A
modos de introdução devo dizer que esta apreciação crítica (crítica no sentido
de análise e não no de depreciação) me foi sugerida ou pedida pela Sandra B. por me saber tão apreciador quanto ela da música e canções de TT, mais importante ainda, por ela me considerar isento e insuspeito, já que ao longo dos tempos temos trocado
impressões a este respeito e nunca lhe escondi o que realmente penso acerca de uma música, uma
canção ou um simples acorde vindo de TT.
Por
agora irei debruçar-me em especial sobre quatro das suas canções, Ramantxada,
Diabo Ca Ta More Nau, Palavra e Tempo Di Azagua, precisamente as quatro que
eram até agora desconhecidas para mim, seu admirador, fã e ouvinte há longo
tempo.
Em abono da verdade devo confessar que até aqui sempre fui um admirador e apreciador interessado da música Cabo Verdiana, talvez o único lugar do mundo que poderia viver da música e dos seus músicos, tal a variedade, quantidade, qualidade e diversidade de sonoridades, aliás se Cabo Verde é bem conhecido em todo o mundo, muito é devido à sua extraordinária musicalidade.
Qualquer que seja a música cabo-verdiana ou de TT, facilmente se detecta em quaisquer delas uma miscigenação, se é que esta palavra pode ser assim entendida, de ritmos africanos e caribenhos de mão dada com elementos musicais tipicamente europeus e cujo soluto resulta numa infinidade de estilos musicais muitos específicos, tal qual o funaná, a tabanca, o batuque, ritmos que foram importados ou influenciados da vizinha África, e até de Portugal.
Há na música Cabo Verdeana remédio para todos os gostos como na farmácia e, nota importante, a sua música não está
ainda contaminada pela uniforme vacuidade a que as editoras discográficas e
agentes inerentes tudo submetem na busca de um lucro rápido, porém efémero e
fatal para um artista que abrace esse caminho, um caminho que embora o possa conduzir por
um arco iris ao pote de ouro jamais lhe trará fama duradoura nem reconhecimento
internacional. Refiro-me naturalmente à chamada música plástica ou música
chiclete, mastiga e deita fora…
A originalidade, frescura e espontaneidade das músicas cabo-verdianas e de TT, garantem-nos uma faceta genuína actualmente difícil de descortinar a no concernente à música mundial, toda ela impregnada, ou devo dizer infectada por artifícios electrónicos e digitais, até a nível instrumental ou sobretudo a esse nível, produzindo e reproduzindo facilmente uma panóplia de sonoridades variegadas e eclécticas, todavia artificiais. Porém não confundir esta minha crítica com a salvação da música em meio ou suporte digital afim de a preservar para a eternidade.
Em Cabo Verde, a exemplo de TT, tudo anda de instrumento na mão, todos sabem tocar um qualquer instrumento e a música brota como flores nessas ilhas e nos ilhéus atlânticos, genuína, colorida, quente, como se estivesse destinada a ser servida numa bandeja ou numa palete.
Voltando
a TT e à sua criação/actuação, quer a solo quer com a dupla Pupkulies &
Rebecca, a sua música ou sonoridade tem um registo inconfundível, quase uma
impressão digital. Transporta até nós o calor das mornas cujo ritmo observa ou
respeita mas sem que se lhes submeta, e nessa dolência / indolência embala a
carinhosa solenidade, sonoridade e musicalidade de que todas as suas canções se
revestem em maior ou menor grau e nos embalam em doce melodia, harmoniosa calma
e paz celestial.
Em Ramantxada, que ouvi tendo repetido a audição várias vezes (tal como fiz com todas as outras canções), encontramos o seu habitual registo, o mesmo habitual som, uma musicalidade muito própria, agradável, talvez para mim impaciente por a ouvir toda, me tenha parecido haver alguns trechos demasiado repetidos, talvez por isso cansativos, talvez cotrrectos para actuações ao vivo, mas que contudo me parecem não resultar numa audição em CD/DVD. Todavia não esqueçamos a impaciência de que eu estava animado…
De igual forma Em Diabo Ta Ca More Nau encontramos o tradicional ritmo “Tibauteano” que tão bem nos sabe levar, empurrar docemente para a canção seguinte que essa sim, por ser traduzida ou parcialmente traduzida para português, se torna mais agradável e mais rica a nossos ouvidos, já que nem todos “pescam” um pouco de crioulo como comigo acontece. Quer uma quer as outras canções, todas elas estão imbuídas do mais puro estilo musical cabo-verdiano. Idem para todas as outras não mencionadas aqui mas com as quais ao longo dos tempos me tenho deliciado. Verdade que gostei especialmente de "Palavra" e de "Tempo Di Azagua" contudo não é minha intenção menorizar quaisquer outras.
Entre
outras coisas falámos, a propósito da música de TT sobre mercados e vendas, e ambos
concluímos ser a Europa quem adquirirá a maioria dos seus muitos, diversificados e arrebatadores CDs e, sendo conhecida a presença de TT na Alemanha, a mesma será de todo o interesse para ele, pois em Cabo Verde o mercado
é muito pequeno muito restrito. Ocorreu-nos também que, sendo o mercado da língua
portuguesa enorme, as canções deviam ter
este pormenor em conta, ser cantadas ou meio cantadas ou traduzidas para
português e, sendo a morna Património Mundial pela Unesco, poderia a composição
delas ser mista sem que houvesse lugar a transgressão de normas. Uma parte em crioulo
outra parte em português seria uma boa solução. Através de TT viémos a saber posteriormente, pois ele mesmo no-lo afirmou, ter já
composta uma morna que observa essa particularidade, parte em crioulo, parte em
português.
Entre conversa, piadas da Sandra e anedotas minhas bem picantes, Tibau Tavares confidenciou-nos estar a pensar levar adiante um projecto incluindo duas vozes, dueto partilhado com uma cantora portuguesa e metendo a nossa guitarra em tal morna, projecto a que anuímos com emoção, pois até do ponto de vista comercial achámos a ideia dele bem boa, porque os fãs dela, dessa cantora, irão através dela conhecer TT e divulgá-lo, irão divulgar também a sua música e trazer-lhe novos fãs e decerto enorme incremento nas vendas, senão vejamos; em Portugal pode contar somente com 10 milhões de potenciais consumidores, mas no Brasil são qualquer coisa como 220 milhões, acrescentemos Angola, Moçambique, Timor, S. Tomé Príncipe, a diáspora portuguesa e cabo-verdiana no mundo, que não são pequenas... Ao todo talvez acima de 500 milhões de potenciais compradores para os seus CDs, um mercado deveras interessante pois não há músico que viva do ar que respire ...
A tua ideia
é uma mina mano, alvitrou a Sandra, se conseguires fá-lo, assim o caso mudará de figura até porque
ela também colherá vantagens da parceria, também precisará de ti para entrar no
teu mundo, no mundo dos teus fãs e, consequentemente, facturar mais. Nenhum de
vós certamente terá pai dono duma fábrica de ventoinhas e é mais que certo ninguém viver do ar ...
A
deixarmos alguma sugestão ou conselho diríamos apenas que na música, como na
literatura, as primeiras palavras contam imenso, as primeiras palavras, os
primeiros acordes, e como tal há que dar ênfase aos primeiros minutos, como às
primeiras linhas, agarrar o ouvinte e, ainda que mantendo o mesmo registo que garantiu
o sucesso alcançado, não esquecer a volubilidade dos fãs, e como tal não os castigar ou cansar com demasiadas repetições, mas dar-lhes surpreendentemente
algo novo de cada vez, mantendo sempre a corda tensa e as expectativas altas.
Em
particular por não sermos nós quem está no palco, ficamosm incapacitados de observar a partir
de cima os espectadores e ouvintes, os fãs, remexendo-se na cadeira, no sofá ou na
pista de dança, não somos nós quem lhes topa as emoções e disposições, portanto
entendemos que TT, melhor que nós saberá levar o barco a bom porto, saberá com
tempo fazer as alterações e melhoramentos que entender nas suas músicas pois a
nós resta-nos acreditar e ter esperança, já que fé e devoção são coisa que há
muito nos animam.
E é tudo, um abraço mano.
* SOBRE O AUTOR:
TT, Tibau Tavares (José Mário Tavares Silva), é natural da ilha do Maio (Cabo Verde), foi cantor na igreja e escola locais aos 6 anos, lugares onde terá tocado os seus primeiros acordes. Durante a estada no liceu da capital cabo-verdiana, na cidade da Praia, participou na banda do liceu e em vários outros grupos musicais. Depois do regresso à sua ilha natal a ilha do Maio, trabalhou na capital dessa ilha, Cidade do Maio, onde fundou o grupo musical “Os Maienses” e posteriormente o “Maio Acústico”.
Em 2005 gravou sua música "Tradição", que daria nome ao seu primeiro álbum. A cantora cabo verdeana Lura comemorou um grande sucesso com sua música "Ponciana e as Águas" e além dela, uma outra cantora interpretando a morna “Noite de Porto Inglês”, Zizi Vaz de seu nome, enriqueceram o seu repertório com composições de Tibau.
Em 2010 TT, Tibau Tavares tornou-se conhecido como compositor nos Estados Unidos, onde uma grande variedade de artistas têm interpretado músicas suas desde então. Em 2013 gravou dois CDs com a banda alemã “Pupkulies & Rebecca” e com esta formação apresentou brilhantes participações em festivais por toda a Europa.
Em 2017 lançou o seu segundo álbum a solo. Produzido igualmente na Alemanha, o álbum “Wonderful Africa” que fez furor e causou sucesso no “Africa Festival Würzburg”, o maior festival de música e cultura africana da Europa. Um seu CD actual "Melodia" contém 7 faixas inéditas, é fácil de encontrar e vale a pena ouvir.
Foto da actuação de Tibau Tavares em Coimbra