Andava eu concentrado
no estudo e apreciação de Enrique Vila-Matas, um jornalista espanhol, escritor
conceituado, e às voltas com um seu livro, mais concretamente a sua “História
Abreviada da Literatura Portátil“ uma obra absurda que estava a gostar de
digerir e eis que a internet me prodigaliza uma sua entrevista, a propósito de
um outro livro e da arte da escrita, da literatura, em que ele, lato sensu, eleva esse conceito a um
extremo cuja tese defende tudo ser narrável.
Portanto
estava neste ponto quando uma minha amiga e a propósito de um pequeno ditirambo
meu na minha página pessoal duma rede social, que entrosou, entroncou, encaixou, combinou com modesto texto
meu, o anterior a este, me pergunta se o que eu estava a dizer, a escrever, ou
descrever, era mesmo uma pinocada (termo dela) termo que posteriormente e de
acordo com o espírito do ditirambo alterou para pilonkada, ao que eu respondi
sim, estava mesmo a escrever sobre ritmos músicais e sincronização sincopada
duma pinocada pontual, pinocada, ou antes pilonkada … Adiante esclareceremos o
termo, pois sendo tudo narrável segundo a teoria de Enrique Vila-Matas, este
qui pro quo com a minha amiga Ermelinda não pode deixar de ser aproveitado por
mim como motivo de salutar ocupação dos meus tempos livres, o que gosto de
fazer quer lendo quer escrevendo.
O texto a que
ela se referia, e cujo link vai ser o primeiro no rodapé deste texto é um texto
pessoalíssimo, sobre uma situação velhíssima e de difícil leitura se não
estivermos atentos. Claro que hoje em dia as pessoas estão desatentas e
excessivamente focadas no imediato, tendo dificuldade ou sendo incapazes de
imaginar um contexto diferente daquele em que vivem, diferente do presente. Era um texto
que recordava Néli, que só me procurava quando todos dormiam, ou quase todos, e
que sem barulho se anichava em mim, em conchinha, quando nem o suor ou a areia
nos incomodavam, mas travavam. Era esguia e magrinha, era bela, marcháramos uma
semana sob condições péssimas e nem isso lhe retirara a beleza, nem o ânimo,
nem a doçura…
Uma cena com
uns bons anos e na génese da questão trazida à baila pela Ermelinda, esquecida
de quando apareceu a musiquinha do Emanuel “Pimba Pimba” toda ela como sabemos
explorando as possibilidades ilimitadas da língua portuguesa e da brejeirice. Não pude esquecer-me, ou não pude deixar de me lembrar que há umas décadas,
quando não havia CD’s nem MP4 nem MP3 e as cassetes davam os primeiros passos,
não havendo WiFi nem internet, não deixava todavia de haver outros povos e
outras línguas igualmente alegres e brejeiras os quais, tendo num qualquer dia
calhado conseguirem uma boa caçada, um gnu, uma gazela ou uma pacaça, havendo
carne ao jantar, e festa e batuque, ou seja música, logo cantos e ritmos estariam
assegurados. Foi precisamente aí e numa dessas ocasiões que vi como os outros
(em cuja pele custamos a meter-nos) têm ou disfrutam igualmente de matreirice
e sentido de humor, não sendo esses atributos exclusivos nossos, colonizadores
ou velhos colonizadores, membros honorários da civilização que ora atropelamos...
Pois foi tal e
qual assim que, acertando o ritmo com a pancada ou batida do tambor, ela,
desvirtuando propositada e sagazmente a letra duma canção popular, (África
ainda não teve o seu Giacometti nem a sua pesquisa e recolha de fórmulas orais e
étnico musicais do canto tradicional mas, quando acontecer demorarão séculos a
compilar pois serão aos milhões), e desvirtuando intencionalmente o vocabulário
acertava o ritmo dizia eu, sussurrando-me ao ouvido, Pilonkan, Pilonkan,
Pilonkan, desafiando-me a bater forte tal qual o pilão bate na cuba onde é amassada
a mandioca, tal qual a palavra, distorcida, ia na boca dela tomando vários
sentidos, conforme o contexto em que se inseria ou ela a queria inserir, convidando-me
igualmente dessa forma a "dar-lhe" forte e feio, que é como quem diz
"bate com o pilão" bem fundo e com força, subentendido evidentemente
desde que não partisse o pistilo, ou pilão, nem o almofariz.
Muitíssimas
palavras em variadíssimas línguas tomam diversíssimos significados, e esta que
me foi sussurrada convidava-me a que me desse, lhe desse forte, ou a
"declarar-me", ou a dar-lhe a boa nova do meu amor e a intenção de
“fazer” por ela, isto é tomar-lhe a mão, desposá-la, pedi-la em casamento. No
fundo estamos falando sobretudo de fórmulas inocentes em que, desvirtuando
matreiramente o sentido inicial da palavra, e a levá-la ou elevá-la a uma provocação
brejeira, sendo o que dava à canção atrás citada o sentido e o humor, tal qual fazem
Emanuel e Quim Barreiros, em que ambos jogam com a duplicidade ou ambiguidade das
situações que possam explorar numa frase, numa situação, numa palavra...
O nosso
proverbial “bater com a cabeça na parede”, que é como quem diz “marrar contra a
parede”, e numa modalidade mais forte “partir os cornos contra a parede”, nada
mais simbolizam que a inutilidade de qualquer esforço ou tentativa, tal qual
não adiantará absolutamente nada se estiver a “chover no molhado” ou se nos
dispusermos ou lamentarmos “chorando sobre o leite derramado”.
Tal como nós
África está cheia de provérbios, naturalmente alguns foram adoptados depois de
séculos de colonização, e o nosso peculiar “vai pentear macacos” não andará
longe de uma imagem que durante algum tempo me foi familiar, os beduínos
catando-se, e não somente eles, também os indígenas, em filas de dois ou três
ou cinco ou seis de enfiada catando-se uns aos outros de parasitas incómodos e
exercício de todo improdutivo se descontado o alívio que tal operação
certamente não deixaria de lhes oferecer.
Ora aqui está
um texto que não passa de uma boa “conversa de merda” dirão com justiça alguns
de vós, ao que eu contraporei que, segundo Enrique Vila-Matas e a sua tese de
que tudo é narrável, estará aqui um belíssimo texto, não só para a minha amiga
Ermelinda, seguramente a mais interessada numa explicação aprofundada e lógica,
mas certamente para todos ou todas para quem o que interessa é ler uma história
qualquer desde que, ou quanto mais desbrave ou se intrometa nos pequenos
pormenores da vida alheia com que muitos de nós preenchemos a nossa, a nossa, vossa, sua, tua, dele ou dela, deles, delas, não a minha, eheheheh !
Porque se
estavam à espera de uma coisa mais para o literário, numa página que uso para
meu deleite e prazer pessoal o melhor é irem “tirando o cavalinho da chuva” ! Ahahahahahahahah !