Fechou para
férias o meu café, meu é como quem diz, costumo lá ir mas não tenho lá parte,
parece a mesma coisa mas não é, é até muito diferente mas bamos ao que
interessa. Fechou sem aviso, embora se tivesse avisado todos ficássemos na
mesma, isto é, com o aviso nas mãos e forçados a mudar de café, a diferença é
ou teria sido unicamente o facto de, ao encontrarmo-nos noutros cafés não
termos dito do nosso cobras e lagartos como dissemos, mas bamos ao que
interessa, e o que interessa é que depois de uma semana azarada, sobressaltada
ou agitada, chegou finalmente domingo, ontem foi domingo, dia de vagar e paciência,
pelo que fui ver até onde as coisas davam, até onde esticava a corda.
Já na terça
ou quarta-feira virara as costas ao meu amigo Ferreira, amigo é modo de dizer,
conheço-o há cerca de quarenta anos, até esta quarta nada tivera de bom a
abonar em seu favor, mas a partir desse dia tenho muito em desfavor desse meu
amigo, sempre o julgara mais esperto. Ele tomara de trespasse há dias o Café da
Lena, relativamente próximo da minha zona habitual pelo que, depois do pão comprado
na padaria do Carlos, o proprietário o Mira fora meu aluno e sempre gostara
dele e do seu pão alentejano e muito mais agora, a Ana é toda simpática,
solícita, e corta-me o pão fatiado como eu gosto por isso Deus lhe dê saúde
muitos anos. Depois do pão pensei de mim para mim dar um pulinho ao Café da
Lena que como devem lembrar-se agora é do Ferreira, meu amigo, para o ajudar a
arrancar, a pagar a renda, a governar-se, a pagar os ordenados a toda aquela
gente.
Lá fui, tem
uma esplanada sossegada debaixo dos baixos do edifício fazendo uma espécie de
arcada, com um dos lados tipo varanda, sossegada demais para uns mas a meu
gosto, pelo que me sentei e esperei, eram dez da manhã, uma boa hora de um dia
fresco com um sol agradável, puxei do livro e do bloco de apontamentos que
trago sempre na paneleirinha, li, escrevi umas notas, mas não tomei o desejado
café e já o dia ia na onze horas. Belisquei-me não fosse dar-se o caso de ter
ficado invisível, quando vejo o meu amigo Ferreira levantando louça suja duma
mesa próxima, chamei-o, olá Ferreira eu só queria, está bem mas ele népia,
orelhas de mercador, ouvidos de mouco, tendo sido então que reparei nas calças
novas, bem vincadas, polo grená de marca, impecável, bem, já era dono,
proprietário não liga a pelintras, vi logo que não me iria servir pois há agora
uma nova moda que grassa por aí como fogo em pasto seco, pelo que não disse
nada, levantei-me e rumei a um sitio que eu cá sei, ali bem perto, com
esplanada, um café velho de anos ou décadas, num gaveto de passeios largos, onde
sei ao certo não terem igualmente serviço de mesa na esplanada o que me levou a
entrar direitinho ao balcão e, sff uma bica cheia, uma água e uma fatia desse semifrio
que está aí a fazer-me crescer água na boca podendo ser, obrigado, estarei
naquela mesa ali ao fundo junto à montra.
Deviam ser dez
e tal ou onze e picos e junto à montra fiquei vendo os navios passando, e lendo
o jornal até ao meio dia e meia, tal e qual. Nesse dia tomei de novo a bica em
casa ao chegar, tenho uma Delta Q que é um mimo e cápsulas até que venha a
mulher do Fava-Rica. No sábado comprei o Expresso e fui sentar-me novamente na
esplanada do meu amigo Ferreira, passada meia hora aproveitando a passagem de
uma lambisgóia levantando a loiça e limpando as mesas pedi uma bica e não pedi
mais nada pois nem tive tempo de acabar, que não, que não servem às mesas, se
quisesse fosse ao balcão buscá-la, à bica claro. Calei-me, não vale a pena o
diálogo com gente inferior, é descer ao seu nível e nada resolver pois nem poder
têm para isso, cumprem ordens, com mais ou menos simpatia limitam-se a cumprir
ordens, zelam pelo seu bem-estar e que não abusemos dos seus direitos.
Respect. No problema.
Ergui-me e
volvi novamente ao tal certo sitio do qual já vos falara, entrei, cumprimentei,
dirigi-me à mesma mesa e sentei-me, dez e picos onze e tal, li o jornal, passei
incógnito, fui à casa de banho dar uma mijinha e confesso-vos, de irritado que
estava tive vontade de lhes mijar aquilo tudo para me vingar mas, era uma pena,
tudo tão limpinho, tudo tão asseado, e eu de calças branquinhas, descarreguei-lhes
o autoclismo três vezes e fui-me à vida tendo voltado a estalar a língua contra
o palato depois de emborcado o cafezinho e passada a mão pela Delta Q, ainda
quente, como quem passa a mão pelo pelo de um rafeirinho, do Benji ou da Mimi,
da Cuca, da Heidi, do Francisco ou da Mia para não discriminar nenhum. Aproveitei e esvaziei
a maquineta das capsulas usadas que chegavam até acima e ameaçavam emperrar o
mecanismo, fui fazer xixi de novo, lavar as mãos, pôr a mesa e almoçar uns
lombinhos de pescada que a Luisinha marinara primeiro e de seguida maravilhara polvilhando-os com orégãos, mas só depois
de retirados do forno naturalmente.
Hoje, digo
ontem domingo, corri quatro cafés nas redondezas antes de acertar no Café da
Tapada, com serviço de mesa e vos recomendo. Devo confessar-vos, a minha
segunda opção fora o café do senhor Paulo, uma jóia de pessoa, tanto ele como a
D. Antónia, mas para meu azar tinham aproveitado o fecho do meu café habitual
para fecharem e entrarem em obras, o que nos atirou para uma outra órbita, nas
redondezas mas mais alargada, assim como quem muda do Circulo Polar para o Trópico
de Capricórnio, ou de Câncer, numa manobra certamente concertada e que deixou a
urbanização sem café, a não ser o da Padaria Maravilhas cujas padeiras são
super simpatiquíssimas mas o café duma qualidade inferior, reles, tão reles que
me provoca azia sempre que o bebo.
Pois neste
burgo onde o turismo parece ser a única coisa que mexe os cafés esperam que os sirvamos,
não abrem nem existem para nos servir mas nós a eles, e nisso não diferem do país, todo ele virado ao contrário, todo ele um erro colossal qualquer que seja
o prisma pelo qual o observemos. E o tuga entra feliz, faz de criado e sai
contente sem se aperceber estar contribuindo para o elevado desemprego que reina
entre nós, ou para a subida de impostos que sustentem, contentem e aguentem o
exército de inactivos que com carinho inusitado o país cria e mantém há anos
comendo à mão. Se não ganham para um empregado que sirva às mesas aumentem os
preços ou a boa vontade. Mexam-se, trabalhem.
Há anos que
deixámos de ver nas bombas de gasolina aqueles homenzinhos indiferenciados que
nos atestavam o carro, viam a pressão dos pneus, a água, o óleo etc., desapareceram,
as bombas já nos puseram a trabalhar para elas, para elas e para pagar os subsídios
de desemprego e os de RSI a esses homens, a esses e aos das portagens, agora é
uma máquina que me exige a portagem, e nos híperes onde somos nós quem agora
faz de marçanos, portanto podem imaginar a quantidade de gatos pingados que
ficaram sem emprego e andam por aí rebentando caixas multibanco para ver se
comem qualquer coisita, havendo jovens desempregados há vinte anos ou mais, e
que o vão estar outros vinte, vivendo à custa do RSI ou fazendo pequenos biscates
e furtos que não matam mas moem, sonhando talvez ser bombeiros, e heróis, e não
o podendo ser deitando-se a deitar fogo às matas que é para que tu e eu
saibamos como é e o que dói.
E depois vem
o PPC aos jornais dizer que não, que o senhor deputado e os outros dois
autarcas não quebraram a ética pois foram em passeio pessoalíssimo e não em
serviço, sendo contudo bom que se verifique se terão sido ou não quebradas
outras incompatibilidades, desconhecendo na sua larvar e épica ignorância ter
sido a ética precisamente a primeira coisa que eles quebraram ao ir à China ou lá
ao caralho do lugar onde foram.
A imprensa demorou mais de um século a ganhar
a credibilidade que em tempos lhe foi reconhecida mas agora, com a ajuda de
governos e spin doctors todos os dias nos mentem e aldrabam com quantos dentes
têm na boca, mais valendo a gente virar-se para o “Diabo” se quer saber alguma
verdade verdadeira. Imaginem, o “Diabo” o tal da Vera Lagoa, quem diria ou
adivinharia a cambalhota que os outros deram para estarem fazendo dele um
jornal de referência.
Somos um povo
de uma ignorância tosca e costumes rudes, grosseiro, inculto, rústico, muitos
diplomados, outros doutores, muito bonitas estatísticas todavia no geral
sabe-se menos hoje que no tempo de Salazar. Não pensamos, não meditamos, não
questionamos, não nos interrogamos, não agimos nem reagimos, umas anémonas
perfeitas, mas queremos ir longe, talvez até ali à esquina, deve ser isso, ver
se há um café onde possamos tomar qualquer coisa, pois que tomemos ao menos uma
atitude.