Atravessava um destes dias o
nosso burgo, quando ao descer precisamente a Rua de Burgos me lembrei que não
deveria deixar passar em claro a tão comentada exposição de Marcelino Bravo, ali à Delegação Regional de Cultura do Alentejo. Em boa hora o fiz, porque
não me arrependi, antes pelo contrário.
A
primeira impressão que colhi foi precisamente aquela que as páginas deste
diário tinham já anunciado, cores fortes, quentes e emotivas. A segunda
impressão foi-me transmitida pelo dinamismo das curvas do seu traço, lembrando
o estilo “arte nova” do início do século XX, em que o real era, e contínua a
ser pelo que vi, traduzido num estilo livre mas fortemente evocativo, um traço
indelével de automatismo nas formas que caracterizou a pintura dessa época.
Como
então, a arte de Marcelino Bravo exige uma particular atitude para ser olhada, pois deixa
transparecer uma mestria, uma dextria própria, não incompatível com a grande
disciplina das formas e imagens.
Nelas
encontramos originalidade conceptual e um forte sentido de estrutura. É também
perceptível uma suave distorção da realidade, o que só acentua a força de
expressão das suas emoções interiores e de onde resulta certamente o jogo
quente das cores que o individualizam e libertam da realidade natural.
A
policromia, as cores vivas, fazem lembrar as paletas dos impressionistas e
neo-impressionistas, e revelam um mundo muito particular de relações
cromáticas, (expressionismo?), decididamente liberto de inibições quanto ao uso
da cor e de convenções quanto às formas.
Alguns
traços geométricos revelam vagamente o “realismo cubista, ou preciosismo”, no
entanto Marcelino Bravo não abandona as formas, às quais dá como assinalei, notável relevo
pictórico, de realçar o vermelho puro, incendiado, na tela com Monsaraz ao
fundo.
São
sobretudo as suaves distorções das formas e as cores que acusam na sua obra um
traço expressionista, linhas e cores dissonantes, apontando para a natureza
certamente hipersensível do artista, expressionismo bem patente na forma como é
expressa (perdoem-me a redundância) a sua ligação e amor a Évora e ao Alentejo.
As formas geométricas de composições como “Évora Património” apontam na
direcção do expressionismo abstracto que Marcelino Bravo não concretiza, quanto a mim
felizmente, para que se não perca a fácil identificação da sua forte raiz
alentejana e eborense. Gostei, muito.
E
mal saí do nº 5, não me contive, e entrei no nº 6 da mesma rua, na “Galeria
Jerónimo”, uma entre tantas lojas de artesanato, que contudo esconde mistérios
insondáveis.
É
o refúgio conhecido de Jerónimo Amaral ** artista ignorado que todavia
leva no rol vasto número de exposições de esculturas em ferro. Diferentes
composições, mas todas elas figurativamente características e possuidoras de
uma intensidade selvagem.
Apresentando
um grande contraste entre as diferentes obras, a sua criatividade tem um
sentido de mistério que tanto nos inspira harmonia e paz como revolta,
protesto, ou algo de grotesco. Jerónimo Amaral espanta-nos com a sua criatividade e técnica,
virtuosa e radical ao mesmo tempo, e parece não conseguir esgotar as
virtuosidades e possibilidades de cada tema a que deita mãos. Estranhas,
desconjuntadas e distorcidas nas suas formas anatómicas, os seus temas emergem
como criações “surrealistas”, em que o compromisso com a violência serve por
vezes de mensagem e suporte à defesa do ambiente, mas que não quebram
totalmente com o racional, ainda que procurem uma beleza chocante que porém
fica tenuemente presa à racionalidade e á lógica. Mais que acusando traços das
“Construções em relevo” do movimento “construtivista”, Jerónimo Amaral faz a sua própria
escultura de materiais que vai reciclando, desperdícios metálicos, lixo, e
criando figuras e formas de impacto impressionante, muito engenhosas e não
raras vezes animalistas. Simplicidade e simbolismo são características de todas
as suas esculturas em ferro, misto de uma visão de “outsider” e de “técnicas de
colagem” na escultura.
Se
algumas das suas obras parecem revelar “histeria nascida em estúdio”, o
artista, o homem, o outsider, é contudo uma paz de alma e fonte de simpatia. Jerónimo Amaral gostaria talvez de ser anti-social, não o consegue, trai-se a cada sorriso e
involuntariamente deixa transparecer um calor humano que gera de imediato forte
empatia. Essa sua faceta trai a concepção “dadaísta” que desejariam atribuir à
sua obra, obra em que não existe uma recusa da procura do belo pelo insólito.
Muitos anos de vida para o Jerónimo Amaral. **
Vão ver com os vossos olhos.
Muitos anos de vida para o Jerónimo Amaral. **
Vão ver com os vossos olhos.
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Nota minha: Não faltem à "PRESENÇAS" de Marcelino Bravo na
Biblioteca Pública de Évora !!
O "home" só expõe de quinze em quinze anos !! Aproveitem !!
O "home" só expõe de quinze em quinze anos !! Aproveitem !!
* Publicado in
DIÁRIO DO SUL – “Kota de Mulher” - 01-02-2001 by Maria Luísa Baião
** O saudoso amigo Jerónimo Amaral já não se encontra
infelizmente entre nós.
Perfil de Marcelino Bravo no Facebook: https://www.facebook.com/marcelino.bravo.56/photos?lst=100000792991962%3A100004495483657%3A1481581098&source_ref=pb_friends_tl
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