Encontrámo-nos ombro a ombro e casualmente ao
balcão da pastelaria Violeta, eu dando um rombo na dieta e alambazando-me com uma trouxa-de-ovos
e ela enfardando um farta brutos.
- Tu
aqui ?
- Tu
por aqui ?
Estou
para uma visita à galeria Casas de Sant’Ana e São Joaquim, quero ver a exposição
“TRAÇOS” de Elisabete Barradas de quem já vi em tempos umas coisas, parece
valer a pena e para tal aqui estou...
- E
eu ! Então vamos os dois, pagas as bicas que és tu o cavalheiro e eu uma
senhora.
Assim
foi, e lá fomos os dois cantando e rindo ver a exposição da Elisabete Barradas, a dois passos dali, exposição dela e de outros.
- Já
vi umas coisitas dela repeti, fizeram-me lembrar o louco do mestre José
Cachatra * os temas e as cores eram muito aproximadas, mais que tudo foi esse
aspecto que me convenceu a visitar a exposição, e a ti ? Que te move ?
-
Ela tem trabalhos muito diferentes desses que referiste, a mim é mais a
curiosidade acerca dos novos trabalhos dela que me atrai, isso e o trabalho dos seus alunos que também estarão ali expostos.
-
Muito bem nina, olha é já aqui, mete lá o dedo nessa coisa e faz força que eu
impo !
Entrámos
na galeria, nada mais nada menos que a casa senhorial do meu amigo Cordovil e
que nos recebeu com a peculiar hospitalidade característica desta nobre e antiquíssima
família eborense.
Depois
foi deambularmos por ali, vendo e admirando o “palacete” e simultaneamente a
exposição. Um palacete amplo e belo, uma panóplia e infinidade de divisões,
escadas, corredores, arrecadações, terraços, um quintal no interior, enfim,
praticamente o paraíso no centro da cidade. Até um gongo tocámos e quase
dançámos na cozinha, tal a sua dimensão.
Para
outra dimensão nos remeteram os trabalhos de Elisabete Barradas, remeteram ou
pretendiam remeter, quase todos eles, e se não todos uma grande percentagem,
apontando aos céus, encaminhando-nos para as alturas, para a transcendência, a
lua, o universo, o astro, o infinito, o nirvana, onde nem um escadote faltava.
-
Que estranho Sandra, já reparaste no grosso das obras dela ? Há aqui uma tendência
muito acentuada para o alto, ora vê !
E
ela viu, reviu e confirmou a minha impressão, à primeira vista surgia-me como uma
ocorrência inverosímil, repetitiva, mas lá estava. Diria que como a expressão
involuntária de uma tara ** ou mais que uma tara, uma panca, uma pancada, uma
pedrada disse eu rindo para a Sandra.
- Será
ela daquelas que metem na veia Sandra ?
-
Parvo, não digas parvoíces.
-
Sei lá, não seria a única a fazê-lo, nem seria a primeira vez que tal
aconteceria nos anais da pintura cuja história está pejada de casos desses e eu
nem conheço esta Elisabete.
Respaldámo-nos confortavelmente conversando recostados nos antiquados e fofinhos sofás de uma das salas, é
que muitos artistas pintaram sob o efeito de drogas psicotrópicas, há até um
género de pintura assim classificada, psicadélica. Van Gogh foi um exemplo
extremo, cortou uma orelha, Picasso era doido por mulheres segundo uma série
que há pouco passou num canal por cabo, Cachatra era louco, são dezenas ou
milhares os exemplos de pinturas e pintores que carregaram taras... Salvador Dali
idem... Além de louco era excêntrico…Temos outro caso extremo, o de WilliamTurner
que uma vez se fez amarrar ao mastro de um navio em plena tormenta para não ser
tentado a acobardar-se e obrigando-se a sofrer e viver uma tempestade com o
fito de a mais tarde a pintar. O que terá motivado esta Elisabete a repetir-se dentro do mesmo tema ?
Aquilo
ficara a fazer-me coca-bichinhos na mona, e embora saibamos como a pintura,
aliás não só ela como toda a arte é subjectiva e nos interroga, na primeira
oportunidade indaguei junto da própria pintora que me tirasse as dúvidas pois tantas mas tantas pinturas famosas se devem a loucos, à loucura ou
a drogas... A manias... A taras.. Freud pegava nas pinturas e na explicação
que os doentes delas davam e elaborava diagnósticos certeiros... A par dessa
estratégia existem em psicologia os chamados testes psicométricos, e também a
psiquiatria recorre à interpretação dos conhecidos testes de Rorschach, acho
que é assim que se chamam, os quais têm por base a interpretação de borrões, de
manchas, no fundo de pinturas... Pinturas esborratadas digamos...
Mas chegar
à fala com a artista foi um desastre, ela parece ignorar que quem se expõe
publicamente, quem se expõe (em galerias ou não) sujeita-se a ser criticada, entendendo
eu aqui a critica como comparação, análise e avaliação, e no fundo preparação pessoal
para a enfrentar, à critica, ripostar explicar, justificar, defender a sua posição,
usando da retórica, da lógica, tendo-me vindo à memória o esforço uma vez observado
ao meu amigo Marcelino Bravo, ilustre pintor eborense, que numa exposição se desfez em atenções para explicar à turba o significado de uma sua nova
tendência ou conceito tendo faltado somente fazer-nos um desenho para que melhor o compreendêssemos.
Tal
nem de perto aconteceu com esta Elisabete, com quem troquei impressões no chat
duma rede social, as quais vou reproduzir aqui integralmente para vosso inteiro conhecimento e
apreciação:
Eis o diálogo tido domingo, 19
de Maio, no Messenger entre mim e a pintora Elisabete Barradas após esta ter aceitado
a amizade solicitada:
EU -
Bem vinda, vi ontem uma exposição sua, gostei. 🙂
ELA
– Obrigada
EU -
Só não percebi uma coisa.
ELA
- Diga lá o que não percebeu?
EU -
A fixação pelas alturas, pelo céu, pela lua, o escadote sempre presente, a
tentação de ascender, subir, trepar, a convergência ao alto, e eram numa grande
percentagem as figuras que apresentavam essa particularidade, será fixação ?
Pelo quê ?
ELA
- Não me parece que seja fixação, um determinado estilo do artista, fase !!!
Continuo
Não
é fixação !!!
EU -
Usei a palavra sem sentido pejorativo, tal como comentei com a Sandra que
aquilo me parecia uma tara, igualmente sem esse sentido destrutivo. Estilo,
fase, compreendo.
ELA
- Tara?
EU -
Fase, é melhor fase.
ELA
- Desculpe
Boa
tarde !!!!
EU -
Falo de um comentário com a companheira com quem fui ver a exposição, leia bem, pk
não é o que parece
(Mas
ELA já tinha “desligado”, já se fora
embora… )
EU -
Tem mesmo uma tara, tenho razão, acabou de ma conceder 😀 Boa tarde e boa continuação enquanto pintora,
e reveja a sua posição, cultura e atitude enquanto pessoa, não basta pintar
melhor ou pior, é necessário algum humanismo, alguma disposição para levar até
ao fim as trocas de impressão com o visitante, o impacto da sua arte nele
visitante, observador, consumidor, imagino-a nova, nova demais, sem experiência
de vida, a dose certa de humildade e modéstia poderão fazer muito por si, já a
arrogância e a prepotência são as armas dos ignorantes... Ah ! E leia, leia
muito, bons autores 🙂 Xau
bjs e boa sorte
ELA
depois disto cortou-me a amizade tendo-me bloqueado.
_____________ / ___________
Ora
o que sucedeu foi nem mais nem menos a senhora ter confundido soberba com
disponibilidade, e arrogância com ignorância. Custa-me entender que quem
cursou Belas Artes não tenha estudado a história da pintura, biografias de
pintores famosos, que não tenha ligado à literatura (está lá tudo) ou possa
descurar o humanismo, a psicologia, a que a arte pela sua natureza anda
intimamente ligada, ou a formação pessoal.
Não basta saber pintar melhor ou
pior, existe a chamada inserção social que obriga a respeitar cânones, não
basta vender mais baratas ou mais caras as obras, há que ser educado, bem
formado, estar preparado para lidar com a clientela, que, se de arte, será
minimamente culta, bem formada e exigente, e sobretudo, se se mantém uma escola
de pintura há que defender o seu bom nome e não prejudicar artistas convidados nem alunos com
condutas de todo inutilmente impróprias.
Exposições
de Elisabete Barradas jamais, ou nunca mais, e é pena porque a senhorita até
pinta umas coisitas, nem pinta mal de todo, podia ser uma promessa não fosse o
seu feitio irrascível, veja-se o caso de Joana Vasconcelos, não é engraçada mas
soube cair em graça e expõe por todo o mundo que conta, já quanto a esta duvido
que esse mundo para a qual nem de perto está preparada alguma vez se lhe abra.
É
pena, mas nem todos podem ser sublimes…
Como por exemplo eu ahahahahahahahahahahhahaha !!!
FICHA TÉCNICA DA PINTORA
SEGUNDO ELA MESMA: - Artista plástica na empresa Self-Employed e trabalha em
Artista plástica na empresa Carvão Estúdio, Évora Portugal - Estudou Artes
Plásticas - Pintura em Belas-Artes ULisboa - Anterior: Escola Secundaria Gabriel
Pereira - De Évora - Artista Plástica - Representante de artistas argentinos e
uruguaios -
** SIGNIFICADO DE TARA SEGUNDO
O DICIONÁRIO PRIBERAM DE LINGUA PORTUGUESA:
Ver pontos 4, 6, 7, 8. 9 e 10.
Ta·ra
Substantivo feminino
1. Peso de recipiente ou continente vazio,
sem o produto que pode conter (ex.: para obter o peso real da mercadoria, é
preciso deduzir a tara do peso bruto).
2. Recipiente ou objecto que pode conter
determinado produto (ex.: prefira bebidas engarrafadas de tara retornável).
3. Peso de um veículo de transporte vazio,
sem a carga (ex.: o reboque tem tara superior a meia tonelada).
4. [Medicina]
Anomalia hereditária (ex.: tara genética).
5. Defeito de fabrico (ex.: moedas sem tara).
= FALHA
6. [Figurado]
Mácula, defeito, senão.
7. [Informal]
Desequilíbrio mental (ex.: ele não deve ser bom da cabeça, deve ter uma
tara qualquer). = PANCA, PANCADA
8. [Informal]
Fixação ou atracção muito forte, por algo ou por alguém (ex.: tara por
melancia). = MANIA, OBSESSÃO, PANCA
9. [Informal]
Desvio patológico do comportamento sexual considerado normal (ex.: tara
com pés). = DEPRAVAÇÃO, PERVERSÃO
10. [Veterinária] Defeito que diminui o valor de uma
cavalgadura.
11. [Botânica] Taioba.
"Tara", in Dicionário Priberam da
Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/tara
[consultado em 20-05-2019].