terça-feira, 27 de abril de 2021

“EU VOS ACUSO E CONDENO À PENA CAPITAL “


692 “ EU QUE SOU DE ÉVORA VOS ACUSO 

E CONDENO À PENA CAPITAL “

# TEXTOS POLÍTICOS 7 #

 

É tarde e não durmo. Volto-me e revolto-me na cama e não durmo. Acordo de novo. Impossível. Tantas são as preocupações que não prego olho. O dinheiro não chega para tudo. Estica-se mas não chega. A manta é curta. Tapo os ombros destapo os pés e vice – versa. É uma situação horripilante.

 

Nas veias o sangue ferve (-me?)

Um último esforço.

Pedem-me um último esforço.

Hão-de acabar comigo um dia.

Mas rio-me.

Só posso rir-me desta corrida alegre para o precipício.

 

O meu dinheiro ! Mas por que não hei-de ser eu a dizer como gastar ou não o meu dinheiro ?!!

 

E são estacionamentos e buracos, e a manta curta, e os pés ou os ombros, e discutem, não o futuro mas os comboios, e um dia não querem mas no outro já querem comboios, e amanhã ninguém sabe se quererão ou não, e hospitais e capitais da cultura e não sei que mais…

 

E só vejo desperdício e apostas no desperdício… E a manta curta.

 

Ele são hospitais para tudo menos para mim e para este coração que embolia...  E o médico que no SNS não me dá vaga de manhã é o mesmo que depois de almoço na Misericórdia… e á tarde a desoras na sua clinica privada … á noite na urgência… e só para mim, embolado, o dia tem vinte e quatro horas e ninguém que me acuda, e ninguém na urgência, e nenhuma urgência em me pegar ou me pagar, em me ocupar…

 

A mim só me vêem para pagar.

 

Só me vêem para pagar e eu pago, eu pago, eu paguei e irei pagar a vida inteira. E eles nada, nem um obrigado, nem um incómodo, nem uma consulta, nem lugarzinho para estacionar, ou um buraco, um buracão onde me enfie e ponha fim a este tormento.

 

E queixo-me. E ouço que agora é que é. E queixo-me e repetem-me de novo a mesma cantilena de há mais de quarenta anos, vá lá só mais um, vá lá um último esforço.

 

E eu acabado, e eu amargurado, e eu embolado, e eu para aqui apertado e eles sorrindo, sempre sorrindo, e gordos, cada vez mais gordos, e saem uns para entrar outros e sorriem. E eu caído e eles atropelam-se e sorriem, e gordos, entrando e saindo cada vez mais gordos.

 

Eu caído e desfalecido e eles só mais um esforço… e desta é que é, apostámos vivamente na contracção e no endividamento por isso desta é que é. Apostámos como nunca se viu nos últimos quarenta anos na austeridade e na redução, nunca cortámos assim, por isso acredita meu totó, desta é que é…

 

… E desta é que é, um último esforço vá lá rapazinho, temos que ter a força de vontade que sempre tivemos, a ambição que sempre tivemos.

 

E eles sempre mais gordos, mais vorazes, menos capazes, e desta é que é, e já nem os ouço, e já nem a dor, e já nem me mexo, e nada, agora é que é e nada, nunca foi, nunca será, e só quero dizer uma coisa… eu só queria pedir-vos que parassem para pensar um pouco antes de o gastarem e onde, e como, e me perguntassem a mim se sim, se não, e agora já nem vale a pena.

 

Agora já nem os ouço nem os posso ver. E vejo-os sorrir, saltar, mudar, engordar, mas a ninguém já ouço, nem aos gordos, nem sequer aos magros…

 

E eu nada, eu só queria e agora já nem isso, agora já nem vale a pena. Agora já não os ouço, agora já nem os vejo, agora são os mesmos, sempre os mesmos a rebentar com isto, os da esquerda, os da extrema esquerda, os da esquerda central, os do digital, os do Salão Central, e a cidade sem pinga de sangue e eles a esmifrar, a esmifrarem-me a mim e a ti, a todos, é urgente o capital, o tal que abominam mas sem o qual nada é igual… 


É uma pena, é uma pena não os condenarem à pena capital, serem afogados no capital, na capital, em Paços de Ferreira, capital do móvel, vinte metros abaixo de um pesado imóvel …

 

Ó Évora, Évora, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato...