Não que tenha
alguma influência, que não tem, nada do que possamos dizer teve, tem ou alguma
vez terá a mínima influência, contudo quem numa mesa de café segura o fio
aleatório que as conversas tomam qual fio de Ariadne, caindo matemática e
regularmente no centro do círculo quadrado que a mesa representa, tal qual nela
caem as bicas, as minis e os tremoços ou as ervilhanas ?
Dizer que a
coisa este ano ou desta vez vai ser aguerrida como alvitrou o Maiorgas, não
fosse ele de Alvito, é coisa que já nem pega, tanto que ninguém na mesa o levou
a sério mantendo continuidade a candente questão do tetra ou a do Sobral, não esse em
que estão pensando mas o genro do Guilhermino que é natural de Sobral da Adiça
e foi contratado pelo Marrazes para a próxima época, tendo-se deslocado este
fim-de-semana a Leiria para cheirar o ambiente e arranjar quarto.
Mas a conversa pegou e continuou, apesar de todos os candidatos apresentarem uma promissora e confusa imagem
na bola de cristal em que a endiabrada da Ada, que nem é próspera nem
endinheirada, antes natural da aldeia de Endiabrada no concelho de Aljezur vê
ou imagina ver quando a olha, quando olha a bola à luz singela de uma candeia
de azeite como havia na sua terreola. E sendo verdade o que ela afirma nem
valeria a pena o trabalho e o gasto com estas eleições, esclareço que me refiro
a este nosso concelho, onde quem está está, ou ficará, e quem vai vai, ou
seguirá.
Mais pela Ada
que pela conversa a coisa pegou, pegou mas não chegou a arder, quero dizer a
aquecer, a primeira a pronunciar-se foi naturalmente ela, Ada, defendendo o seu
ponto de vista, isto é defendendo o que a vista lhe alcança quando se põe, tal
como há muitos anos víamos os fotógrafos à la minute na entrada do jardim
público, espreitando secretos e misteriosos segredos debaixo duma mantilha preta, a fim de travarem
a mínima iluminação externa capaz de lhes estragar ou alterar o resultado do
banho de sulfeto de prata, assim faz a Ada debruçada sobre a bola de cristal,
chegando a trazê-la para o café corroborando o que há muitos dias vem afirmando
à boca cheia.
Por duas ou
três vezes me calhou ser convidado a meter a cabeça debaixo do improvisado
xaile da Ada e a espreitar o secreto futuro que ela apregoa, mas em boa verdade vos confesso, a única
coisa que lembro é o inesquecível e frescatível
perfume dela e as cores dos sutiãs que em cada um desses dias levava, quanto ao
resto a bola de cristal foi sempre para mim um misterioso segredo e um mistério secretissímo. No que respeita às cores o fúxia teve sempre a minha preferência, o que há muito é do conhecimento geral.
E quanto a
preferências as da Ada recaem sobre o candidato do PSD, segundo a ela o único
que satisfaria os pontos de vista por si incansavelmente sublinhados, é um homem jovem,
culto, bem-parecido, com postura e experiente, mas com o burburinho que se
levantou mal ela falou, fiquei sem saber se a mesa estava contra ela, contra a
suposta e por ela não suficientemente explicada ou justificada experiência, ou
contra ele, visto ter havido quem alvitrasse, sim esse mesmo, o tipo de Alvito,
o Maiorgas, ao alegar que pela primeira vez em mais de vinte anos esse partido
apresentava um candidato a sério e não um qualquer para inglês ver, como era
habitual e ao que a cidade já se tinha habituado, isto é ao que a cidade se
terá habituado tanto que nunca levou esses candidatos a sério, facto que iria
custar muitos votos a este, mesmo que os merecesse, contudo estava capaz de
apostar em como este novel candidato obteria o melhor score das últimas décadas.
Porém será mais um daqueles casos em que pagará o justo pelo pecador adiantou.
Ele não
queria e bem o escondia mas toda a gente sabia, o Maiorgas era xuxa e envergonhava-se disso, daí que
escondesse as suas preferências mas a malta é manhosa e conhecendo-o há bué de
anos, nunca esqueceu nem lhe perdoou os dias e os fins-de-semana em que se
manteve hirto e firme ao portão do Estabelecimento Prisional de Évora, facto
com que de vez em quando alguns o confrontam e pelo qual ainda é gozado. Não
era o caso agora em que ele perdeu a vergonha e veio em defesa da sua dama, mas
a dama dele não passa de ilustre desconhecida para o resto do pessoal em
volta desta mesa e decidido a afiar as facas, preferindo centrar as atenções no
passado recente do partido de que a ilustre dama é candidata.
Não faltou
quem de imediato deitasse achas para a fogueira, mas de modo generalizado e
concordante a opinião maioritária era a de que o Zé do Cano só tinha feito
trampa e esta desgraçada agora é que iria pagar as favas. Só fez caquinha e não
foi pouca avançou a Ermengarda, doze anos imaginem, o que esse partido ganhou
com isso é que agora durante os próximos vinte e quatro não vai ter lugar no
poleiro, pelo menos enquanto as pessoas se lembrarem da muita conversa fiada e
do muito mais que ficou por fazer ou foi mal feito, os compadrios e a promiscuidade
entre amigos e cargos, ou as urbanizações que ninguém entende. Ela está
desempenhando o papel de idiota útil aventou o Sobral sem gaguejar, calhando já
os partidos decidiram p’ra quem ficará Évora e ela não passa dum verbo de
encher p’ra apaludir as iludências ou iludir as aparências, seja como for ela
agora é que vai pagar as favas da merda que o outro fez, lixou as espectativas
de alternativa a toda a gente e agora não se admire se o Zé Povinho lhe fechar as
possibilidades de alternância...
Alto aí e
pára o baile, ponto de ordem à mesa disse eu impondo-me, nem a senhora é uma
idiota útil nem é parvinha como parecem estar a fazê-la, ainda há dias confrontei
o meu amigo Romão precisamente com essa questão e a resposta dele foi pronta, ela
não é parvinha nenhuma nem está fazendo um frete a ninguém nem sacrifício nenhum,
ela é esperta e sabe ao que vai, agora aguenta, e depois espera a vez dela, a
presidência da CCDRA, ou da D.R. Educação do Alentejo, ou da Direcção Regional
da Cultura, ou do IEFP, aposto que aceitará quaisquer nomeações, não
há almoços grátis, ela é esperta não é tolinha nenhuma rematou ele, e tendo dito isto calou-se, como se já tivesse falado demais.
Enquanto
emborcámos mais um uísque e lhe disse para não contar comigo nesse tal almoço da efeméride de
fim de curso cujo convite me trouxera dado o meu estado de saúde. Deixei cair
na conversa isto é Portugal, ninguém leva a mal, não havemos nós de estar como
estamos, ter chegado onde chegámos… De qualquer modo essa candidata vai ser
lançada às feras, é um sacrifício que irá custar à bondosa senhora o score mais
baixo do seu partido nos últimos anos, vai uma apostinha ?
- E tu Januário, em quem
apostarias rapaz ?
- Eu ? No vencedor
pá !! Só aposto quando vejo dinheiro em caixa !!
- E já agora quanto a
ti quem vai ganhar dizes-me ?
– Claro que
digo, o Pinto de Sá, afinal é o único que está limpinho, puro, livre de todas
as culpas, o único que podia fazer alguma coisa e não pode porque o preto e o
Zé do Cano só lhe deixaram uma montanha de dívidas, não é de cá, nunca cá
esteve, não tem culpas no cartório, se for inteligente e não abrir a boca, não
disser nada e não fizer nada ganhará com maioria absoluta e averbará a maior
vitória da sua vida e que ficará para a história.
Falas a sério
? Deixa-te de brincadeiras pá.
Nunca falei
tão a sério, é dos livros que em caso de dúvidas ou incertezas o que a
sociologia política nos ensina é o jogo eleitoral beneficiar quem detém o poder
pois leva vantagem, é mais fácil conservar o poder que conquistá-lo, Pinto de
Sá não precisa convencer quem já está convencido, basta-lhe não hostilizar ninguém
para que não perca votos, com uma postura dessas antes ganhará mais alguns.
- E Évora ?
- Évora ?
- Que tem Évora a ver com tudo isto ? Évora nem é para aqui chamada pá...
- Que interessa Évora ?
* Nota importante, todos os nomes deste texto são inventados não correspondendo a nenhuma realidade, circuntância ou pessoa.
- Que interessa Évora ?
* Nota importante, todos os nomes deste texto são inventados não correspondendo a nenhuma realidade, circuntância ou pessoa.
Pintura de Sónia Barreto (pormenor) Évora 2017