Eu não sei por que é
que nem todas vós gostais de voar, as coisas vistas de cima são tão bonitas !
Acho que é por medo. Por medo de cair. É pena porque lá no fundo, se não se cai
também não se vêem os pássaros nem as borboletas e não se vê nem o luar, nem o
arco-íris, nem os campos lindos deste Alentejo mirrado.
É que depois, como quem
nunca viu nada fica sempre de fora das conversas, porque não sabe sobre o que
falar, fala-se sobre o nada, ora só falam sobre o nada certas pessoas... Que
falam por falar… Eu gostava de ser libélula, porque as libélulas falam das
nuvens ou da beleza do arco-íris, da brancura do luar ou até das flores dos
verdes campos enquanto outras pessoas se perguntam;
- O que é isto ?
- Eu nunca vi...
e piscam os seus olhinhos míopes.
Certo dia percebi um
alvoroço entre os gentios, e D. Coruja, professora que se especializara nas cousas
da noite, disse ter visto uma cujo rabo era tão grande que ia do horizonte
até o umbigo do céu, bem acima das nossas cabeças.
- Ele vem de muito
longe, de muito longe mesmo.
Só passa por aqui de 76 em 76 anos...
vem das lonjuras do céu, é um brinquedozinho
do sol. Uma espécie de iô-iô. Nós, aqui na terra, somos brinquedos também, somos
um grande carrossel, girando, girando, sem nunca chegar perto, sem nunca chegar
longe, sempre no mesmo caminho...
Assim falou D.
Coruja, que também disse uma coisa que nos fez pensar;
- O cometa tem
poderes mágicos. Ele tem o poder de realizar os desejos de quem o vir. Se
alguém, ao olhar para ele, de todo o coração desejar alguma coisa, essa coisa
acontece mesmo...
E foi naquele
reboliço, cada qual dizendo aquilo que iria desejar quando visse o cometa que
desejei ser uma libélula, para estar mais perto do milagre. Mas o milagre só
acontece para aquelas que vêem o cometa.
Eu queria ser
libélula e ver as coisas bonitas do mundo. Não havia nada que desejasse mais do
que isso. E com esse desejo imenso adormeci. E sonhei. Sonhei com o que mais
desejava e nos sonhos os meus desejos se transformavam em realidades. Sonhei
com um céu multicolorido, com o arco-íris, e que em redor tudo ficava luminoso e
reflectido na água.
Primeiro vi uma gota
de orvalho brilhando e os raios de sol partindo-se nela em sete cores, vi
pinheiros verdes, o azul do céu, o brilho do sol, um mundo de coisas bonitas. Então
compreendi que só querendo os nossos olhos vêem aquilo que o coração deseja.
Quando o desejo é
belo, o mundo fica cheio de luz, mas sendo o desejo ruim, o mundo entristece-se...
E qual libélula
sobrevoei uma lagoa, folhas que flutuavam na superfície e deslizavam na
corrente como leves barquinhos. E vi peixes sonolentos, de grandes olhos
abertos, habitantes das funduras. Vi três mundos: o das coisas de dentro, o das
coisas de fora, e o dos reflexos.
Não, a magia não era
para ver mais longe. O maravilhoso não estava escondido nas funduras do céu nem
nas profundezas da terra. A magia era para ver diferente aquilo que os olhos tinham
visto sempre, sem ver.
Ah! De que adiantariam
olhos de ver longe se eles não tivessem o desejo de olhar o maravilhoso inda que
morando perto ? Sim eu estava vendo como nunca antes este mundo encantado, lindo bastante e do fundo do coração desejando sinceramente que nele
haja sempre bondade e beleza.
Para mim o milagre aconteceu...
E agora sei, porque vi, qual a razão pela qual a chuva cai aos pinguinhos e não
toda de uma vez e descobri o lugar onde podemos encontrar as respostas para as
perguntas que temos ou a apreciar a poesia de Fernando Pessoa, as sonatas de
Mozart, as telas de Monet, pores-do-sol, beijos, perfumes e outras coisas que
apenas nos darão felicidade.
Adeus. **
* By Maria Luísa Baião,
escrito quarta-feira, 31 de agosto de 2005 pelas 15:46 horas e
provavelmente publicado no Diário do Sul, rubrica "KOTA DE MULHER"
nos dias seguintes.
** Texto inspirado pelos lindíssimos contos de R. A.,
colectânea “A Toupeira”