sábado, 19 de maio de 2018

502 - MINHA VIZINHA, D. NATÁLIA MARIA, PIA



 MINHA VIZINHA, D. NATÁLIA MARIA, PIA


Tenho uma vizinha que nunca me via,
que nunca me olhava, que me ignorava,
até ao dia
em que o padeiro parou à minha porta,
cedo, e me entregou pessoalmente o pão do dia,
pão que alguém amassara,
ainda quente,
viera casualmente num Mercedes.

Foi este sábado, entregou-mo em mão,
parou à minha porta,
onde eu já o esperava,
Olá ta bom, Olá tudo bem, Obrigado,
Bom fim de semana,
Chau, depois faremos contas,
Obrigado.

E essa vizinha que nunca me via,
que nunca sorria,
p’ra mim não sorrira nunca,
mudou deliberadamente nesse dia,
ou depois disso;

Olá como vai o senhor,
eu vou à mercearia senhor doutor,
quererá o vizinho alguma doçaria,
alguma azevia,
fruta, legumes, pão do dia,
não se acanhe, disponha
estou ao dispor.

Eu sem saber que pensar da magana,
que não tarda até p’lo nome me chama,
e a crer no que vejo, e sinto,
não demorará a meter-me na cama,
é o que pressinto,

pois sempre que me vê afivela o sorriso,
e eu aperto o cinto,
não quero ser apanhado de calças na mão,
ou ficar na mão dela,
tão sorridente e loquaz donzela.

É assim a vida,
feita toda ela de pequenos nadas,
de surpresas,
de cenas inesperadas,
de mulheres viúvas, solteiras, ou mal casadas,

sei quão sou bonito, mas haja contenção,
e respeito, estou no meu direito,
além disso estou comprometido,
não estou à venda,
nem sou um vendido.

Quanto ao meu padeiro,
o tal que parara à minha beira,
à minha porta, num Mercedes preto claro,
reluzente, metalizado, resplandecente, transparente,
nem era dele, era emprestado.

Mas fiz um figurão eu,
ou ele, ao trazer-me o pão naquele carrão
que à minha vizinha deitou abaixo o carão,
a minha vizinha tristinha,
a tal que agora se desfaz em salamaleques,
cortesias, simpatias, empatias,
e insiste em trazer-me da mercearia, queques,
talvez por temer ficar para tia,
sei lá o que pensa a vizinha Maria.

Quis dar-me o número do telefone,
no café, um destes dias,
Depois vizinha, depois,

(vá prá cona da sua tia vizinha Maria),

que eu agora tenho que ir às mercearias,
sabe, tenho a despensa vazia,
e estou com pressa pra ir ver as minhas tias,
a Josefina, a Paquita, a Marianita, a Bia…

Pois, sim, está bem, vá lá, depois …


Poema de Humberto Baião, Évora, 19 de Maio de 2018