Népia dissera eu, néscia entendeu ela, e vai daí cortou-me
da sua longa lista de amigos repentinamente, sem mais nem menos, sem sequer ter
sido eu a pegar fogo à floresta de Pedrogão. Não perdi nada por ser uma
daquelas pessoas que nem estão para perder tempo ouvindo os outros, nascem já
cheiinhas de certezas, de razões muitas, e muitos mais preconceitos ainda, uma
tristeza, vivem prisioneiras das suas próprias convicções não dando pelas
mudanças no mundo que as cerca, esta fez-me lembrar aquela história dos
chinocas e da muralha, é o oposto de uma amiga que tenho ali para os lados de
Azeitão, Arrábida ou Quinta do Conde, uma pexita que contesta tudo, reclama por
tudo e por nada e, inacreditavelmente é uma optimista do caraças, pode haver
maior contradição ?
Ah ! E acusa-me a mim de pessimismo e catastrofismo,
fazendo-o com uma ligeireza que até um homem habituado a emborcar Moscatel dificilmente
superará, pode lá ser ? Há dias lançou-me um desafio, colocar eu só notícias
boas na minha página, boas notícias, notícias positivas, de louvar, de
enaltecer, encomiar as coisas, não o desafio que me atirou porque:
Um – Como dizia um comandante que em tempos tive, no que
está bem não se mexe, não vale a pena avaliar, falar de ou sobre, não vale a
pena o tempo perdido com o que esteja bem, está bem está bem, e adiante, ou em
frente que atrás vem gente, como diria a minha amiga Duarte.
Dois – É com o que não esteja bem que deveremos
preocupar-nos, sendo com isso que valha a pena perder tempo pois será tempo
ganho, mas deixem que vos faça aqui um parêntesis como se fosse um marinheiro,
já que ela vive á beira-mar, à beira da costa, e me interrogue qual a razão
pela qual não sendo ela uma pessoa excepcionalmente bem-sucedida, tem problemas
que apregoa aos quatro ventos e não fui eu que os andei cuscando, tem dores nas
costas, no pescoço, nos joelhos, nos braços, nos artelhos, nas articulações e
nos dedos dos pés, repito uma vez mais ser ela própria quem se queixa aos quatro
ventos, não andei espreitando a sua ficha médica. Mas voltando à vaca fria,
como pode uma pessoa tão optimista mas tão carregadinha de azares recomendar-me
uma atitude positiva ? Nunca se terá questionado a si mesma?
Sou um homem feliz, não me considero resignado nem
formatado, sou um cidadão informado e interessado, participativo, motivado,
gozo de boa saúde, e não sendo um homem rico considero-me um rico homem. Vivo
em paz comigo mesmo e a verdade é que devo tudo isso a um treino aperfeiçoado
desde mui cedo, que passa essencialmente por não perder tempo com o que não valha
a pena nem com o que esteja bem, a não ser um breve instante de confirmação a
fim de evitar desilusões futuras ou percalços em que o tiro possa sair pela
culatra. Não sou rico mas também não foi com o intuito de enriquecer que fui
treinado ou formado.
Grosso modo fui educado para avaliar situações, e avaliar é
ponderar a sua lógica, a sua razoabilidade, o seu contexto, inferir dos perigos
escondidos, aquilatar dos esforços e meios necessários para atingir cada
objectivo, pensar que percurso e cronologia melhor se adaptam aos fins,
apreciar a viabilidade, o custo, o risco e o proveito para que no fim, apurado
o saldo, se deduza do interesse ou da vantagem, da possibilidade ou inviabilidade
nas e das dificuldades, e tudo isto à priori, nunca depois da cagada feita que
é o mesmo que dizer depois de metido o pé na bosta.
Naturalmente, quando no fulgor da lareira e da excitação que
o Santo António lhe provocou, ela me sugeriu que casássemos logo ali ante o
apóstolo evangelista pregador das Testemunhas de Jeová, que também gozava a
noite, eu fiz uma rápida mas adequada avaliação da situação e, atendendo a que
a vida nem sempre é como a queremos ou desejamos, e crendo que todo o momento
pode ser uma oportunidade de superação, de renovação, uma oportunidade de
recomeçar, de mudar, pensando em mim e no meu potencial de realização pessoal,
sabendo porém como sei que nem tudo que luz é ouro, relembrando erros,
asneiras, vitórias e sucessos passados, em especial as decisões que há mais de
quarenta anos me garantiram a sobrevivência, a mim e aos homens e mulheres sob
o meu comando, não pude deixar de tomar a deliberação adequada e, como nos
momentos cruciais, de perigo, uma sentença alicerçada num juízo ancorado na intrépida
coragem que sempre me caracterizou e ao longo de anos me fizera ganhar a
confiança das gentes sob minha responsabilidade. Tomando o ar mais compungido que
pude lhe respondi que um dia falaríamos nisso mas não agora, pois agora e se ela
não se importasse eu me retiraria, de momento encontrava-me acossado por forte
cólica renal, de tal modo que nem me permitia pensar claro.
E assim me furtei a desgraçar duas casas de família que isto
há coisas em que um homem tem forçosamente que armar-se em egoísta confesso, e
nada melhor que trazê-las pensadas e na ponta da língua… Naturalmente quando
critico uma situação sei o que critico, já avaliei prós e contras, contexto,
meios e fins, já tenho uma solução a propor, um modo e os passos correctos para
processar essa resolução, definidas as acções a tomar quer a montante quer a
jusante, relembrando que, em cima do joelho, ou nos joelhos, só devemos fazer
uma coisa que toda a gente sabe e me escuso de desenvolver aqui. É assim ou não
é ó Oliveira da Figueira ?