Amei-te
quanto pude e tanto quão fui amado, teria decerto insistido e decuplicado o meu
amor caso tivesse adivinhado, apesar de expectável, a proximidade e rapidez do
desenlace, do fim. Culpo-me hoje de o não ter feito, de te não ter amado mais
ainda, sem hora, sem lugar, sem jeito, de qualquer jeito, em qualquer lugar e a
desoras.
Sinto
no meu a falta do teu calor, do teu peito, do teu carinho, do teu aconchego. Incomoda-me
a desmesurada e embaraçante sensação que a falta
desse amor provoca em mim deixando-me atarantado, de mãos a abanar sem saber
onde as colocar, como se nelas carregasse um relicário sem outro destinatário
que não o balcão dos perdidos e achados.
Relembro
amiúde como nos amávamos, como se cada vez fosse a derradeira e como o fizemos
até ao último dia. Como se se tivesse tornado para ti uma obrigação, ou talvez tal
intuísses como um dever, o dever de fazer-me feliz, tão feliz quanto o tempo e
as circunstâncias to permitissem, inda que ambos nos rendêssemos por devoção
numa entrega sacrificial. Penso-o hoje, numa dádiva suprema, tal como se
tivesses para comigo uma divida a quitar antes de … quando essa entrega não
passava de fiel devoção que ambos alimentávamos, nos alimentava e nos devíamos.
E
contudo aqui estou, ou para aqui estou como se fosse eu o teu maior devedor e
tu me devesses algo de que não prescindo, algo que também eu tanto queria
quitar, igualar. Rememoro como nos amámos na véspera da tua partida e, quando
nenhum de nós imaginava sequer o pasmo que provocaria esse teu tão negro horário.
Como se fora dito agora recordo o teu sussurro e o teu desesperado abraço;
-
Que seja sempre assim até ao fim.
E
foi, assim foi, não sabíamos então, não sabíamos naquele momento que tudo tem
fim, desconhecíamos que a fusão nuclear que alimenta as estrelas também tem um
fim, que por maior que o evento seja para lá do seu horizonte tudo colapsa, que
embora paradoxalmente infinito o universo também terá certamente uma finalidade
e um fim, numa perspectiva singular tudo parece ter um fim, a eternidade, o
tempo, o amor, a vida.
Chamar-lhe-ia
singularidade terminal.
De
devoto passei a incréu, perdi a fé e ainda não creio na realidade sobre a qual caminho,
neste limbo que me envolve e tolhe sem que logre encontrar um novo rumo, uma
vereda, um atalho, uma saída deste, como diria Eduardo Lourenço, Labirinto de Saudade, ou fado cuja
melopeia me embrulha quotidiana e insistentemente tal qual o canto fatal de uma
sereia.
Percorro
às apalpadelas o presente que me deixaste sem que encontre caixa, embrulho,
prenda ou surpresa que, à imagem da lâmpada de Aladino me guie os passos ora
perdidos no corredor sem fim p’ra onde a existência me atirou, vendado, como se
fora um condenado da pior estirpe cujo destino não merecesse mais que, sob as
negras profundezas da solidão redimir-se p’la punição.
São-me
iguais agora todos os dias e horas de onde a vontade se sumiu como água em
clepsidra, água por onde vida, imaginação e inspiração se escoam tornando
iguais todos os rios, mares e oceanos onde uma rotineira e traiçoeira bonança
espreita e, esperando surpreender-me sono e sonhos os deixa em sobressalto,
desalinhados, desencontrados de tudo quanto balizava uma vida álacre que aos
poucos vou esquecendo.
Embora
atarantado prossigo o meu destino, apoiando-me no estranho percurso agora
percorrido, em baluartes cuidadosamente escolhidos e, evitando os escolhos
passiveis de estorvar esta nova e estranha caminhada, nova para mim que
cautelosamente, pé ante pé, apalpo e avanço, tudo observando e, inda assim com
o cuidado a certeza e a segurança tão peculiares em mim.
Difícil
e tormentoso é este chip de memória impossível de arrancar da mente como
arranquei o da velha máquina fotográfica onde, admiravelmente sobreviveram
vinte ou mais anos, outras tantas memórias das que procuro apagar e não
consigo, certo de nelas se acoitar mais martírio, inofensivo se deixado em paz,
já que, por buscar precisamente paz e sossego nem morto de curiosidade me
atrevo a abrir esses ficheiros prenhes duma felicidade passada, impossível de
repetir. Possivelmente estragar-me-iam os dias que construo de novo com uma bem-aventurança
sabida, por mim inventada na esperança que a bonança torne aos mares em que
naufraguei e no meio dos quais encontrei milagrosamente uma bóia a que me
agarro desesperadamente, com a qual procuro encontrar de novo pé e terra firme.
Nasceras
com sina curta, e como num jogo de dominós, ao caíres arrastaste contigo toda
as peças, até hoje caindo paulatinamente uma a uma e, por muito que miremos o
cosmos, desconhecemos todavia completamente o quando, quando deixarão de cair,
quando cairá a última …