… Depois de muito me conter julguei
eu encostá-la à parede com um decisivo e peremptório:
- Eu sei escrever mas não quero
fazê-lo…
- Então porque dizes isso ? Para me aguçares o apetite ?
- Para me travar os apetites. Temos
que saber conter-nos.
- Fala de uma vez por todas ou cala-te para sempre.
- Sou incapaz de ficar calado. Está-me
na massa do sangue.
- Doido insano.
- Doido ao quadrado, se pudesse
amar-te-ia ao cubo, à terça, à tripla, à três composta, à quarta, à quinta, à
sexta e ao sábado, domingo descansaria.
- Então fala caraças, decide-te.
- Se eu desatasse a falar seria até
entornar o leite todo e partir a cantarinha. Seria té nunca mais me calar. E o
respeito a que estou obrigado ?
- Então não fales homem do Diabo.
- Eu sou do Clube do
Cupido e não do Diabo.
- Não me fecundes.
- Ta bem minha querida, adeus lindo amor do
coração, por quem eu cortaria a cabeça e a daria a comer a um cão.
Fosse eu um Centauro e não falarias
assim para mim, agarrar-te-ia p’los cabelos, dar-te-ia montaria e cavalgaria
contigo p’los céus como Pégaso, enfrentando as alterosas ondas dum mar sereno
onde te levasse e te deitasse até que, quando afogado nas suas profundezas eu
finalmente respirasse e explodisse num banho de luz incontido p’lo negrume
negro da profundidade do mar oceano que calhasse navegar e de tal modo essa luz
me cegasse que eu visse miríades de pirilampos marinhos e grinaldas de
coloridas anémonas voando no lugar das nuvens que esta felicidade afastara das
alturas e eu, surpreendido pela beleza dos dias, o inusitado da situação e p'la felicidade vivida, abrindo a boca de espanto como peixe a quem faltasse o ar,
me aferrasse à tua garupa, às tuas ancas, ao traseiro, aos quartos, colado às
tuas coxas, procurando a firmeza de tudo quanto apregoas no lugar e
procurando-te a fornalha incandescente, teimando uma e outra vez e cada vez
mais fundo, almejando suprir esta avidez esta ânsia, esta fome e numa reviravolta de
esperança e redenção, de fé e devoção, pudesse de ti tomar posse e entregar-me como
se num rodeo montando um cavalo marinho eu lhe apontasse puxando as rédeas, o
caminho da mais brilhante estrela do mar e lhe ordenasse que a buscasse, enquanto nós
dois, mergulhando naquele céu de felicidade, por ser no fundo que está a virtude
e a verdade, a luz e o clímax que ambos buscamos mas não encontramos, como se
só o fizéssemos à luz de um Petromax, ao invés de dispararmos neste mar em que
vogamos perdidos, uma pistola de sinais e rebentássemos bem alto na escuridão que
nos tolhe um petardo de cor e luz cujo fulgor nos ocultasse, pois se há coisa
que não quereria era sermos encontrados precisamente agora que estamos perdidos
neste sonho sonhado de desejo consentido e com sentido mas travado, pois não
quero que me dê um pandangaio, quero
morrer farto mas não de enfarte, quero a fome de ti morta matada devagar e tu
degustada devagar devagarinho como manda o Martinho e eu, feliz e contente
tenha tempo até para palitar este dente que, como uma dor imaginada, como um
espinho doloroso cravado na minha mente, moendo-me a consciência e esgotando-me
a paciência que não tenho e se me esvai por não ferrar-te quando o que eu mais
queria e tu o sabes, seria fecundar-te, deixar florir em ti a flor deste amor
cujo rancor me incita a, de tempos a tempos regar-te o pezinho, alimentar-te o
ego o brio o in e o id, de mansinho pois nada mais me resta que desejar-te,
cobiçar-te, ambicionar-te, usar-te, ter-te, esclareça-se amar-te, não vás tu
pensar julgar-te eu objecto de arte, ou artefacto, handcraft, fait à la main,
sim talvez, porque não ?
Deus distraído e alguém te fez, bela
e sem senão, não fora esta nossa diferença que desde a nascença nos separa e
depois de ao quadrado, ao cubo ou à terça ou tripla ou três composta e depois
de te fruir, gozar, ter, depois de me lamber e degustar-te como um doce um
docinho que mais poderia acontecer a não ser retribuíres-me em cuidados
paliativos, visitar-me uma vez por semana, por quinzena, por mês, por trimestre
até que finalmente uma linda coroa de flores, um caixão baratucho e na lápide:
- Aqui jaz o Silvestre, era bom rapaz
mas apagou-se…