domingo, 20 de novembro de 2016

398 - ARMINDINHA, AI MINHA MENINA …...........



Eu teria quinze anos e a Arminda uns dezoito, ligeiramente mais alta e encorpada tentava impressionar-me dando às asas, digo aos braços, tentando assim aumentar o tamanho do peito, tinha um peitinho pequenino, uma coisa miudinha, linda, lembro-me tão bem. Parecia um anjinho de pele branquinha dando às asinhas e eu dizia-lho. Aos quinze anos já tinha um bom rol de paixões vividas e consumadas, embora com a Arminda fossem só devaneios e arrebatamentos de rapazes, digo de jovens, pois nunca tomei sequer um café com a Arminda. Um dos aromas de que gosto e sempre gostei é o do café, adoro-o, adorava-o e quando ia a passando, calhando haver uma cafetaria era fatídico, entrava para uma bica escaldada.

Quanto à Arminda sempre gostei dela por outro motivos, se bem que ela depois de casar com o senhor Óscar se tenha enchido de brios e nem quando ele morreu ou mesmo depois de ultrapassada a dor da perda me tenha voltado a querer. Hoje compreendo-a, o senhor Óscar não deixara filhos, a mercearia enriquecera-o, se bem que já fosse rico à data em que a fundara pois que para tal tinha adquirido o Palácio do Farrobo* e, num golpe de sorte o estado veio a adquirir-lho para nele instalar o actual edifício do Registo Civil e Tribunal tendo feito dele, Óscar, num golpe de sorte e dum dia para o outro um homem rico. A mercearia veio a ser inaugurada menos de cem metros mais abaixo, ou mais à frente, na vertente da Rua de Machede** virada para o pequeno Jardim do Bacalhau, na verdade um muito melhor local que o inicialmente pensado Palácio do Farrobo. Anos mais tarde, após muitas sovas e cheia de filhos, Armandinha cedeu e, muitos dos eborenses se lembrarão ainda, o espaço foi por ela dado de arrendamento para loja de louça de barro que, à direita de quem subia a dita rua se manteve aberta durante quase duas décadas. 

Era esta riqueza ou esta herança que a Arminda acautelava, não se deixando levar nem tão pouco por devaneios embriagados no mar de fardos de bacalhau por onde tantas vezes vogámos. Um parêntesis para vos dar conta do meu melindre, já que a Arminda me colocou de parte com receio que a viesse a enganar ou a tornar-me oportunista por mor da herança dela, para no fim acabar nas mãos dum magala do Regimento de Artilharia 16 que lhe batia e detestava o fiel amigo. Mas enfim, arbitrariedades da vida. Gostar da Arminda teve sempre muito a ver com o facto de eu adorar o olor das mercearias antigas, daquelas que tinham feijão e grão a granel, e arroz, e açúcar, em cubas de madeira na loja e que demolhavam os fardos de bacalhau, nesses tempos humedecido de propósito para pesar mais sendo guardado num armazém das traseiras, bacalhau que depois um facalhão de eixo, tipo guilhotina, articulado e preso ao mármore do balcão cortava em postas bem pesadas.

 Como já disse eu adorava aquele odor e por arrastamento o cheirinho da Arminda, a marçana por trás do balcão e com quem, por vezes, eu brincava ao esconder no armazém, entre fardos de bacalhau, sempre atento à vinda do senhor Óscar, o merceeiro a quem a Mercearia Do Farrobo enriquecera. Ricas pernas tinha a Arminda, isto recordo agora por falarmos em riqueza, hoje talvez não tivesse quem a apreciasse como eu, era cabeluda do umbigo ao rabo e, mesmo às escuras e no meio dos fardos adorava passar-lhe a mão pelo ondulado do cabelo negro ou pelas tranças que, de vez em quando com vagar uma amiga lhe entrançava e lhe caíam até meio das costas, até ao rabo para ser mais preciso que estas coisas da clareza e da objectividade são um esforço que vos devo.

Passados bem poucos anos passeando-me eu pela baía de Luanda sou agarrado por trás com alguma violência por um tipo que não demorei a identificar pelo cheiro, era o escurinho, o monhé, o menino Teles de Menezes, o magala que arriava na Arminda e que fora mobilizado por castigo. Sempre cheirara a caril dos sovacos. Esturrara grande parte da fortuna dela e numa sova maior que lhe dera saíra-lhe a sentença em rifa. A queixosa fora directa ao comandante da unidade que depois de aplicar um correctivo ao magala providenciou para que ele entrasse nos eixos tendo-o despachado para a longínqua Angola… Antigamente não havia condenação penal da violência doméstica é certo, mas existiam meios muito mais expeditos de acabar com ela de um minuto para o outro, hoje a democracia, os tribunais e os advogados enfernizam e eternizam tudo…

Foi assim que a Arminda primeiro se viu livre de mim, um gaiato, para se entregar nas mãos de um homem feito, com mais três ou quatro anos que eu, cinco no máximo, que por sua vez fez dela uma mulher a sério, uma mulher com sofrimento e tudo, coisa de que eu jamais teria sido capaz. Não me salvei porque nunca pensara converter-me de alma e coração às delícias da Arminda, como sempre concordáramos nunca passou dum devaneio de juventude, um amor de perdição pelo seu cheirinho a bacalhau, uma pele tentadora e macia como grão-de-bico cozido e um hálito permanente a menta e a café. Sinceramente nunca me vi como marçano, nem sequer sonhei com tal coisa, mas com a Arminda foi outra loiça… 

               Uma postinha de pescada da melhor… 


* http://viverevora.blogspot.pt/2011/06/evora-perdida-no-tempo-interior-do.html# 

** http://monumentosdesaparecidos.blogspot.pt/2012/01/palacio-do-farrobo-evora.html


Jardim do Bacalhau