uma tenaz, umas pernas enlaçando-me enquanto algo sugando-me voraz, faço-me leve, descarrego o peso nos cotovelos, os cabelos que se emaranham, os lábios que se afloram, as línguas que se enrolam e as bocas que se mordem, os pelos que se tocam e nos excitam, o tudo que se quer e que se dá, tudo, todo, toda a aflição, não, não é aflição é precipitação, não, também não é precipitação, é antes uma aflição sem precipitação ou uma precipitação nada aflitiva, é pressa, pressa de chegar donde não se quererá partir antes ficar, fazer durar, prolongar, amo-te, não te mexas amor, não tires, quero ficar assim sempre, beija-me novamente,

Beijooooooooooooooooooooooooooooooooo

Não me acordes…