É fácil cair-se no ridículo, custa-me
vê-la cair no ridículo, literalmente devido a uns miolos de pão, isso mesmo
umas migalhas de pão, uma insignificância, mas é a realidade, daí que me custe.
Jornais e revistas, Tvs e rádios, não
se cansam de alertar, o plástico está a matar-nos, são milhões de toneladas
todos os anos desaguando nos mares e oceanos, infestando praias anteriormente paradisíacas,
matando a fauna e a flora continental e marítima. Um saco pode demorar
quinhentos anos a degradar-se, uma palhinha uns mil e entretanto matar quatro
ou cinco baleias, vinte ou trinta tartarugas, umas dezenas de gaivotas, um
cento de roazes, uns recifes de corais, orcas, tubarões, pinguins, manatins,
atuns e tu, ou tu e eu, ou todos, toda a humanidade está ameaçada.
Mas não com umas migalhas de pão, comestíveis,
biodegradáveis, não ameaçando nem incomodando ninguém que não os meus vizinhos da
rua, uns comichosos que acham triste o espectáculo de duas ou três fatias de
pão atiradas ao acaso para o passeio ou para o meio da rua. Nunca os vira tão
incomodados na vida. Nem quando da morte do Papa.
Não se incomodam com os carros velhos
por ali abandonados, nem com os copos de plástico que aos fins-de-semana por ali
medram, espalhados juntamente com as embalagens vazias e em esferovite, onde
comensais tardios trazem o lanche para comer dentro dos carros antes ou depois
de … Nada contra, eu sei quão o amor abre apetites, mas não venham espalhar
para a minha, nossa rua os restos do McDonalds, as garrafas vazias, os preservativos
cheios, os guardanapos de papel com folha dupla, os pensos que incomodam e
estorvam na hora H, tudo atirado pela janela dos carros onde comem e se comem.
Nada disso, o que incomoda a
vizinhança é a merda das migalhas de pão que eu atiro pela janela da cozinha
aos pardais e outros bichos tais. E eu moita carrasco, merda para uma
vizinhança destas, cambada de ignorantes nem sabendo quão a passarada lhe é
útil ao pé da porta, comendo os insectos, em especial os mosquitos que poderiam
trazer os vírus Zika ou Ébola, cada um deles com as suas taras e manias, mas aposto
que unânimes em me enforcarem a mim por causa duns miolos de pão, vida ingrata,
vizinhos dum cabrão.
Por isso me custa, não me basta vê-la
negar-me a sua solidariedade, vai para além disso, ao negar-me a solidariedade a
mim tacitamente está a dar-lha a eles, àquela cambada, ora isso custa-me, isso
é ver que ela, ao invés de se preocupar consigo mesma se empenha nesta guerra
de alecrim e manjerona, tornando-se também ela ridícula ao cair no ridículo da
situação, uma guerra por uns miolos de pão.
É para mim um alegre despertar,
levantar-me, dar uma mijadela sentado que é mais cómodo e mais asseado, suspirar,
libertar pressões acumuladas e gases, a cagada é mais tarde, depois de tomado o
pequeno almoço e impreterivelmente antes de sair de casa, pelo que depois do
primeiro asseio me entretenho a preparar a mesa para abancarmos, fazer ou
aquecer o chá, chá preto para não ficarem para aí em pulgas com a curiosidade
espicaçada, manteiga dos Açores, queijo do Cachopas e Terra Nostra, e compota
de abóbora, ficou-me o gosto e o vicio desde a prova dos frasquinhos da Ana
Sofia Dordio, abóbora salpicada de pedacitos de nozes. E pão, o pão da véspera
claro, não iremos comer mais que três ou quatro fatias, torradas ou barradas,
pelo que algumas das restantes são por mim atiradas ao acaso pela janela da
cozinha pondo em alvoroço a passarada que parece já esperar-me e, em tumulto se
entretém depenicando-as, começando do centro para a periferia, até não restar
mais que uma argola, um circulo composto pela côdea da fatia, que o tempo
desfará, certamente alimentando essa argola uma miríade de bicharada que não
consigo lobrigar da janela mas fará parte da cadeia biológica e com tanto
direito à vida quanto eu e tu e vegans, carnívoros, omnívoros e todos menos a cambada
de vizinhos de que vos venho falando, gente sem sensibilidade nem conhecimento
e que anda cá só para nos fazer a vida negra, e cara, roubar os lugares de
estacionamento em especial os que se situam debaixo das poucas árvores da
avenida, roubar um ou outro emprego, ajudando a sumir o orçamento da reforma à
Seg. Social, e respirando o mesmo ar, o que me provoca uma ansiedade tal e causa
de muitos vómitos.
A outras janelas ou por detrás delas e
jurando-me pela pele estará a cáfila da vizinhança, gente proba e certamente
disposta a matar por menos de dá cá aquela palha, para quem não tenho olhos nem
ouvidos a não ser quando alguma presença nova me aguça a curiosidade pela elegância
do perfil, a graciosidade do porte, os requebros do andar ou um peito cheio e
abanando a cada passo ou saltinho de pardal. Como podem ver isto anda tudo
ligado, pardais, pássaros, passarinhos, passarinhas, e os tais cabrões dos
passarões e das melras inconformadas e, aposto, mal tratadas e mal fodidas.
Depois é comigo que embirram…
- https://mentcapto.blogspot.com/2018/08/529-o-vagar-da-minha-querida-guiomar.html
- https://mentcapto.blogspot.com/2018/06/509-yoga-pilates-e-reiki-na-varanda.html
- https://mentcapto.blogspot.com/2018/05/502-minha-vizinha-d-natalia-maria-pia.html
- https://mentcapto.blogspot.com/2018/03/small-story-short-stories-o-urso-polar.html
- http://enciclopediadecromos.blogspot.com/2014/07/rebeubeu-pardais-ao-ninho-1986.html