MINHA CASA, ESTA MULHER
POEMA DE SANTIAGO
KOVADLOFF *
"Minha casa é esta mulher que agora dorme ao meu
lado. Como ela, com ela, tudo ao meu redor descansa.
Quando ela acordar, as coisas também. As portas se abrirão novamente, a água voltará a correr, passos animarão a velha escada, a luz voltará a cair sobre as plantas.
Voltarei à minha mesa, às palavras, e a sua voz, como
uma auréola, rodeará meu dia.
Quando ela for trabalhar, levantarei os olhos da
página, e uma tapeçaria, um cravo, um amuleto inesperado na cozinha da casa
repetirá o nome desta mulher que povoou tudo com sua presença e o sucesso de
suas mãos.
Ela é a minha casa, a porta principal de acesso ao
significado desses cómodos. Se o egoísmo ou a indiferença interrompem nosso
encontro, a casa escurece.
Como uma dura denúncia de uma solidão irremediável, as
paredes estarão carregadas de presságios, a cor de cada coisa retrocederá, a
casa esvaziar-se-á, e morar nela será expor-me aos elementos.
Minha casa é esta mulher que agora dorme ao meu lado. Quando
ela está longe, tudo está longe na casa; sem ela as coisas em meu redor andam
aos montes, e estar aqui torna-se uma tortura; assedia todos os lugares, cada
passo dói, cantos e objectos tornam-se inúteis.
E a casa lembra, num sussurro triste, que um dia
soubemos ser melhores. Se a alegria renasce, a casa renasce.
Quando a lucidez ou o desejo nos une novamente, a casa
se ilumina novamente: meus papéis fazem sentido, cada cómodo é a evidência de
um projecto. A casa toda é uma festa e o sopro suave e denso da vida desce
novamente a velha escada".
* Santiago Kovadloff (Buenos Aires, 14
de diciembre de 1942)