Quase
dez meses depois segui finalmente as tuas sugestões e atrevi-me a sair. Não por
me faltar vocação para eremita, ou estilita, mas para dispor de espaços largos
onde diluir a mágoa que visto desde que partiste.
Verdade,
confinado entre as quatro paredes de casa ou do café convivo melhor contigo e
comigo mesmo, são um espaço íntimo partilhado por nós mas onde a tua ausência
me sufoca e martiriza como um silício metódico, qual imaginário e persistente pêndulo
sobre mim caindo fustigando-me.
Era
portanto tempo de tomar à letra, aceitar, acatar as tuas sugestões, sempre fiz
delas lei como bem sabes, sabias, e nem havia razão para assim não ser tão
ponderadas e acertadas elas eram, sempre foram.
Aproveitei
o domingo tal como o rapaz que saiu à rua num domingo para se matar* inda que
não fosse esse o meu fito. Confesso que sim, também eu já quis morrer, foi duro
quando te perdi, é ainda duro e raro o dia em que por ti não choro, às vezes
nem é bem chorar, mas marejam-se-me os olhos de lágrimas somente por
lembrar-te, por estranhar a tua ausência, por notar a tua falta, lamentar não
te encontrares a meu lado partilhando quaisquer eventos ou acontecimentos,
sentir ainda o incrédulo da toda esta situação para que me vi atirado, mau
grado os teus conselhos, sugestões, desejos, ordens ou apesar da tua despedida,
tão terna quão doce, mais de um mês antes de partires por saberes que esse dia chegaria, só não sabias quando.
Socorri-me
da Fatinha, aquela tua amiga sueca, aliás nossa amiga e que conheceras há
muito, há mais de quarenta anos, quando do teu estágio de Terapeuta no Hospital
de S. João, ou teria sido no Curry Cabral ? Foi há tantos anos que nem recordo
já onde, só recordo vocês duas na
festa de finalistas, de braço dado e sorriso rasgado, onde somente a cor dos
diplomas divergia, branco amarelado para Fisioterapia, Rosa pálido para Enfermagem, ainda que os vossos anéis fossem iguaizinhos e vaidosas pegassem no
diploma com o cuidado devido para que o fotógrafo apanhasse as pedras
esmeralda, símbolo do vosso esforço e do vosso orgulho.
Foi
pois da nossa velha amiga Fatinha que me fiz acompanhar, quem melhor que uma
enfermeira não achas ? Sempre me disseras mais valer prevenir que remediar e eu
não esqueci a lição, aliás uma outra amiga minha, a Zezinha, tivera já
oportunidade de me dar idêntico conselho, arranjar uma enfermeira. Como podes
constatar sigo os teus conselhos e busco não me desviar do bom caminho, nem a
pé nem de carrinho.
Valeu
a pena, voltei a sentir-me vivo, não cabeceei nem desmaiei, nem sequer tonturas
tive e, não fossem duas ou três lagrimazinhas soltas no escuro do espectáculo e
pelas quais ninguém deu menos tu e eu, diria ter a noite valido a pena, inda que
para pena minha te tivesse recordado com ternura, amor e carinho, tendo
perpassado pela minha mente se não todos quási todos os espectáculos daquele
género em que os dois estivemos presentes, partilhámos, e nos quais algumas
vezes dançámos.
Depois,
lépida, a Fatinha deixou-me em casa, eu sofrera uma pequena queda na mota e o
travão entalara-me o dedo contra o punho do acelerador e por pouco não foi cortado, não ficou
cortado mas a custo evitaram ter sido cosido, o pessoal do nosso hospital ainda
é do melhorzinho e bastos me acudiram de pronto na urgência não te tendo
esquecido a ti, recordando-te todos eles com carinho. A propósito, estou quase
curado e já consigo conduzir de novo sem perigo que a ferida abra, pelo sim
pelo não evito fazê-lo e voltei a trancar-me em casa, só tu e eu, como dantes,
como sempre, não te esqueço nem descuido o meu desvelo por um momento que seja
e podes ter a certeza de estares em boas mãos meu amor, esquecer-te é que não,
nunca.
Pela
tua mão começo a soltar-me, recomeço a voar, torna-se menor e mais leve a mágoa
carregada mas não a tua lembrança, nem a paixão que sempre te dediquei e
continuarei a dedicar, até por ter voltado a sentir o amor, a sentir que me
proteges, que me acompanhas, por te continuar ouvindo e seguindo as tuas
sugestões, os teus conselhos, lembrando a tua doçura e carinho, a sentir quanto
eles são agora mais necessários que nunca ao meu viver ao meu reviver, ao
arriscar trilhar de novo espaços abertos sem receio.
Confio velares por mim meu amor, de peito ufanado e novamente ousado enfrento decidido as multidões e banhando-me
nelas sem qualquer medo cicatrizo as chagas, afasto o silício, reequilibro os chacras, o karma e o mantra buscando
evitar as cabeçadas mal dadas, as tonturas, os desmaios ou quaisquer súbitos e
desconhecidos ou inesperados episódios …
* https://ocastendo.blogs.sapo.pt/685708.html
* https://www.youtube.com/watch?v=hUteRG901Jc
** Linköping - https://www.google.com/search?q=LINK%C3%96PING+su%C3%A9cia&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjLtZW5utrjAhX2D2MBHR-CBxEQ_AUIESgB&biw=1024&bih=625
* https://www.youtube.com/watch?v=hUteRG901Jc
** Linköping - https://www.google.com/search?q=LINK%C3%96PING+su%C3%A9cia&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjLtZW5utrjAhX2D2MBHR-CBxEQ_AUIESgB&biw=1024&bih=625