sexta-feira, 17 de novembro de 2017

472 - TER OU NÃO TER PEITO, OU MAMAS .........


Naquela época a estrada vinda de Beja ou de Reguengos não tinha a diversidade de variantes onde desembocar que hoje lhe conhecemos, pelo que, quando delicadamente travei para, cordialmente lhes ceder a passagem estava mesmo sendo gentil e prescindindo do meu direito de passagem pois apresentava-me pela direita. Mais que o código fiz valer a deferência. 

Correria o ano de 80 ou 81 do século passado, no máximo 82, a manhã radiosa, eu abrira o tejadilho da Dyane novinha em folha e, mesmo não querendo, juro ter tentado a todo o custo porém ao vê-los, o rosto, sem que o conseguisse dominar não evitou o largo sorriso que me aflorou aos lábios, provocando neles uma notória e visível atrapalhação, por não conseguido impedir-me tanta satisfação ao vê-los, mau grado todo o esforço posto nesse sentido a Fernanda corou que nem um pimentão não tendo eu podido deixar de pensar no por quê de tanto embaraço.

Apesar dos nossos olhos terem embatido uns nos outros contornaram na minha frente e sem me olharem a rotunda onde lhes cedera a passagem, não me cumprimentando sequer, fingindo nem me verem, sem que me apercebesse quanto aquele acaso me viria a custar, me viria a sair caro. No Num movimento repentino guinaram a meio da rotunda saindo dali como se alguém lhes tivesse pisado os calos, ou levassem fogo no rabo, eu, uma vez mais fiquei sem perceber tanta pressa, tanta precipitação, tanto mais que tinha o professor Nuno por pessoa calma e moderada, contida, comedida, circunspecto, prudente.

De nada me serviriam doravante os conhecimentos adquiridos ou tidos, lembro aqui ser eu uma dezena de anos mais velho que a média de idades da turma, das colegas, delas e deles, ser mais experiente, mais vivido, mais viajado. Aquele ocasional encontro à rotunda da Repsol ditara a minha sorte mui antes de eu mesmo o saber. E por falar em saber, saber onde ficava o estreito de Dardanelos, o Bósforo, o Mar de Mármara ou o Mar Negro e qual a sua importância histórico económica e até estratégica foi coisa que nada me deu a ganhar, inda que fosse dos que mais précuras respondidas contabilizasse no jogo do Quem Quer Ser Milionário, bem antes pelo contrário, facto de que somente mais tarde me viria a aperceber.

O professor Nuno leccionava-nos duas ou três cadeiras, História Económica do Ocidente, História Económica Social e Politica e Geografia Histórico Económica isto se a memória me não falha e se falhar não andarei muito longe da verdade, já lá vão uns bons trinta e tal anos.

Verdade verdade é que aquela estrada era linda antes do arranjo levado há uma meia dúzia de anos e do corte do arvoredo, uma recta alcatroada, ladeada de eucaliptos mal percorridos dois ou três quilómetros, um pulmão mentolado encostado à cidade, ar fresco, puro, caminhos rurais de terra batida atravessando os campos e pela qual poderíamos imergir numa encantada floresta de eucaliptos, tendo sido por mor deste encantamento que comecei a perceber o prof Nuno, o seu embaraço, a sua confusão, a sua aflição, a sua embirração para comigo, as minhas notas descendo como nunca esperara quando eu nem namorava, era tudo tempo ganho, já era casado e trabalhava, nem me distraía por aí além.

Eu estava sendo entalado como se o tivesse apanhado com as calças na não, não tinha, mas estava começando a ver o filme todo, a cena, e entendendo melhor a sua aversão por mim cujos segredos não lhe adivinhara quando do “embate” na rotunda mas agora eram traduzidos pelo meus olhos espantados.

De um teste que me correra excepcionalmente bem saí respondendo-lhe que nem que as perguntas tivessem sido o dobro, que me correra bem, e que melhor ainda teria sido caso pudéssemos ter respondido a todas elas uma vez que a opção era de cinco em dez à nossa escolha. Galgámos duas ou três semanas em que nem nos vimos e um dia, descendo eu a escadaria em caracol para o bar vinha ele subindo-as, ao ver-me nem aguardou que eu abrisse a boca e disparou:

- Então Baião, tão bem que lhe correra o teste e tira-me uma nota daquelas ?

- Stor, não leve a mal se abandonar alguma ou todas as suas cadeiras, para o trabalho que me dão não estou vendo resultados correspondentes, talvez por ser trabalhador estudante não ande a dar o rendimento que a mim mesmo exijo por isso, se tal vier a acontecer não estranhe nem me leve  a mal, ficarão para fazer mais tarde, nas calmas.

O doutor Nuno não se deu por perdido nem achado, virando-se para mim arengou durante mais de meia hora para me dizer o que posso resumir nisto:

- Baião, nunca dou mais que 10 a um trabalhador estudante, se você agora teve 8 no próximo teste levará com um 12. Oito com doze dará média de dez, irá com essa média a exame, onde lhe darei naturalmente outro 10. Fique bem.

Nunca um qualquer outro filho da puta tinha sido tão claro para mim, o meu destino estava traçado, verdade que nunca mais estudei a sério nas cadeiras dele, verdade que tudo e sempre foi como ele, qual oráculo, afirmara ou prometera. Para ele era uma questão de rectidão, ser recto, isso, recto.

Eu não tinha boas mamas, nem grandes nem pequenas, nem coxas que cobiçasse, comi e calei-me, ele comeu e fartou-se, acabou ministro dum qualquer governo que já nem lembro, a Fernanda directora de uma qualquer escola alentejana, terminara o curso com média de 18 ou 19, outras que por lá andaram com cotas de 36 umas, maiores outras e mais pequenas bem poucas, rabo alçado e pernas de morrer deixaram-me pensando quanta sabedoria caberia naqueles cus, perdão cérebros.

Eu nunca gostara dele, e então desde aí é normal, natural, nunca deixei de gostar de mim, cada vez mais, isso é o principal.