Costumo entreter-me
por ali, numa outra cafetaria, mas hoje, que é dia de estar fechada, depois de
comprado o pão na D. Maria e o jornal no quiosque da Micas, dei meia dúzia de
passos e sentei-me na esplanada de um café onde nem costumo ir nem me dão
motivos para tal, contudo a aragem que soprava contra um sol que prometia
esturrar convenceu-me. Eram umas nove horas e faziam-se sentir talvez uns 28º
pelo que me sentei e puxei do jornal ansiando pela bica quente e pela água
fresca.
Fogos e mais fogos
lá para cima, o Alentejo está tão despovoado, desinteressante e abandonado que
nem fogos aqui ateiam. O país arde há quarenta anos sem que ninguém se importe,
há quarenta que todos os anos arde e como nada é nosso ninguém se importa com o
que quer que seja, deixem arder que o meu pai é bombeiro…
Nem comigo parecem
importar-se, uma hora e vinte minutos depois de me sentar continuo sem ser
atendido. Levanto-me, volto à D. Maria que fica surpreendidíssima por me ver
voltar e sobretudo sentar. Bebo a bica e a água rodeado de alegria sincera e é
ela quem me diz que naquela esplanada não têm serviço de mesas, ninguém parece
importar-se, eu importei-me, e levantei-me, são eles que precisam de mim, não eu
deles, naquele café como no país as prioridades estão invertidas e ninguém
parece incomodar-se, para a próxima levarei de casa e na bolsinha das
bugigangas e dos livros a água bem fresquinha. Homem prevenido…
O cabeçalho do
jornal não é de molde a alegrar-me, remete para a dificuldade que imensos
portugueses sentem ao tentar tirar a carta de condução chumbando logo de
início, no exame de código e em percentagens alarmantes. Todavia desta vez
alguém se importou, associações de escolas de condução reclamam junto do IMT
que se baixe o grau de exigência dos exames (iguais em toda a UE) no que está
em consonância, pasme-se, com a PRP (Prevenção Rodoviária Portuguesa).
Claro que a ninguém
ocorre estar o mal no nosso sistema de ensino, na indisciplina das aulas, não
permitindo a aprendizagem, nos professores que não são avaliados infestando-se
as escolas por quem nem sabe ensinar (uma ressalva para os bons profissionais
que também lá os haverá), terminando em alunos com passagens administrativas e
portanto com fortes incentivos a que não se chateiem… nunca saberão articular
uma frase ou perceber, entender uma frase escrita ou ouvida, mas também aqui
ninguém parece importar-se ou incomodar-se, como quererão que entendam o que
lhes é perguntado num exame de código ?
Nas páginas
interiores do diário o panorama não melhora, segundo um outro estudo efectuado
seremos insuficientes em tudo menos na produção de vinho e cerveja, todos os
outros itens, em maior ou menor grau, de zero a vinte cinco por cento vêem de
fora, importamos frutas, cereais, hortaliças, carne, e pasme-se de novo, peixe.
Sei que temos a maior zona marítima exclusiva da UE e no entretanto, para
contrabalançar, o número de reformados da fp acaba de ultrapassar o numero de
activos e por este andar qualquer dia meio milhão de activos aguenta nove milhões
de desempregados e aposentados, não que alguém se importe, deixai arder que o
meu pai é bombeiro…
Ninguém tem mão
neste país, desde inicio do processo democrático que se instalou o amiguismo, o
compadrio, o partidarismo, o seguidismo, desde aí foi instaurado o reino da
cunha e não do mérito, e a democracia e os nossos democratas vêem-se incapazes
de lidar com gente como Isaltinos Morais, Oliveiras e Costas, Duartes Limas, Loureiros, Dias e Valentins, de Sócrates a Varas, a
Granadeiros, a Zeinais, a Bavas, a Salgados...
Estou plenamente
convencido que essa história do 25 de Abril foi a maior banhada que levámos, eu
e a malta que habitualmente amesenda comigo no café, isto é tudo menos uma
democracia, isto é um país desigual, um país disfuncional e num estádio involutivo
bem pior do que antes do bambúrrio da revolução. Só neste país e durante uma
crise tremenda duplicaram os bilionários e respectivas fortunas sem que alguém
se tivesse importado com a correspondente duplicação dos pobres e da miséria,
sem que alguém indague porque à riqueza de uns corresponde a pobreza de outros,
e sobretudo impressiona que ninguém tome medidas, medidas de fundo, que não as
que habitualmente se tomam para inglês ver…
Só neste peculiar
país e democracia a ninguém interessa que o estado, o fisco e a banca
despoletem penhoras a torto e a direito, numa insensibilidade insana,
monstruosa e vergonhosa semeando mais pobreza, mais vitimas e mais dramas
perante os quais ninguém se mexe, ninguém mexe uma palha, como se cada um e
todos nós não estivéssemos no mesmo barco e portanto que ver com isso.
Só este país se dá
ao luxo de sacudir e despachar por todo o mundo desempregados e emigrantes como
se não fossem portugueses, como se não fosse responsabilidade nossa, nossa dos
diversos governos, que ignorantes do seu dever e função fizeram como me fizeram
na esplanada, onde parecem nada ter que ver ou responsabilidades para com quem
nela se senta, não é com eles, não servem às mesas e acabou-se, quem estiver
mal que se mude, agindo uns e governando outros como se não precisassem dos
clientes, ou do país mas os clientes, ou o país, precisasse (em)
irremediavelmente deles… Entretanto governos
e governantes, que em vez de governarem se governam e martelando a ética a seu
bel prazer, entram pobres e saem ricos, e quem porventura ainda se importe com
tal desiderato provavelmente terá que votar em Salazar para se puder livrar
destes democratas engravatados que cada vez mais nos sugam e nos devoram.
A velhinha RTP2 tem
vindo a passar uns documentários sobre o Estado Novo e a PIDE, antes da PIDE,
isto é a PVDE e ainda antes desta, logo no inicio do Estado Novo a pioneira
PPSE e a PDPS, enfim, é um rol de tristes e revoltantes verdades que essas
reportagens inusitada e magistralmente desenrolam ante nós, o aviltante abuso
do poder, as vergonhosas detenções sem mandato às tantas da matina, a abusiva
censura à liberdade de expressão, a ausência dos direitos mais comezinhos, a
prepotência dirigida com sobranceria, as violações de privacidade e dos mais
elementares direitos cívicos tornadas hábito, as perseguições impiedosas de
opositores, coisa que hoje se faz muito mais subtilmente, todo um rol de absurdos
a RTP2 nos relembra ou desvenda como se estivéssemos num outro mundo virado do
avesso.
Contudo sou
despertado por uma pequena nota de rodapé na penúltima página do jornal que
folheio e que me dissiparia a mais pequena dúvida caso ainda a tivesse, os portugueses
são mal-educados, burros e estúpidos. Mesmo assim, afirmou-o a pés juntos a
jornalista e escritora Marisa Moura. Claro que não me estou a incluir neste número,
nem a você cara amiga ou amigo que me lê, era o que faltava, nós somos
excepcionais e boas pessoas evidentemente, mas os outros, o grosso da população
no geral é-o, é plena de preconceitos, incapaz de uma análise crítica, incapaz
de entender uma frase curta, de formular ou sequer de defender um juízo mas
debitando juízos de valor às golfadas e incapaz duma opinião, enfim, do piorzinho.
Sempre fui
democrata e fiel defensor da democracia, porém conheço o meu país e as suas
gentes, essa coisa da democracia, como já Eça dizia, fica-nos curta nas mangas,
essa coisa da democracia é para povos mais evoluídos, para os povos do norte e
centro da Europa e jamais a recomendaria entre nós. O que nós precisamos é um
líder com uma visão abrangente ao invés de visões sectoriais que se entrechocam
e anulam, ou se tornam perniciosas devido à falta de uma visão de conjunto, o
que nós precisamos é de um líder decidido, capaz de pensar e tomar uma
resolução certa e correcta na hora, que corte a direito e sem hesitações, que
identifique num olhar o cerne do problema e as moscas em redor da merda, que
use bota de tacão alto e saiba qual o lugar do pescoço onde deve carregar,
fazer força, porque já os romanos o afirmavam, aqui vive um povo que nem se
governa nem deixa que o governem, porém acredito firmemente que havendo
quem, o problema se resolveria em três tempos. Há quarenta anos que andamos a
preguiçar e nisso todos temos culpas, ainda que ninguém assuma a coragem de forçar
ou obrigar à solução... Vai ter que aparecer alguém com tacões ou de contrário
nada se fará deste nem com este povo e o país definhará...
Está demonstrado à
saciedade, basta ler a história pátria, sempre que Portugal teve à sua frente
homens esclarecidos e decididos avançou. Nos outros países querem-se
democratas, aqui teremos que querer um homem de barba rija, e que venha Ele
quanto antes, um Pinochet ou um Estaline, mas que venha depressa ou esta nação
com mais de 800 anos apagar-se-à ingloriamente... Na impossibilidade de nos endividarmos
no mercado, ou de fazer girar as rotativas e imprimir notas, na impossibilidade
de novo resgate, restaure-se o Tarrafal para dar guarida aos democratas caídos
em desgraça, digo aos que ditaram e ditam a nossa desgraça, reactive-se Caxias,
Peniche, e a Carregueira, Boa-Hora e Aljube, arranje-se uma policia delicada
mas persuasiva e ponham-se todos a trabalhar trabalhar trabalhar quarenta horas
por semana... Torna-se imprescindível
implementar uma solução assim, aliás já devia ter sido implementada há anos... E uma espécie de PIDE durinha que motive os trabalhadores a trabalhar, os ociosos
a amar o trabalho, os do contra a virar a favor e os patrões ou empresários a
serem organizados e solidários, e forçados a portarem-se bem... Idem para os banqueiros
e bancários, tanto bastaria para que em seis meses se endireitasse este
país.
Então abrir-se-iam
milhares de vagas para bons empregos, só dos democratas fugidos à justa justiça
e ao muro de fuzilamento ficariam para concurso uns larguíssimos milhares de
lugares, é que não basta dizermo-nos anti-Salazaristas ou anti-fascistas para
sermos melhores que esses fulanos, é preciso sermos mesmo bons, é preciso
prová-lo, é preciso fazer igual ou melhor, e ainda não vi essas provas, mas já
vi ao longo dos últimos quarenta anos, muita merda, e muita podridão, e muita
corrupção. Se há coisa que aprendi com estes democratas foi a ser um exigente
ferrenho. Só um homem providencial podem ter a certeza fará melhor figura que
os que por lá passaram nos últimos trinta anos a quarenta anos... Toda essa
gente que por lá passou não faz sequer ideia do que seja um país quanto mais
governá-lo...Só lhes falta inteligência para meterem o país a funcionar... E o
pessoal a trabalhar... Pois aqui neste cantinho à beira-mar, está provado que
sem um forte incentivo nada se faz..... Forte mesmo.... Forte que nem uma
muralha de aço, servia o forte de Peniche... Porque começando em Soares e
Cavaco e Guterres e Barroso e Sócrates e toda essa tralha, terminando no inconcebível
Pedrinho, ninguém soube o que andava fazendo... Só reconheço a esta democracia
um mérito, ter feito de mim um déspota esclarecido, exigir para este país um déspota
esclarecido, isto não é povo para ir ao lugar sem trela curta... Sem Aljube,
sem Caxias, sem PIDE, sem pressão ninguém fará nada desta maltinha, é sabido
que o medo guarda a vinha... Uma PIDE com um bom edifício, bons calabouços,
quase nem precisaria de agentes... E voltaríamos a crescer 6% ao ano como no
tempo do malfadado fascismo... O 25A foi a maior banhada que este povinho
levou... E ainda batem palmas... Retrato idólatra tão bem definido do que
têm sido as últimas décadas de despudor e oportunismo que as palmas não imagino.
Deliramos rumo à
utopia há quarenta anos, já é tempo de acordarmos, isso e o uso do
politicamente correcto na condução de um povo que alimenta a ilusão de ser um
povo desenvolvido e esclarecido está a matar-nos. Pobre povo… Nação
valente... Onde estás, para onde vais ?!!! Estás endrominada, obnubilada com o purguesso,
os direitos adquiridos, as liberdades e garantias, mas és piegas, e esqueceste
os deveres, passas os minutos a queixar-te... Falta-te estoicismo, faltam-te hábitos
espartanos....
Estou convicto não
ser uma boa solução o caminho que apontei, mas vejamos, temos uma taxa de
desemprego que o Estado Novo nunca teve nem nos piores momentos, temos uma taxa
de crescimento vergonhosa para esgrimir contra uma taxa média de 6% que o
Estado Novo apresentou durante décadas, temos uma dívida maioritariamente nos
bolsos de corruptos que nos vai condicionar a vida durante cinquenta anos, o
Estado Novo não deixou divida, deixou ouro às toneladas, o pouco que temos feito
saiu caríssimo e custou-nos os olhos da cara, um opróbrio. O lírico TGV custou-nos
150 milhões e nem passou de uma ideia, a Ponte Salazar foi feita no prazo, sem
derrapagens nem aumento de custos, haja vergonha,. Teremos que erguer novamente como nosso o
velho lema corporativista, um por todos, todos por um, todos pela nação, nada
contra a nação. O resto são cantigas, embarrilaram-nos com o 25 de Abril, a democracia,
como as pérolas, não é para todos… Acenaram-nos com a ilusão...
"Chama-se
liberdade o bem que sentes,
Águia que pairas
sobre as serranias;
Chamam-se tiranias
Os acenos que o mundo
Cá de baixo te faz;
Não desças do teu
céu de solidão,
Pomba da verdadeira
paz,
Imagem de nenhuma
servidão!"
Miguel Torga