Ouvindo
os meus lamentos a Clementina, que nem é tão azeda como a julgam, nem casca
grossa, antes docinha como um pêssego, um alperce, acercou-se da mesa e
procurou inteirar-se do motivo da controvérsia do dia e, naturalmente e como é próprio da sua doçura, deixar um qualquer lamiré apaziguador, quiçá uma
prova da sua ternura, simpatia e empatia.
Cousas
que ao Arlindo em nada sensibilizaram, ou molestaram, dado ele ser daqueles tais,
dos diferentes, dos todos diferentes mas todos iguais e contra quem a mesa toda
se virara, pois acabara de criticar asperamente a disciplina militar, primeiro a
respeito das mortes nos treinos dos comandos e depois acerca da nem tão recente
polémica com os rapazinhos do colégio militar dos pupilos do exército. Logo calhou
que o Zé Antero lhe tivesse feito uma cena que nos deixou todos rindo ao
encenar esta piada:
- Parece que estou a vê-los
todos ó Arlindo ! De baioneta em riste e preparando-se para abandonar as trincheiras
em direcção ao inimigo;
- Vamos a
eles meus amores ! À carga !
Foi risota
geral. Humor e ironia é a sorte daquela mesa, quero dizer desta, pois é nela
que vos estou dando conta do ocorrido agora que todos desandaram cada qual
arvorando uma desculpa diferente, o Arlindo meneando-se com todo o ar de dama
ofendida, o Zé rindo à gargalhada, a Clementina como quem caminha aspergindo
água na fervura e o resto gargalhando a bandeiras despregadas.
Sobrei
eu, fiquei eu pra pagar a conta como sempre calha ao mais parvo, nem sei como a
coisa calha para me calhar a mim vezes demais. Fiquei entalado mas também rindo
do sucedido e de como em poucos minutos um ambiente se pode modificar completamente. É certo que fiquei a rir, não me fiquei rindo mas fiquei a rir o
que parecendo igual não o é, é uma coisa completamente diferente, o riso
descomprime, o riso é saudável, a falta dele provoca desde embaraços a
incompreensões, a desconfianças, complexos e traumas vários e até males sezões,
desaconselhando eu vivamente a amizade e o convívio com quem não partilhe o gosto
pelo humor e pelo afiado gume da ironia. Sendo para casar então o melhor é nem
sequer pensar em tal, pois irá ser aventura de curta duração com divórcio garantido a
breve trecho. Rir é hoje em dia uma questão de sanidade pública e privada.
Realmente perante determinadas situações rir é mesmo o melhor remédio, se não o único, pois que, em especial neste nosso caricato e peculiar país, a maior parte do acontecido somente pode ser avaliado à luz da ironia e do mais fino ou mais negro humor, tal o absurdo em que se inscreve.
Saber
rir daquilo que nenhuma ponta tem mais por onde possamos pegar-lhe, e saber rir
de nós mesmos, é condição “sine qua non” para sobreviver neste autêntico vale de
lágrimas ou estúpido reino da Dinamarca onde todos, ou quase todos andam
enganados e enganando-se vai para quarenta anos. Há essencialmente duas coisas que
o português contesta e detesta, uma é saber, saber o que quer que seja a respeito de… saber,
aprender, ler, informar-se, perguntar, entender, compreender, enfim, saber por
saber, para não ser estúpido. A segunda é meditar, analisar, extraír conclusão, comparar, examinar, intuir, deduzir, generalizando e em simultâneo especificando, ou seja pensar,
tão simples como isto, pensar.
Daí os
dogmas e as ortodoxias de esquerda e de direita em que tropeça há quatro
décadas, sem que lhe ocorra no mínimo baixar-se e arrancar a pedra do caminho
ficando menos uma em que tropeçar da próxima vez. Todavia larga opiniões a
toda a hora, como quem caga bacoradas, e nem tão pouco se dá conta da montanha
de asneiradas que ao longo de dias, semanas, meses e anos vai acumulando. Se fosse
como o Jóquer do Totoloto era o menos, mas sucede que não é, caindo alguns no
extremo oposto, ficarem calados, escondendo dos demais a sua ignorância, o que
até consubstanciaria uma virtude não fosse a sabedoria desconfiar da marofa. Entre
ser preso por ter cão e preso por o não ter é acreditar na Clementina que
garante ser no meio que se encontra a virtude.
E é, e está, é precisamente no meio que ela é mais docinha, e ainda que com um ligeiro travo e um muito leve sabor a maçã
verdinha é lá que está a virtude, bem no meio, bem escondidinha. Vai uma
apostinha ?
A propósito,
foram 17,30€ a conta, vou ter que me vingar destes cabrões sabiam ? Sabiam ou pertencem àquele número dos que não sabem, nem querem saber e têm raiva a quem saiba ?