692 “ EU QUE SOU DE ÉVORA VOS ACUSO
E CONDENO À PENA CAPITAL “
# TEXTOS POLÍTICOS 7 #
É
tarde e não durmo. Volto-me e revolto-me na cama e não durmo. Acordo de novo.
Impossível. Tantas são as preocupações que não prego olho. O dinheiro não chega
para tudo. Estica-se mas não chega. A manta é curta. Tapo os ombros destapo os
pés e vice – versa. É uma situação horripilante.
Nas
veias o sangue ferve (-me?)
Um
último esforço.
Pedem-me
um último esforço.
Hão-de
acabar comigo um dia.
Mas
rio-me.
Só
posso rir-me desta corrida alegre para o precipício.
O
meu dinheiro ! Mas por que não hei-de ser eu a dizer como gastar ou não o meu
dinheiro ?!!
E
são estacionamentos e buracos, e a manta curta, e os pés ou os ombros, e discutem,
não o futuro mas os comboios, e um dia não querem mas no outro já querem
comboios, e amanhã ninguém sabe se quererão ou não, e hospitais e capitais da
cultura e não sei que mais…
E só
vejo desperdício e apostas no desperdício… E a manta curta.
Ele
são hospitais para tudo menos para mim e para este coração que embolia... E o médico que no SNS não me dá vaga de manhã
é o mesmo que depois de almoço na Misericórdia… e á tarde a desoras na sua
clinica privada … á noite na urgência… e só para mim, embolado, o dia tem vinte
e quatro horas e ninguém que me acuda, e ninguém na urgência, e nenhuma
urgência em me pegar ou me pagar, em me ocupar…
A
mim só me vêem para pagar.
Só
me vêem para pagar e eu pago, eu pago, eu paguei e irei pagar a vida inteira. E
eles nada, nem um obrigado, nem um incómodo, nem uma consulta, nem lugarzinho
para estacionar, ou um buraco, um buracão onde me enfie e ponha fim a este
tormento.
E
queixo-me. E ouço que agora é que é. E queixo-me e repetem-me de novo a mesma cantilena
de há mais de quarenta anos, vá lá só mais um, vá lá um último esforço.
E eu
acabado, e eu amargurado, e eu embolado, e eu para aqui apertado e eles
sorrindo, sempre sorrindo, e gordos, cada vez mais gordos, e saem uns para
entrar outros e sorriem. E eu caído e eles atropelam-se e sorriem, e gordos,
entrando e saindo cada vez mais gordos.
Eu
caído e desfalecido e eles só mais um esforço… e desta é que é, apostámos
vivamente na contracção e no endividamento por isso desta é que é. Apostámos
como nunca se viu nos últimos quarenta anos na austeridade e na redução, nunca
cortámos assim, por isso acredita meu totó, desta é que é…
… E
desta é que é, um último esforço vá lá rapazinho, temos que ter a força de
vontade que sempre tivemos, a ambição que sempre tivemos.
E eles
sempre mais gordos, mais vorazes, menos capazes, e desta é que é, e já nem os
ouço, e já nem a dor, e já nem me mexo, e nada, agora é que é e nada, nunca
foi, nunca será, e só quero dizer uma coisa… eu só queria pedir-vos que
parassem para pensar um pouco antes de o gastarem e onde, e como, e me
perguntassem a mim se sim, se não, e agora já nem vale a pena.
Agora
já nem os ouço nem os posso ver. E vejo-os sorrir, saltar, mudar, engordar, mas
a ninguém já ouço, nem aos gordos, nem sequer aos magros…
E eu nada, eu só queria e agora já nem isso, agora já nem vale a pena. Agora já não os ouço, agora já nem os vejo, agora são os mesmos, sempre os mesmos a rebentar com isto, os da esquerda, os da extrema esquerda, os da esquerda central, os do digital, os do Salão Central, e a cidade sem pinga de sangue e eles a esmifrar, a esmifrarem-me a mim e a ti, a todos, é urgente o capital, o tal que abominam mas sem o qual nada é igual…
É uma pena, é uma pena não os condenarem à pena capital, serem
afogados no capital, na capital, em Paços de Ferreira, capital do móvel, vinte
metros abaixo de um pesado imóvel …
Ó Évora,
Évora, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato...