Naquela época
a estrada vinda de Beja ou de Reguengos não tinha a diversidade de variantes
onde desembocar que hoje lhe conhecemos, pelo que, quando delicadamente travei
para, cordialmente lhes ceder a passagem estava mesmo sendo gentil e
prescindindo do meu direito de passagem pois apresentava-me pela direita. Mais que o código fiz valer a deferência.
Correria o
ano de 80 ou 81 do século passado, no máximo 82, a manhã radiosa, eu abrira o
tejadilho da Dyane novinha em folha e, mesmo não querendo, juro ter tentado a
todo o custo porém ao vê-los, o rosto, sem que o conseguisse dominar não evitou
o largo sorriso que me aflorou aos lábios, provocando neles uma notória e visível
atrapalhação, por não conseguido impedir-me tanta satisfação ao vê-los, mau
grado todo o esforço posto nesse sentido a Fernanda corou que nem um pimentão
não tendo eu podido deixar de pensar no por quê de tanto embaraço.
Apesar dos
nossos olhos terem embatido uns nos outros contornaram na minha frente e sem me
olharem a rotunda onde lhes cedera a passagem, não me cumprimentando sequer,
fingindo nem me verem, sem que me apercebesse quanto aquele acaso me viria a
custar, me viria a sair caro. No Num movimento repentino guinaram a meio da
rotunda saindo dali como se alguém lhes tivesse pisado os calos, ou levassem
fogo no rabo, eu, uma vez mais fiquei sem perceber tanta pressa, tanta
precipitação, tanto mais que tinha o professor Nuno por pessoa calma e moderada,
contida, comedida, circunspecto, prudente.
De nada me
serviriam doravante os conhecimentos adquiridos ou tidos, lembro aqui ser eu
uma dezena de anos mais velho que a média de idades da turma, das colegas, delas
e deles, ser mais experiente, mais vivido, mais viajado. Aquele ocasional
encontro à rotunda da Repsol ditara a minha sorte mui antes de eu mesmo o
saber. E por falar em saber, saber onde ficava o estreito de Dardanelos, o Bósforo, o Mar
de Mármara ou o Mar Negro e qual a sua importância histórico económica e até
estratégica foi coisa que nada me deu a ganhar, inda que fosse dos que mais
précuras respondidas contabilizasse no jogo do Quem Quer Ser Milionário, bem
antes pelo contrário, facto de que somente mais tarde me viria a aperceber.
O professor Nuno
leccionava-nos duas ou três cadeiras, História Económica do Ocidente, História
Económica Social e Politica e Geografia Histórico Económica isto se a memória
me não falha e se falhar não andarei muito longe da verdade, já lá vão uns bons
trinta e tal anos.
Verdade
verdade é que aquela estrada era linda antes do arranjo levado há uma meia dúzia
de anos e do corte do arvoredo, uma recta alcatroada, ladeada de eucaliptos mal
percorridos dois ou três quilómetros, um pulmão mentolado encostado à cidade,
ar fresco, puro, caminhos rurais de terra batida atravessando os campos e pela
qual poderíamos imergir numa encantada floresta de eucaliptos, tendo sido por
mor deste encantamento que comecei a perceber o prof Nuno, o seu embaraço, a sua
confusão, a sua aflição, a sua embirração para comigo, as minhas notas descendo
como nunca esperara quando eu nem namorava, era tudo tempo ganho, já era casado
e trabalhava, nem me distraía por aí além.
Eu estava
sendo entalado como se o tivesse apanhado com as calças na não, não tinha, mas
estava começando a ver o filme todo, a cena, e entendendo melhor a sua aversão
por mim cujos segredos não lhe adivinhara quando do “embate” na rotunda mas
agora eram traduzidos pelo meus olhos espantados.
De um teste
que me correra excepcionalmente bem saí respondendo-lhe que nem que as perguntas
tivessem sido o dobro, que me correra bem, e que melhor ainda teria sido caso pudéssemos
ter respondido a todas elas uma vez que a opção era de cinco em dez à nossa
escolha. Galgámos duas ou três semanas em que nem nos vimos e um dia, descendo eu
a escadaria em caracol para o bar vinha ele subindo-as, ao ver-me nem aguardou
que eu abrisse a boca e disparou:
- Então
Baião, tão bem que lhe correra o teste e tira-me uma nota daquelas ?
- Stor, não
leve a mal se abandonar alguma ou todas as suas cadeiras, para o trabalho que
me dão não estou vendo resultados correspondentes, talvez por ser trabalhador estudante
não ande a dar o rendimento que a mim mesmo exijo por isso, se tal vier a
acontecer não estranhe nem me leve a mal,
ficarão para fazer mais tarde, nas calmas.
O doutor Nuno
não se deu por perdido nem achado, virando-se para mim arengou durante mais de
meia hora para me dizer o que posso resumir nisto:
- Baião,
nunca dou mais que 10 a um trabalhador estudante, se você agora teve 8 no
próximo teste levará com um 12. Oito com doze dará média de dez, irá com essa média
a exame, onde lhe darei naturalmente outro 10. Fique bem.
Nunca um
qualquer outro filho da puta tinha sido tão claro para mim, o meu destino
estava traçado, verdade que nunca mais estudei a sério nas cadeiras dele,
verdade que tudo e sempre foi como ele, qual oráculo, afirmara ou prometera. Para
ele era uma questão de rectidão, ser recto, isso, recto.
Eu não tinha
boas mamas, nem grandes nem pequenas, nem coxas que cobiçasse, comi e calei-me,
ele comeu e fartou-se, acabou ministro dum qualquer governo que já nem lembro,
a Fernanda directora de uma qualquer escola alentejana, terminara o curso com
média de 18 ou 19, outras que por lá andaram com cotas de 36 umas, maiores outras
e mais pequenas bem poucas, rabo alçado e pernas de morrer deixaram-me pensando
quanta sabedoria caberia naqueles cus, perdão cérebros.
Eu nunca
gostara dele, e então desde aí é normal, natural, nunca deixei de gostar de
mim, cada vez mais, isso é o principal.