quarta-feira, 16 de maio de 2018

ÉTICA VERDE, VEIO UM BURRO E COMEU-A ...


Fora aquela a última vez que me empolgara. Penso que no auditório da U.E. Lembro tê-lo ouvido com atenção de cão, o normal após dez anos de quem nunca soubera o que fazer da sorte que Deus lhe dera. O pessoal estava todo em pé, aplaudindo desde que ele entrara e até chegar ao palco onde já não subiram umas figuras misteriosas que o acompanhavam como moscas. Falou, falou, não disse nada de especial mas toda a gente gostou, e aplaudiu claro, eu também.

Seria a última vez que aplaudiria alguém, Guterres foi mesmo o último a quem bati palmas, depois da desilusão de o ver fugir da responsabilidade, depois de bater a asa deste pântano donde não nos quis salvar deixando-nos atolados. A merda que se seguiria só me deixou mais convicto da minha razão, o totó do Sampaio não teve artes nem manha para se bater com Durão, que lhe fez o ninho atrás da orelha, como fez ao parvalhão do Santana, a quem deixou com o alguidar e o bebé nas mãos, tal qual durante mais de dez anos fez a todos quantos lhe surgiram pela frente. Olhar de peixe morto, um sorriso e uma palmada nas costas e nunca o “porreiro pá” rendeu tanto como nessa áurea época, em que na Tv, nas cadeiras do poder, ocupadas por Santana e por Sócrates, estes se batiam com fé e devoção pelo futebol da nação e arrebatavam multidões como Fátima nunca vira.

Ganhava Sócrates claro, o outro até gaguejar gaguejava, Sócrates era expedito na resposta, sempre na ponta da língua, disparava respostas prontas e eloquentes, era bem-parecido e vestia Armani, marcava presença entre o mulherio, as moscas estavam atentas, temos homem, há que atirá-lo para a frente. Atirá-lo contra as feras, está encontrado o candidato ideal, o animal feroz, tratem das coisas, abram-lhe o caminho, estendam a passadeira, escolham a música, façam que o elejam, estamos servidos, temos homem, este tipo tem muito para nos dar, espremam-no, serve às mil maravilhas, tem todas as qualidades que nos interessam, tratem da coisa p’la calada, não queremos ouvir um zumbido, todos a trabalhar para o futuro. Agora batam a asa sem alarido e atenção, nunca estivemos aqui, nunca nos vimos, nem tão pouco nos conhecemos, deixai-o ir e é esperar, aguardar, ter paciência até ver o marfim escorrendo, estas coisas levam-se com calma, demoram o seu tempo, só resultam se pela calada, o bom é inimigo do óptimo, ele é vaidoso, irá pelo seu pé, nem precisará dum empurrão, já o temos onde o queremos.

Realmente, nem que tivessem andado com uma candeia. Por isso, quando com Sócrates a coisa se repetiu, a entrada triunfal, a música celestial, o cenário preparado, mantive-me calado, olhando, vendo, observando, e lá estavam as mesmas moscas, as mesmas figuras mexendo os cordelinhos, esperando o filãozinho, aguardando o engrossar do fiozinho, é sempre assim, começa tudo de mansinho, as pessoas primeiro, as pessoas não são números, depois, depois cifrãozinho a cifrãozinho é que os rapazes enchem o papinho, não somos muitos, nem somos assim tantos, isto dá para todos, não façam ondas, o povo é sereno, já o temos onde queremos, sempre tivemos, é agora ou nunca, é aproveitar agora que está a dar, Angola nunca foi nossa mas esta merda é, tudo pelo partido nada contra o partido, aproveita Zé.

Paris, por que não ? Faz-te à vida, o futuro é teu, o intelectual és tu, sim, com certeza, uma tese, claro um livro, a malta cá está, a malta comprará, pois a Lena, e a Fernanda, a Clementina, a Natividade, a Fatinha, sorri, sorri muito, aguenta-te quieto, não te mexas agora, não mandes a barraca abaixo, tanto que custou erguê-la, soubesses tu, meio mundo comprado, concelhias, distritais, provinciais, não nos desiludas agora rapaz. 

E o povo rendido, o povo, os concelhos, distritos, províncias inteiras e eu vendo-os, já não empolgado mas ainda interessado no espectáculo, vendo os bastidores, olhando os cenários, mirando os cordelinhos, desiludido, cada vez mais desiludido, e entretanto um monarca pisa também ele o risco, espezinha a ética, um filósofo imaginem, um poeta, de malinha na mão, recheada de dinheiro, recordei de novo as moscas, os moscões, os moscardos, sempre na sombra mas sempre pairando ou poisando sobre todos, vá lá, deixas um cheque e levas contado, igual valor, não perdes nada e ajudas o partido, quem não é por nós é contra nós, e ajudei, eu, o Francisco P e mais umas largas dezenas ou centenas de outros, quem se mete connosco leva já sabes, claro que sei.

Estará arquivada a minha culpa, no banco, um cheque assinado com a minha transgressão, nem sei por quê mas assinei, sim lavei dinheiro, ajudei o partido e o partido ergueu-se quando o país se afundou, mas não, não chegou, apesar disso o partido tem dívidas, milhões, ali é tudo aos milhões, é a nossa grandeza, de pequenez chegaram cinquenta anos, agora é tudo à grande, à grande e à francesa, e quem sair que feche a porta, o último que apague a luz, e eu arrependido.

Arrependido e desiludido, e as moscas as mesmas, a merda a mesma, o cenário, os bastidores, os cordelinhos, os senhores doutores, os louvores, os amores, as consciências, a falta delas, a ética, a desética, que será feito desse monarca que tão pouco tempo reinou ? Terá levado um rombo a sua ética ? Ou será que também ele concluiu, como a distinta Teresa Guilherme, que a ética nunca deu de comer a ninguém ? Será por isso que agora todos trazem a boca cheia dela ? Dela e de boas intenções mas o cálice, emborcá-lo, isso não, isso foi coisa de Sócrates…
“A Morte de Sócrates”, do pintor Jacques-Louis David, 1787