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Tenho
já saudades da chuva, não tanto da chuva como do cheiro da terra molhada, adoro
o Alentejo e as suas paisagens a perder de vista, mas o que sobremaneira
aprecio é a vastidão verde que faz com que os olhos se percam e o coração se
sinta bendito por viver nestas planícies. Estamos quase na Primavera, que, como
já perceberam é o meu tempo de eleição.
Andava há
momentos arrumando este escritório, mais parecido com uma barafunda e dei com
um pequeno livrinho de “Quadras P’ra
Pulares”, o qual me fez parar a labuta em que andava como de empreitada. Como
o autor diz, “a gente pega num
tema...enquanto faz a sua vida prática, diária... até o septissílabo se
enformar como um tijolo de sete furos, se ajustar ao outro... e sair a
quadra...” como saem os bolinhos do forno da cozinha diria eu.
Diz o
autor que qualquer quadra deve degustar-se a preceito, tomar-se com alguma
parcimónia, retendo o seu sabor ao longo da jornada. É verdade, a poesia não se
emborca como garrafas de cerveja enquanto os golos se concretizam em balizas de
invenção, é bom que seja apreciada, avaliada no seu contexto e sobretudo mirada
e remirada até que nada reste do seu sempre rico significado. Sempre é como
quem diz, sempre desde que o artista tenha para tal jeito e engenho, o que
infelizmente nem sempre sucede, ainda que não seja o caso.
Na sua
modéstia confessa o autor; “Decerto já
está errado / o trilho por onde vou / ninguém chega a nenhum lado / nunca
ninguém se encontrou”. C’a grande mentira ! Pena é que não tenha insistido
mais na poesia, tão cheia de verdade ela anda, como ele autor anda de solidão
(andará?), inda que seja feliz, por muito que ninguém ligue ao que diz.
Pois eu
espero que ele volte mais e mais à poesia, para gáudio de todas e para que se
celebre quem, de entre nós, anda assim tão enganado e pensando ser, como todas,
mais um (a) pateta entre muitos.
Não me
lembra já quando o conheci, lembro-me apenas que é daquelas pessoas boas por
natureza, e acerca de quem, com o passar dos anos, nunca tive que emendar a
primeira impressão. Gosto dele agora, hoje, como gostei das primeiras vezes que
trocámos palavras, talvez porque na sua velha sabedoria já tenha aprendido que
não vale a pena ter dois lados, ou abanar como um cata-vento. É firme, é
coerente, é mordaz, indolente, apresentando e manifestando sobretudo uma
teimosa vontade de viver e um acalorado prazer pelos dias que entre nós todas
(os) desfruta.
Bem
pouca gente conheço a quem tanto falte no tudo / muito que lhe sobra, e se
coisas há que lhe sobram é uma sabedoria de vida que nos devia fazer corar de
vergonha. Quem me dera que o homem nunca mude, é como dizem agora, um dos raros
exemplares ainda vivos entre nós, e que uma vez sumidos não seremos capazes de
restituir à natureza nem de encomenda, preservem-no portanto, que como aquele
não se fazem já, nem de loiça.
Com uma
agudeza muito própria, que chega a incomodar-nos, faz-nos saber tão despidas,
quanto folheadas e lidas, só porque a verdade incomoda, só porque a liberdade
nos tolda.
Pois tu, “que julgavas não ter / na vida um só
inimigo / deste contigo sem saber / se podias contar comigo”, claro que
poderás contar sempre comigo, ou não me revisse naquelas quadras, feitas a
martelo e a esmo, mas por natureza sinceras, algumas mesmo quimeras, de quem
anda por esta vida, descontente dos contentes que por não saberem nada,
acreditam que são gente.
Um
poeta disse um dia “ que há quem morra
sem tal saber, e quem viva sem dar por isso”, o teu problema é só um,
abriste os olhos ao mundo, e não te agradou o que viste, agora aguenta amigo,
porque nem dois e dois são quatro, nem endireitas o mundo, nem o mundo te
endireitará a ti.
Pena é,
a ser como dizes, que adormeças tão cedo, meditar é bem preciso, meditar é
precioso, pena é que o ganancioso, nem para dormir tenha tempo, quanto mais
para meditar, por pouco tempo que seja, nos erros que atira a todos, nos erros
que nunca são seus.
Ver-nos-emos
por aí António Saias, mas foi bom não ter acabado hoje a arrumação desta
barafunda, não arrumei os livros, mas arrumei melhor as ideias, que bem
precisadas andam por vezes de um safanão.
* Maria Luísa Baião escrito Domingo, 17 de Fevereiro de 2002, 20:14h e publicado num dos dias ou na semana seguinte em Diário do Sul, coluna KOTA DE MULHER.
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