terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

755 - COSMOS, PAROXISMO OU COLAPSO ............

 

 

Amei-te quanto pude e tanto quão fui amado, teria decerto insistido e decuplicado o meu amor caso tivesse adivinhado, apesar de expectável, a proximidade e rapidez do desenlace, do fim. Culpo-me hoje de o não ter feito, de te não ter amado mais ainda, sem hora, sem lugar, sem jeito, de qualquer jeito, em qualquer lugar e a desoras.

 

Sinto no meu a falta do teu calor, do teu peito, do teu carinho, do teu aconchego. Incomoda-me a desmesurada e embaraçante sensação que a falta desse amor provoca em mim deixando-me atarantado, de mãos a abanar sem saber onde as colocar, como se nelas carregasse um relicário sem outro destinatário que não o balcão dos perdidos e achados.

 

Relembro amiúde como nos amávamos, como se cada vez fosse a derradeira e como o fizemos até ao último dia. Como se se tivesse tornado para ti uma obrigação, ou talvez tal intuísses como um dever, o dever de fazer-me feliz, tão feliz quanto o tempo e as circunstâncias to permitissem, inda que ambos nos rendêssemos por devoção numa entrega sacrificial. Penso-o hoje, numa dádiva suprema, tal como se tivesses para comigo uma divida a quitar antes de … quando essa entrega não passava de fiel devoção que ambos alimentávamos, nos alimentava e nos devíamos.

 

E contudo aqui estou, ou para aqui estou como se fosse eu o teu maior devedor e tu me devesses algo de que não prescindo, algo que também eu tanto queria quitar, igualar. Rememoro como nos amámos na véspera da tua partida e, quando nenhum de nós imaginava sequer o pasmo que provocaria esse teu tão negro horário. Como se fora dito agora recordo o teu sussurro e o teu desesperado abraço;

 

- Que seja sempre assim até ao fim.

 

E foi, assim foi, não sabíamos então, não sabíamos naquele momento que tudo tem fim, desconhecíamos que a fusão nuclear que alimenta as estrelas também tem um fim, que por maior que o evento seja para lá do seu horizonte tudo colapsa, que embora paradoxalmente infinito o universo também terá certamente uma finalidade e um fim, numa perspectiva singular tudo parece ter um fim, a eternidade, o tempo, o amor, a vida.

 

Chamar-lhe-ia singularidade terminal.

 

De devoto passei a incréu, perdi a fé e ainda não creio na realidade sobre a qual caminho, neste limbo que me envolve e tolhe sem que logre encontrar um novo rumo, uma vereda, um atalho, uma saída deste, como diria Eduardo Lourenço, Labirinto de Saudade, ou fado cuja melopeia me embrulha quotidiana e insistentemente tal qual o canto fatal de uma sereia.

 

Percorro às apalpadelas o presente que me deixaste sem que encontre caixa, embrulho, prenda ou surpresa que, à imagem da lâmpada de Aladino me guie os passos ora perdidos no corredor sem fim p’ra onde a existência me atirou, vendado, como se fora um condenado da pior estirpe cujo destino não merecesse mais que, sob as negras profundezas da solidão redimir-se p’la punição.

 

São-me iguais agora todos os dias e horas de onde a vontade se sumiu como água em clepsidra, água por onde vida, imaginação e inspiração se escoam tornando iguais todos os rios, mares e oceanos onde uma rotineira e traiçoeira bonança espreita e, esperando surpreender-me sono e sonhos os deixa em sobressalto, desalinhados, desencontrados de tudo quanto balizava uma vida álacre que aos poucos vou esquecendo.

 

Embora atarantado prossigo o meu destino, apoiando-me no estranho percurso agora percorrido, em baluartes cuidadosamente escolhidos e, evitando os escolhos passiveis de estorvar esta nova e estranha caminhada, nova para mim que cautelosamente, pé ante pé, apalpo e avanço, tudo observando e, inda assim com o cuidado a certeza e a segurança tão peculiares em mim.

 

Difícil e tormentoso é este chip de memória impossível de arrancar da mente como arranquei o da velha máquina fotográfica onde, admiravelmente sobreviveram vinte ou mais anos, outras tantas memórias das que procuro apagar e não consigo, certo de nelas se acoitar mais martírio, inofensivo se deixado em paz, já que, por buscar precisamente paz e sossego nem morto de curiosidade me atrevo a abrir esses ficheiros prenhes duma felicidade passada, impossível de repetir. Possivelmente estragar-me-iam os dias que construo de novo com uma bem-aventurança sabida, por mim inventada na esperança que a bonança torne aos mares em que naufraguei e no meio dos quais encontrei milagrosamente uma bóia a que me agarro desesperadamente, com a qual procuro encontrar de novo pé e terra firme.

 

Nasceras com sina curta, e como num jogo de dominós, ao caíres arrastaste contigo toda as peças, até hoje caindo paulatinamente uma a uma e, por muito que miremos o cosmos, desconhecemos todavia completamente o quando, quando deixarão de cair, quando cairá a última …