Uma
rua quedou triste. Uma alma alvoraçada por, no meio de vidas em riste vivendo
desapaixonadas e, quais janelas fechadas, fugazes tumultos são. Não mais que
instante e trovão de quem nada de absoluto diz, senão, quão distante e
apressada a vida tange, acabada.
Por
incrível que pareça não é a primeira vez que encontro quem por bem padeça, d’uma
tristeza insanável gerada por perda sentida de quem lhe alegrou a vida. O
bolinhas é um cão que, não escondendo razão forte para a alguém fazer sentir
que solidão não é morte, deixou saudades fundadas, daquelas que muitas almas,
que o não parecem nem são, não nos deixarão jamais, quer por razões bem
fundadas, ou por serem almas penadas que, sem que o saibam, já não são.
Dizem
poetas soezes acontecer bastas vezes haver quem viva sem por tal dar e morra sem
isso saber. Gente que passa que existe, distante, porém, nada mais. Compondo um
mundo sombrio, um mundo de amor vazio, que não dá vida a arraiais... Uma
rua ficou triste tudo gelando em redor quando o ocaso tragou quem irradiava
amor. Pedras frias na calçada fizeram ressoar passos a quem calava agonias que,
traduzidas em verso, são um exemplo, entre poucos, de que a esperança ainda
existe num canto deste universo.
Dizem
haver gente que passa, dizem haver gente que existe, há de tudo, em demasia por
vezes. Em todo e qualquer dia, trapaça, a todo e qualquer momento, chiste. Não creias, Maria Isabel, acreditar em quem
passa, não passes os dias triste. Acredita
que os amores em que em dias de eleição cremos varrerem dos céus dias
cinzentos, tristeza, e a quem por devoção abrimos sempre as nossas portas, não
são na verdade amigos. Bem nos juram lealdade, sei-o bem, a quem o dizes... mas
acredita em quem sabe e de sobra tem razões para não crer em amizades que,
menos que um cão, nos devam fidelidades.
Sei
que a saudade te mata e que a sensação é fria quando nessa rua entras. Falta a
fogosidade dessa pequena silhueta plena de alacridade que, eu imagino acrobata
e que à vizinha ladrava como quem, cortando a meta, de forma amena acenava e à
mecenas alinhava como p’ra hino ou rainha. A
rua ficou mais triste do primeiro até ao fim, cinquenta e seis incluído, porque
não se enxerga em riste aquele brejeiro de cetim que, ternurenta, dizeis, em
alarido atrevido exibia a liberdade que agora volveu saudade, a quem adoravas
tanto quanto se adora um arlequim.
À
saída da cidade, como p’la Garraia seguindo e se o Bolinhas não voltar, poderás
matar a saudade. Uma fada e uma Aia te aguardarão. Adivinha, p’ra te alegrar e
oferecer a liberdade perdida de que te queixas e bem, não veres a rua
preenchida. Cantinho dos Animais, assim se chama o palácio onde tu e as demais
poderão encher o regaço, não de rosas, mas de ais, de alivio, de aconchego, de
amor e grande enlevo para quem queira dar guarida a tantos com vida perdida,
que aguardam o vosso apego.
Pudessem
no mundo, Antónios ou outros quaisquer durões, deixar derreter a alma e soldar
alguns neurónios que os guindassem a Camões, não das letras mas das artes e,
com calma, se transformassem de molde a ficar na história, não demónios mal
amados, antes seres queridos, saudosos, como descreves Bolinhas ou mesmo até
outros cães, mas nunca por charlatães.
Amigos
do coração, fiéis, leais, brincalhões, como o são os cães para os seus donos,
não são fáceis de encontrar e a chorar nos postamos se alguma vez os perdemos.
Mas de muito boa gente com um lamento o afirmo, o mesmo já não dizemos se
amizades encontramos que não duram mais que um espirro.
Desejo
sinceramente que o contraste ora existente seja de bem pouca dura, que a névoa
que a rua tolda, encontre um dia abertura por onde entre um raio de sol, um
latido, um atrevido, que de dente arreganhado acabe com o banal, o boçal
inevitável que nos atravanca a rua e nos afunila a vida.
Beijinhos.
* Luísa Baião,
escrito entre 2000/2005, publicado em Diário do Sul, coluna KOTA
DE MULHER.