A EUROPA É,
PORTANTO, O GRANDE PERDEDOR *
“O conflito ucraniano e o
lado civil da guerra”
No
início de Junho, o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais com sede em
Washington (um think tank muito próximo do Departamento de Defesa dos EUA e da
indústria de armas dos EUA pela qual é fortemente financiado) publicou um
artigo de Antony H. Cordesman, “The Long- Impacto a propósito do conflito
ucraniano e da crescente importância do lado civil da guerra”, que descreve muito
apropriadamente a nova abordagem norte-americana ao conflito na Europa
Oriental.
Diz:
“agora parece possível que a Ucrânia não recupere os seus territórios no leste
e não receba rapidamente a ajuda necessária para a reconstrução”. Ajuda que
seria estimada, com muito optimismo, em 500 mil milhões de dólares (número que
não leva em conta a perda territorial de sua região mais rica). Além disso, a
Ucrânia terá de contar com uma permanente ameaça russa que limitará a
capacidade de reconstrução das suas zonas industrializadas e que, apesar das
perdas territoriais acima referidas, e só ingenuamente tendo em conta que não haverá
no futuro problemas ao nível do comércio marítimo. (o risco da ameaça russa
após a conclusão das operações no Donbass, e dos movimentos em direcção a
Odessa permanecem reais, pois excluem completamente Kiev do litoral do Mar
Negro).
O
artigo também relata, como o conflito mostrou, do lado russo, um uso coordenado
e muito flexível de meios militares, políticos e económicos em comparação
contra o qual o simples recurso à guerra de propaganda e ao regime de sanções
no Ocidente parecia visivelmente ineficaz. Um factor que de alguma forma
remodelará o sistema global desde o eventual fim dos combates não significará o
fim de seus impactos económicos e geopolíticos de longo prazo. Sem falar que a
Rússia e a China estão desenvolvendo uma notável capacidade de atrair países
africanos e asiáticos para o seu lado (o caso recente do Mali, que optou por
expulsar os contingentes francês e italiano, nesse sentido, é emblemático).
Além
disso, ao contrário do que tem feito a propaganda ocidental até agora,
Cordesman afirma que apenas uma "pequena fracção" das acções russas
na Ucrânia podem ser formalmente definidas como "crimes de guerra",
apesar de seu impacto sobre a população civil.
Independentemente das considerações do chefe de estratégia emérito do Think
Tank norte-americano (com o qual se pode concordar ou não), o que fica evidente
é a mudança de paradigma na narrativa do conflito em que se centra.
Os
Estados Unidos (aqueles que, segundo Kissinger, têm apenas interesses e não
aliados) não são novos nessas operações de abandono do "amigo" quando
atingem seu objectivo ou não o julgam mais útil (do Vietnam ao Afeganistão,
passando pelo Panamá e Iraque, a história está cheia de exemplos semelhantes).
Resta saber se os Estados Unidos realmente alcançaram seus objectivos em
relação ao conflito na Ucrânia ou se essa mudança de paradigma pode ser
interpretada como uma “retirada estratégica”.
Foi
apontado anteriormente que o conflito na Ucrânia está levando a mudanças
profundas na actual estrutura económica, financeira e geopolítica do mundo.
Podemos falar de uma evolução para um sistema multipolar? A resposta é sim,
mesmo que os próprios Estados Unidos tentem desacelerá-lo. Como ? Hoje existem
três grandes potências mundiais (no futuro poderão ser quatro com a Índia):
Estados Unidos, Rússia e China (as duas últimas são consideradas potências
revisionistas do sistema unipolar). No entanto, o principal concorrente global
do dólar é o euro. Logo, o objectivo norte-americano, para ganhar tempo na
parábola descendente do império norte-americano, é o enfraquecimento constante da moeda europeia.
Além
da Ucrânia, quem é o grande perdedor no actual conflito na Europa Oriental ? A
União Europeia. O objectivo dos Estados Unidos, pelo menos desde 1999, tem sido
tornar sua própria indústria artificialmente competitiva, destruindo a
indústria europeia e mantendo o Velho Continente em estado de cativeiro
geopolítico. A elite política europeia está bem ciente disso, mas está muito
ocupada perseguindo seus próprios interesses, esquecendo os interesses da união.
Tomemos,
por exemplo, o caso limítrofe da Itália, cuja estratégia energética de longo
prazo foi abalada pela agressão da OTAN contra a Líbia. Desde então, os
governos Monti, Letta e Renzi foram os principais responsáveis pela
subordinação quase total da política energética italiana ao gás russo. Hoje, os
mesmos partidos que primeiro apoiaram a necessidade de intervenção na Líbia e
depois os governos que se seguiram ao de Berlusconi (responsável pela traição a
Trípoli) são os mesmos que reivindicam e aplaudem o embargo às importações de
hidrocarbonetos da Rússia, mais uma vez em completo desrespeito ao interesse
nacional da Itália. Nesse contexto, a única solução para a Itália só pode ser
livrar-se do dragismo o mais rápido possível. (Não por acaso Mário Draghi
acabou de demitir-se, demissão que o presidente italiano não aceitou, nota
minha).
A
Europa é, portanto, a grande perdedora económica e geopolítica. A possibilidade
de uma crise alimentar na África e no Médio Oriente devido à continuação do
conflito e, consequentemente, a redução das exportações de grãos russos e
ucranianos para essas regiões pode causar novas ondas migratórias que afectarão
directamente uma Europa em que o problema do fornecimento de energia levará a
uma inflação cada vez mais alta, uma crise económica estrutural e um declínio muito
mais que relativo na qualidade de vida geral.
Finalmente,
não se deve subestimar que a âncora vital para a Europa (pelo menos no curto
prazo, já que a diversificação via África e Israel parece muito distante)
deveria ser o gás natural liquefeito norte-americano. Bem, uma estranha
explosão recentemente derrubou o LNG HUB em Freeport, Texas, de onde saem os
navios que transportam o gás para a Europa. A infra-estrutura estará novamente
operacional a partir do final de 2022. (e, acrescento eu, pronto para ser
novamente torpedeado) Tudo isso enquanto a Gazprom reduz suas exportações para
a Europa em retaliação à aprovação de mais um pacote de sanções suicidas.
Fonte: Editora Ariana, via
Euro-Sinergias.
Tradução livre feita por mim a partir de:
https://reseauinternational.net/leurope-est-donc-la-grande-perdante/
Imagem_pdfimagem_e impressão por Daniele Pereira.