Voltei
a encontrá-la passados muitos anos. Tantos que eu era outro e não o mesmo que
então claudicara perante o seu ar de jovial ingenuidade, extrema e irradiante
simpatia, que difundia a partir de um rosto espelhando meiguice em catadupas
tais que me submergiram e em simultâneo calaram.
Revi-a
agora, passados todos esses anos, e em mim voltei a calar, apesar da mesma
ingenuidade, da mesma simpatia e meiguice, o que calei então. Não que me sinta
outro, apesar de o ser, nem que me sinta o mesmo, que o não sou, todavia os
anos ensinaram-me a cultivar uma humildade que nessa época nem era uma marca
minha nem estava perto de alcançar. Contudo, agora, a mesma contenção de
outrora, porque o cavalheirismo, a educação, o civismo, mas sobretudo as
convenções ou conveniências assim o exigiam e exigem. Calei ontem como hoje o
que tive vontade de gritar, mau grado a dor, mau grado a vontade e o desejo,
mau grado o ensejo.
Revi-a
agora, e como então, a lembrança da sua passagem, imagem e odor que não olvido,
a graça do andar, a altivez honesta do porte, a simplicidade da presença, o
sorriso, o mesmo sorriso, simples, sincero, leal, franco, autêntico e afectuoso
que julgo ostentará sempre, porque há coisas que não mudam com a beleza, ou com
a idade, mas sobretudo porque há coisas que algumas mulheres não sabem, como a
vitalidade e capacidade inata de nos transmitirem, mesmo que o não sintam,
mesmo que o não saibam, o poder de conquistar o mundo por elas e para elas, se souberem como o fazer. .
Lembrem
D. Pedro e Inês de Castro, Napoleão e Josefina, César e Cleópatra, Heloísa e
Abelardo, Romeu e Julieta, Hitler e Eva Braun, para que vejam a força
construtiva ou destrutiva que a influência de uma mulher poderá ter na vida de
um homem, pois como disse há coisas que algumas mulheres não sabem, como seja a
vitalidade e capacidade inata de nos transmitirem, mesmo que o não sintam,
mesmo que o não saibam, o poder de conquistar o mundo por elas e para elas, inda que somente para aquelas que saibam como fazer de nós "super-homens" . . .
Por
isso voltei a calar, o que calei então.
Compreender-me-ão,
o mundo não me perdoaria o avanço, ou a sinceridade, a mágoa ou o amor.
Perdoar-me-ia
ela?
Mereceria
eu esse perdão?
Melhor
calar de novo o que então calei, melhor conformar-me agora como então me
conformei.
E é
isto a vida, é esta complexidade que em nosso redor criamos, é nesta
complexidade que soçobramos, incapazes por vezes, todos ou alguns, de libertar o que nos vai na
alma mas capazes de infligir a nós mesmos e aos outros, a imposição e
continuidade, pela força do desígnio, das convenções que nos tolhem e
agrilhoam, como se a vida não fosse uma só, não fosse nossa, e acredito que não
seja, por isso digo para mim e a toda a gente que, embora tarde, descobri da
pior forma como a vida é curta.
E
como será ela agora ? Agora que a jovialidade se foi, ainda que a ingenuidade
se mantenha? Agora que a rotina dos dias sempre iguais lhe terão desfeito os
sonhos dos dias felizes que a agnosia nos permite ? Calará, como todos fazemos,
os sonhos que em segredo vamos acalentando mas aos quais, para mal dos nossos
pecados, jamais daremos corpo ? Por certo calará, como eu calo, o que a alma
grita, e, como eu, talvez um dia, demasiado tarde, descubra, como descobri, e diga de si para si que
apesar dos dias longos e rotineiros, a vida é curta, tão curta, demasiado
curta.
E agora, quando ela passa,
como então, tenho a certeza do turbilhão calado e contido que provoca, sem que
se dê conta, como com tantas mulheres acontece, elas como nós, gizando um mundo
tão distante da realidade quanto da ficção em que vivemos, porque a tal nos
condenamos, porque para tal contribuímos, e, calados, calamos o que nos vai na
alma, o que só não fez uma única mulher que eu saiba, Isabel Allende, ao
escrever “Inês da Minha Alma” ou Gabriel Garcia Marquez com “O Amor em Tempo de
Cólera”.
Quem
porventura tenha lido estas obras compreender-me-á melhor que ninguém.
Quem
não leu só terá a ganhar se o fizer.
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