Fui ao cinema
ver fitas. Vi jovens muito (a)normais, algumas meninas bem bonitas e um
lançador de punhais. Fanática de cinema, logo ali lembrei com pena tempos não longe
demais... Outras eras... Em que pessoas, não
feras, nos abriam horizontes. Foi assim que lancei pontes e me levei a lembrar,
roubando ao passado distante imagens lindas de encantar e
que revivi num instante.
Vi uma fita
dezasseis em que gente, que não reis, consigo se confrontou. E c'os medos
amealhados se viram então
contristados, enredados em enleios, confundidos, aturdidos c’os
possíveis caminhos a que levam os anseios. É que entre sonhos e desejos, vai um
imaginário de ensejos a que muitas não resistem, outros apesar disso persistem
e poucas há que desistem.
E c’a memória
girando ao cinema fui voltando até à fita trinta e cinco. Não foram precisos
tantos, dez, apenas dez punhais puseram pontos finais
num império de desvalidos que, antes de perder os
sentidos se afundaram, imortais, no mistério desses punhais de um velho baú
saídos.
Uma vez
subido à cabeça o sentimento vazio do alcance do poder, não se portaram
diferente do que fazem muitos eleitos quando pensam que são gente. Quais D.
Quixote de La Mancha e seu escudeiro Sancho Pança é vê-los,
prometer hoje abastança, no dia seguinte temperança. É ouvi-los gritar bem alto
à moirama, sabendo nós de antemão que se esconderão na cama quando tudo der
para o torto.
Entre um destes vivaços e um morto bem
parecido, prefiro na certa o falecido, não chateia, não refila, não contesta
nem protesta. É de longe mais simpático e capaz até, com ar enfático de me
gabar atitudes. É que estar morto e bem morto pode ter muitas virtudes, entre
as quais, não sendo demais, friso tempestades tais, potestades celestiais que
na certa não provoca nem levanta, mesmo quando se agiganta.
Mas voltando
às chinesices daqueles dias felizes que a fita atirou p´ro ar, é de bom tom
recordar os desígnios do amar que nos podem mesmo levar ao perder, à perdição.
Vi isto com os meus olhos, num cantinho bem espremido ali à Diogo Cão. E entre
gemidos e ais, os amores desafiantes da cegueira dos amantes os lançaram por
disputa de quem contra si mesmo luta na vertigem do abismo...
O filme acaba
como um sismo, em que o décimo punhal,
põe fim ao amor fatal, à traição e à razão de quem ama amando mal. O desafio, o
abismo e a vertigem de quem julga ser seu amor caso único, um primor, alvo de
dádiva virgem.
É um punhal
na garganta (não nas costas) que coloca fim ao caso mas não mata ali a
esperança. Não sendo até por acaso haver gente bem feliz por tal não lhe
acontecer. Não que o não possam merecer, pois arriscam por um triz, devido à
diferença notória entre o dizer e o fazer, que não estejam um dia cobertos do branco pó, cor do giz, com que tapamos a escória.
O filme termina
terminado. Arrumado no baú já mencionado, pronto para outra partida, pronto
para outra viagem. De viagem andou o autor, premiado nessa Europa, pois por cá
como é já hábito, o mais a que pode aspirar é levar c’a bota da tropa.
Vítor Moreira
se chama, o autor da fita que inflama sendo eborense de gema. Talvez haja já
quem o tema por ser revelação latente. Que ele existe o sabe mais gente em Veneza
e de certeza noutras cidades mais belas que, às cautelas o premeiam, não vá o
home envaidar-se ou subir-lhe o sangue à cabeça.
Por cá vai
fazendo uns biscates, pois as verbas não dão para dislates, como aquela fita
com uis e sem imagens reais que custou a quem dá ais, os impostos anuais de
quem leva a vida dreta sem ter que fugir aos chuis.
* by Maria Luísa Baião, escrito na sexta-feira gelada e fria de 14 de Março de 2003. Muito provavelmente publicado por esses dias no Diário do Sul, coluna Kota de Mulher.