quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

FRANCESCOOOOOOOOOOOOOOOO


Cautelosamente subi a rua da Selaria acelerando e serpenteando entre os raros habitantes mas muitos turistas que atravancavam a rua e, mal ouviu o roncar da mota, Francesco, o arrumador romeno que há meia dúzia de anos por aqui ficara acenou-me com a mão indicando-me um lugar ideal para a deixar. Soletrei-lhe devagar, para que entendesse bem

- Olho nela Francesco não deixes que a levem ou a derrubem.

Subi apressadamente a escadaria da Sé velha e entrei, o acto estava no início.

Abandonara há uns meses o hábito da missa em Stº Agostinho, a dificuldade de estacionamento e a distancia à abadia, forçosamente percorrida a pé, para tal tinham contribuído. Na Sé, para alem da pratica do culto se revestir de mais vivacidade, e mais musicalidade, beneficiava de um espaço mais amplo, nada constrangedor, apesar da afluência, inaudita nestes tempos, e que a catedral registava, pormenor que nos “Agostinhos” me asfixiava. 

Depois da missa abandonei a nave principal em busca do habitual refugio e meditação num nicho recolhido nos claustros do convento anexo, a capela de Stª Bárbara e, para meu espanto ela não estava.

Não a conhecia, ou se conhecia nunca permitira que lhe desvendasse as feições ou sinais que a identificassem, parecia ter acompanhado a minha mudança dos “Agostinhos” para a Sé, mas nem isso posso precisar, chapéus e véus como os que lhe cobriam a cabeça e as feições há muitos, mulheres de negro também, viúvas idem idem aspas aspas, e para ser franco nada nela além da cor que envergava a denunciava como viúva. Nem sequer como casada.

Em cada domingo que procurei o isolamento daquela capela lá estava ela, que se esgueirava da missa e ali afluía geralmente antes de mim, entre tantas capelas por que teria escolhido para a oração a mesma que eu ? Por devoção à santinha ?

Eu escolhera precisamente tal capela não porque fizessem trovões, mas porque a localização, afastada do habitual percurso dos crentes e visitantes me permitia um recolhimento e uma paz interior que em qualquer outra dificilmente conseguiria.

A penumbra em que sempre está mergulhada, mais escuridão que penumbra, reforçara a minha preferência.

Normalmente chegava depois dela, e respeitosamente genuflectia um passo ou dois atrás, mas naquele dia foi ela que quebrou as regras ajoelhando a meu lado, ainda que ligeiramente um tudo nada mais avançada que eu.

Ordinariamente ouvia-lhe uma ladainha no murmúrio dos lábios que o véu rendado não lograva esconder, e desta vez, excepcionalmente e sem querer fiquei olhando-lhe a silhueta delgada e esbelta, madura mas firme, diria hirta, ajoelhada na laje fria em oração e penitência, persignando-se com devoção que acentuava a meus olhos a fé que a animava quando,

A sua mão, estendida na minha direcção me chamou a atenção

Pensei querer-me algo ou alguma coisa e ainda me inclinei à frente articulando gentilmente num sussurro :

- Dizei cara senhora

Mas ela nem me ouviu, ou fingiu nem me ouvir e só parou quando a sua mão me encontrou e me tocou, numa inusitada carícia que ao principio me sobressaltou levando-me a pensar se não seria melhor recuar um pouco ou até mesmo erguer-me e sumir dali ...

 ( dez linhas deste texto que deviam preencher este espaço ser-lhe-ão fornecidas a pedido. contactar humberbaiao@gmail.com )

... Tocou-me, numa carícia final com a ponta dos dedos, que levou à boca ou somente aos lábios, ergueu os olhos aos céus, levantou-se desajeitadamente e desapareceu, trôpega, sem que uma vez mais eu tivesse ficado mais perto de saber quem era ou o casto motivo daquela penitência.

Tudo não deve ter demorado mais que escassos mas intensos dez minutos, e com tanto tacto quanto ela amanhei-me e parti dali em silêncio reflectindo sobre o caso o projectando antecipadamente o próximo domingo.

Quem seria ela ? Porquê eu ? Porquê aquilo ?

Francesco aproximou-se, mas não tive palavras para ele, limitei-me a pôr-lhe na mão a moeda habitual, desta vez branca, nem sei por que me senti mais generoso.

Fiz a mota guinar entre os carros estacionados e os crentes apinhados a procura-los, quando alcancei a rua dos Mártires acelerei e senti o vento na cara e os cabelos esvoaçando. Esquecera-me do capacete.

Voltei atrás em busca dele e cruzei-me com ela ao volante dum Jaguar verde-escuro que nunca vira por cá...

  96/97

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

96 - THE END.......................................

               
                   Encontraste-me. 
Não que te tivesse procurado, que o não fiz, embora esperasse com a avidez de um descamisado e a indiferença que só os condenados entendem, a tua vinda.
Apareceste, simplesmente apareceste.
E tudo mudou radicalmente, como se o processo de Galileu tivesse sido reaberto, o Sol se movesse de novo em torno da Terra e a inquisição, que o pagode hoje é, novamente exigisse em auto os nossos corpos, por irremissíveis de qualquer arrependimento ou penitência.

Surgiste, diria antes que surgiste, aparecer pressupõe uma intenção que nem houve nem há, surgiste portanto.

Que eu tivesse rejubilado com isso foi-te mais que indiferente, foi-te contrariedade, dor, aborrecimento, agastura.

Que essa insurgência, que também o foi, me tivesse cambiado os dias, que então começaram radiantes, como se repentinamente nas margens de um rio a beleza das cores e a frescura e fragrância das jornadas felizes me igualasse a cadencia do coração, cansado e enorme, como se a memória de outras cadencias, de outros momentos ditosos, deste mesmo ou doutros rios, as mesmas cores, intensas, fulgurantes, quase se repetissem dum modo inexorável e incansável, num novo ritual de celebração da vida, qual hino à existência, sublimação do que sou, do que tenho, e me redime do pior que em mim haja.

Aquilo que foi para mim um furacão, apenas e aparentemente terá sido para ti como uma brisa leve, libertadora, contudo, tão libertadora que só ela já mereceu a pena ter sido sentida, vivida.

Todavia, nada para o cosmos significou que eu outro, que eu mais seguro de mim, mais feliz, mais capaz, mais adolescente e, inacreditavelmente, mais tolerante também, e loquaz. O ego agigantando-se-me de um modo que só eu conheço e sei, uma auto-confiança daqui aos antípodas e te apressaste a, qual tapete, tirar rapidamente debaixo dos pés, não fosse eu ousar olhar-te, querer-te, sonhar-te que fosse, porque te apercebeste, te contei, que a volúpia das palavras primeiro, que o aroma das flores depois e que, quando nem em mim cria, já não sonhava, delirava, que repentinamente te abraçava, repentinamente te beijava, saboreando nos teus lábios champanhe.

E eras delírio e volúpia sim, mas somente dos sentidos que, sonhando lascivos, ébrios, sedentos de boémia, à noite me mergulhavam na sombra do astro, de tal modo jamais me soube arlequim ou querubim, somente que o teu corpo parecia mexer-se, e nem sabia se esses cabelos eram meus se teus, recordo afagar-te, afagar-te a pele morena, a silhueta, depois as curvas do corpo, tramando pecados e sonhando enquanto sombras me cobriam e te jurava promessas que tingiam de lágrimas meus olhos, e, perante mim, qual milagre, vagamente tomando forma uma mulher que amava, cuja carência de imediato começou, como imagem debruada por luzes e mergulhada no esplendor da minha alma.

Parece que por ter em ti tropeçado, não mais a melancolia nem a solidão, mas sei agora indiferente a tua ausência, tudo que sou tu não és, tudo que és eu não sou, agora sei, o mundo não somos tu eu e mais ninguém, já não palpitas em mim, já consigo dormir pois o sonho que me levava a perder-me de mim não voltou, já nem me persegue como silício vivo e eu, capaz já de fugir a esse fado, de alma sossegada, cujos sentidos o fogo alimentava lembras ?

Já nem te imagino em carícias ingénuas, com o coração batendo fremente de desejo, imagino-te com medo, medo de confrontação, medo de assumpção, de que o teu ar de segurança se esboroe incapaz de dizer sim, ou não, digo-o desinteressadamente, porque te não creio capaz nem de uma nem de outra, apenas da afirmação de uma negação que julgas proteger-te, qual muralha que descobrirás, como os chineses descobriram muitos séculos depois, não te proteger, antes te isolar, e, espero que morras feliz, tarde e feliz, bronzeada e feliz, rodeada de todos os amigos que acarinhaste, transformados no teu exército de terracota, porque a mim já nada interessa, estou bem, sem destino nem rota, fugindo ao presente, os sentidos girando, a abóbada celeste num carrossel, girando, girando, e contei-te desta paz sem ter morrido, corações mais não são que cinzas e paixões, e já não na penumbra dos dias com luz, nem flâmulas e pendões multicores, nem mares de rosas, nem qualquer tipo de alegria ou de bem querer-te porque a ponte que nos unirá será sempre a tua ausência, e já não invento desejos, nem me embriago com bacantes, ou sequer acumulo coragem para conquistar o teu corpo, cobrir-te de abraços, de beijos, saciar estes olhos, vaga-lumes tilintando em festa nascida de um sonho de ti, nascida de um sonho que antes de saciado matámos.

Sei que a inquietude deu largas à loucura que era a minha mas me não grita já, embora o meu sangue, latino, pulsando nas veias, continue a dizer-me não haver regras nem limites, só a verdade de mim, homem sincero, gritando tudo isto, sorrindo alheio ao facto de parecer louco, bradando a verdade, rindo de tudo e de todos, porque repentinamente e de novo o mundo todo luz, e eu, qual sombra saindo da escuridão, o corpo novamente antecipando delírios e paixões, o olhar renascendo repetidamente destes mesmos sentidos, os mesmos rodopios e devaneios, a mesma alma, o corpo bamboleando-se, pois agora sei, melhor que nunca, melhor que alguém ou alguma vez, agora tenho a certeza ! 

O mundo sou eu e mais ninguém !


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

95 - DE QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE AMOR ?

 


“Tínhamos aprendido que havia dores demasiado agudas, desgostos demasiado profundos, êxtases demasiado elevados, para poderem ser registados pelos nossos seres finitos.

Quando a emoção atingia o seu auge, a mente ficava sufocada; e a memória apagava-se até as circunstâncias regressarem à normalidade.

Uma tal exaltação do pensamento, embora deixasse o espírito vaguear à deriva e lhe conferisse permissão para vogar em estranhos ares, retirava-lhe o antigo domínio paciente sobre o corpo.

O corpo era demasiado grosseiro para sentir o auge dos nossos desgostos e das nossas alegrias. Por isso abandonávamo-lo como lixo; deixávamo-lo abaixo de nós, a marchar em frente, um simulacro dotado de respiração, ao seu próprio nível, sem assistência, sujeito a influências das quais, em tempos normais, os nossos instintos nos teriam feito fugir.

Os homens eram jovens e fortes; e a carne e o sangue quentes reclamavam inconscientemente um direito e atormentavam-lhes os ventres com estranhos desejos. As nossas privações e perigos acalmavam este ardor viril, num clima tão excessivo quanto se possa conceber. Não tínhamos lugares fechados onde pudéssemos ficar sozinhos, nem roupas espessas para ocultar a nossa natureza.

Em todas as coisas, o homem vivia ingenuamente com o homem.

O Árabe era, por natureza, continente; e o uso do casamento universal tinha praticamente abolido os caminhos irregulares nas suas tribos. As mulheres públicas das raras povoações que encontrámos durante os nossos meses de viagem não teriam chegado para nós, mesmo que a sua carne ocre tivesse sido digerível para um homem de gostos saudáveis.

Horrorizados por esse sórdido comércio, os nossos jovens começaram a satisfazer indiferentemente as poucas necessidades uns dos outros nos seus corpos limpos – um intercâmbio frio que, por comparação, parecia assexuado e até puro.

Posteriormente, alguns deles começaram a justificar este processo estéril, e juravam que dois amigos, estremecendo juntos sobre a areia macia, com os quentes membros íntimos no abraço supremo, encontravam aí, oculto na escuridão, um coeficiente sensual da paixão mental que soldava as nossas almas e espíritos num esforço ardente.

Vários deles, suportando a sede para castigar apetites que não conseguiam inteiramente evitar, sentiam um selvagem orgulho em degradar o corpo e ofereciam-se ferozmente para qualquer tarefa que prometesse sofrimento físico ou imundície...” pág. 30).*

“Incendiara a sua tenda... iam espancá-lo como castigo.

Se eu intercedesse seria libertado... Os dois rapazes andavam sempre metidos em sarilhos... ordenaram que fizesse do castigo deles um exemplo. A única coisa que poderia fazer por minha causa era permitir que partilhassem da sentença proferida...

Era um caso de afecto entre dois rapazes que a segregação das mulheres tornara inevitável. Essas amizades levavam muitas vezes a casos de amor quando homens de profundidade e força ultrapassavam os nossos conceitos carnais.

Quando inocentes, eram ardentes e desprovidos de vergonha. Se a sexualidade surgia, passavam a um relacionamento não espiritual, de aceitação mútua, como um casamento...

No dia seguinte... apareceram duas figuras curvadas, com o sofrimento nos olhos, mas sorrisos retorcidos nos lábios, que se dirigiram para mim, a coxear, e me saudaram. Era Daud e o seu apaixonado, Farraj; uma criatura bela, efeminada, de estrutura fina, com um rosto inocente e suaves olhos inundados de lágrimas...queriam ficar ao meu serviço...

Disse-lhes que não precisava deles, que era um homem simples que detestava ter criados em volta... Enquanto Daud, mais duro, se revoltava, Farraj foi ao encontro de Nasir e ajoelhou-se, suplicante, revelando naquele desejo quanto havia de feminino dentro de si.

Finalmente, a conselho de Nasir, fiquei com ambos, principalmente porque tinham um ar tão jovem e tão limpo.” ( pág. 248). *
 
* LAWRENCE, T. E. - OS SETE PILARES DA SABEDORIA, EUROPA – AMÉRICA - Mem Martins, Julho de 2000. ( Thomas Edward Lawrence, 1888-1935, militar e escritor, agente britânico nos países árabes do médio oriente cuja revolta alimentou entre 1916-1918, ficou conhecido como Lawrence of Arábia)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

94 - PORQUÊ AQUELE MENINO ?.............................



Vi-o. Não sei se por prodígio sobrenatural ou fenómeno do destino, mas vi-o. A mesma carinha redonda, a mesma franja, ainda parecendo escorrida pela água, os mesmos olhos azuis profundos que tanto me haviam chocado.

Era ele, era ele sem a mais pequena duvida !

Era ele sim, mas já sem aquele ar de paz que sossega os cadáveres para que não mortifiquem em demasia os presentes.

E ao vê-lo, vi-me a mim mesmo, nesse dia fatídico que jamais me acudira à memória nem mesmo, quando, esporadicamente, desfolho velhos álbuns de família e me revejo, com dez ou onze anos, talvez nem tantos, no meio de uma histórica bicicleta, rodeado pelos meus manos, e na qual o mais velho realizava prodígios acrobáticos, tais como conduzir de costas quilómetros sem fim, connosco à pendura, numa foto feliz, ocasionalmente tirada minutos antes da tragédia.

Num atropelo revi instantaneamente toda essa quarta-feira de cinzas, o passeio, as inúmeras pessoas presentes na Albufeira do menino “D’Oiro”, as apreensões de meu pai que, apesar de menino me não passaram despercebidas e por isso não nos tinha acompanhado.

A recente mudança para a cidade, o encargo com um casebre cuja renda eu depreendia muitas vezes multiplicada pela insignificância do que lhe custava o palacete em que na minha terra vivíamos, o futuro dos filhos, as distâncias que, nesta cidade, então para todos enormes se comparadas com a vizinhança a que na aldeia tudo distava de nós, assustavam.

Era ele sim, mas como possível estar a vê-lo, tão bem o recordar, com quase quarenta anos de diferença, ele o mesmo rapazinho inocente que naquele dia não entendeu, como eu não entendi, as palavras sucção e morte, eu, hoje um homem maduro, em nada crente no que a magias, feitiços, encantamentos e a almas do outro mundo diz respeito ?

Que mistério o colocava ali, perante mim, e qual o motivo ?

E nessa tarde malfadada, as minhas tias, porque enfermeiras, confirmando a desesperança de horas de trabalho dos bombeiros, do desespero das sirenes, da impaciência dos polícias, da apreensão da multidão, dos rogos da família desse menino agora aqui perante mim.

Céptico, mirei-o e remirei-o várias vezes, um brinquedo na mão, o mesmo cabelo alourado, só nos calções divergia porque agora os não trazia.

Uma senhora loura acercou-se dele sorrateiramente, rodeou-o com os braços, beijou-o terna e demoradamente, mimou-o, e, pela mão, o levou com ela dali, deixando-me só com os meus pensamentos que, num ápice desbobinaram pela minha mente dezenas e dezenas de anos.

Então a mesma carência dos mimos maternais que nunca tive e desde pequenino sofri, a violência desesperada e frustrada de meu pai ante as decepções que lhe dei, as muitas saudades dos meus irmãos, que a vida colocou longe de mim, a dolorosa falta de intimidade entre nós e que o viver sempre ergueu como obstáculo, as apreensões de meu pai connosco, as de tantos pais que no momento presente se confundem quanto àquilo que pensaram ser certezas, e hoje se culpam pelo futuro que lhes é negado e aos filhos, a dor crestante dos momentos em que meu único filho quase me morria nos braços, o terror de um cancro que nos anos 98 acometeu a Luísa,  (repetiu em 2010) todas e tantas atribulações pelas quais passei, passámos, e solidificaram na minha família laços indestrutíveis que vicissitude alguma desfará.

Durante metade da vida desconstruí medos, complexos, traumas, inibições. Minhas amigas, Ana e Maria compreender-me-ão.

Certamente derivado de tudo isto entreguei-me devotadamente à amizade, à felicidade, ao amor e, confesso, não ter dado por perdido nem um minuto sequer desde então. Do que não tive fiz forças, do nada, ambição, das frustrações vividas e superadas as motivações que me animam, do vazio uma aura de empatia que a todos envolva.

Um carácter vincado, uma personalidade forte, uma disponibilidade sempre presente, uma entrega, uma certeza para os que em mim apostam.

Talvez nunca saiba os motivos pelos quais, tão próximo do Natal, aquele menino me visitou, talvez para me lembrar que o amor, a amizade, a solidariedade, sejam as únicas coisas que vale a pena ter presentes, sempre presentes.

Haverá verdade no facto de serem ínvios os caminhos do Senhor?

Tenho agora mais um motivo para crer que sim.


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

93 - S. MARTINHO.......


                            
" Pelo S. Martinho, vai á adega e prova o vinho "...

Convidado por amigos para a festa do S. Martinho, apressei-me a adquirir a parte que me caberia no bodo ao santo, bodo que pagaríamos entre todos.

Levantara-me preguiçosamente tarde no sábado anterior, por a noite de sexta ter sido intensa, e, coçando as ramelas, rumei ao tão badalado mercado da reforma agrária, ali às Corunheiras, mercado que pensara ter acabado, como aliás se acabaram tantos direitos adquiridos e promessas prometidas pelo 25 de Abril, e hoje não mais que ilusões para enganar os papalvos.

Ainda recordo os tempos áureos do Rossio de S. Braz pleno de tractores, bancas, quintaneiros e agricultores desses tempos memoráveis em que, a par dos produtos genuinamente hortícolas, se adquiriam muitos mais frescos e hortaliças, e bem mais baratos pela dispensa do intermediário, vulgarmente apelidado de reaccionário, especulador e fascista, ou simplesmente de facho.

Hoje, Belmiros e cª são empresários encadernados e condecorados, exemplos maiores e internacionalizados da distribuição organizada, num país que se lhes devia entregar de vez e de bandeja, ao invés da bagunçada em que parlamentos e parlamentozinhos, cheios de boas intenções, nos metem a cada dia que passa.

Encontrei às Corunheiras não um rossio mas um terrado, e se teimam chamar mercado da reforma agrária aquilo, hão-de explicar-me por que, tantos anos após as riquezas prometidas, me encontro cada vez mais pobre. PPC tinha razão, iríamos empobrecer, eu é que, crente e parvo como sempre, nunca julgara que tanto....

Contudo avancei decidido a não aparecer de mãos abanando na festa do S. Martinho. E para ser franco terei que admitir ter-me deliciado mais com o inusitado passeio que com as compras efectuadas.

Adquiri na casca umas magnificas castanhas de Marvão, mais atraído pela embalagem plástica em que vinham, e cujo logótipo, uma espanhola colorida gritando “olé” e ensaiando um passe de qualquer moda Andaluza me seduziu, que pelo aspecto das ditas, até porque, misturadas no braseiro com as demais por outros levadas, nem cheguei a saber se as bichosas eram as minhas.

Exultei com as variedades de feijão, branco, castanho, manteiga, encarnado, catarino, frade, preto, todas bem arrumadinhas em higiénicos alguidares de plástico e vendidas por casais que anteriormente conhecera de fábricas, lojas e escritórios da cidade e entretanto falidos, agora honrosa e forçadamente arrancados à sua zona de conforto e reciclados em quintaneiros de ocasião, aos quais apenas faltavam as mãos rugosas e calejadas da minha lembrança sobre as gentes ligadas à terra.

Mas aceitei o facto, combalido mas aceitei, todos temos ou têm direito às novas oportunidades que diariamente se nos abrem.

Delirei com a visão de cebolas e cabeças de alhos entrançadas, as quais me lembraram a Lúcia dos meus tempos de adolescente e do bairro da Comenda, amor que me fora roubado pelo Inácio Granja e par que nunca mais vi desde esses tempos tão remotos. Será que ela ainda usa as tranças até à cintura e pelas quais em tempos idos eu me perdera ?

Não sei se pela Lúcia, se das cebolas, dei com os olhos rasos de lágrimas, de tal modo que me apressei a disfarçar mirando as clementinas das quintas dos arredores, também elas enfeitadas com a tal espanhola do “olé”, que aliás estava por todo o lado, das peras às romãs e dióspiros, o que, misturado com os clamores das gentes, me lembrou mais os mercados da Jordânia, do Iraque, da Síria e de Marrocos, (esses sim, verdadeiramente genuínos, sem espanholas nem embalagens acusando vácuo, e muito menos o luxo de multicoloridos alguidares plásticos), que recordações dos mercados da Ribeira ou do Bolhão...

Adorei a imagem de alguns pseudo-intelectuais da nossa praça, de cestinha de verga abarrotando de produtos pseudo-biológicos e calçando alpargatas muito “in”, bamboleando-se para se desviarem da populaça suada, de ar casto e sério mas giríssimos.

É de gente assim que aquele mercado precisa, compram muito e dão-lhe um ar chiquérrimo que nem um mercadinho que visitei em Bruxelas juntinho ao edifício da UE alguma vez logrará alcançar.

Mas para que não digam que estou a ser faccioso, garanto-vos que me apliquei a sério numa de integração social no dito cujo, tanto que até compras fiz a dois jovens maricas, (pelo menos assim me pareceram e eu gosto de ser vero e honesto nas minhas apreciações e opiniões) e lindos nas suas camisolas cavadas, em pleno Novembro, umas taras de homens, músculos e tatuagens à mostra, uma delas muito sensibilizadora, apelando ternamente ao “amor de pai”, no bracinho do lado do coração, contrastando com uma outra, mais máscula, um dragão vomitando corações de fogo, no ombro direito...

Fiquei impressionadíssimo !

E tão empático que não me fui sem lhes comprar uns queijinhos alentejanos, muito bem embalados e com um selo de garantia lindo, prateado, com a palavra “Mérida” gravada em relevo e em itálico.

Tudo tinham tão bem acondicionado num balcão frigorífico que nem a ASAE se atreveria a questionar, a menos que embirrasse com a EDP pela falta de corrente no lugar.

Claro que vim de lá embevecido, como poderão calcular, tão embevecido que fui incapaz de não mandar uns olhinhos de carneiro mal morto a uma quintaneira camponesa e afogueada com os ramos de crisântemos que não tinha mãos a medir e a vender, e me presenteou com a visão miraculosa de dois seios criados no campo e que, aposto, deleitavam qualquer um que se chegasse à sua banca, contudo, todavia, mas porém só devia ter aqueles e decerto já guardados para algum cliente mais madrugador, pelo que me atravessou com tal olhar que dei as compras por terminadas e fui à minha vida com os olhos orbitando e encalhando em tudo que eram espias a segurar as barracas, até me estatelar no chão, para minha vergonha, e risota de toda a gente.

O S. Martinho correu melhor que as torneiras nos garrafões de água-pé e, se querem saber, as arranhadelas que tenho no queixo e no nariz devem-se a ter encalhado num copo deixado por ali ao acaso, mas essa é outra história que talvez um dia vos conte.

E o vosso S. Martinho ?
Como foi ?
Como correu ?

Do meu nem me lembro !



quarta-feira, 12 de outubro de 2011

92 - UMA DOR ASSIM........................




Àquela hora a festa estava animada.

“Noite Africana”, mais de uma centena de estudantes universitários das nossas antigas províncias ultramarinas, numa proporção de cem negros para trinta brancos e idêntica nas mulheres para os homens pois elas estão por toda a parte e a conquistar tudo.

Ouviam-se músicas de África, entornavam-se caipirinhas do Brasil, para a malta daquelas bandas, escoava-se cerveja da nossa, a coisa tava mesmo mais animada que o costume.

Não bebi em excesso, nunca bebo aliás, talvez por isso mais lúcido e com o olhar mais arguto, dei com ele estirado meio debaixo do improvisado palco, cerveja entornada, ele entornado, baba e ranho confundindo-se-lhe com as lágrimas que ao escorrerem lhe marcavam sulcos “cavados” cara tisnada abaixo.

Conheci-o logo, como eu era um dos frequentadores assíduos daquelas tertúlias e meu amigo, como eu normalmente um homem feliz, sempre animado e animando os outros. Não naquela noite. Nem parecia ele, desbragado, ignoro mesmo se não mijado, orgíaco, perverso, choroso, pesaroso, ferido nos sentimentos, melindrado com o mundo, ofendido, tudo isso lhe vi nos olhos baços de toldados que lhe deixavam ver a alma em turbilhão.

- Que coisa Gilberto! Que se passa contigo amigo ?

E ele nada. Mirou-me, como se eu o culpado das suas mágoas, logrou num gesto brusco entornar-me a cerveja que tinha na mão e se lhe derramou por cima, mais empapado ou encharcado tendo ficado, num gesto que, mais que hostilizar procurava certamente afastar-me.

Calei-me. Dobrei as pernas, agachei-me para melhor o ouvir no balbuciar lamuriento que iniciou mas foi inútil. Entendê-lo não era matéria fácil.

Ébrio, gaguejando da embriaguez, somente palavras soltas e bem poucas lhe consegui apanhar, como quem, no ar, num gesto reflexo e rápido apanha um mosquito, uma borboleta da luz, uma mosca em movimento.

-  Tudo cinismo, …foi uma cínica…

E lá ia calando ou falando entre dentes, intercalando no discurso erróneo frases perceptíveis com outras que não apanhei de todo.

- “ Vive de ilusões, vive numa ilusão é o que é ! ”

E voltava a calar-se, a manter ou a continuar perorando uma ladainha só para ele com sentido.

–  Fui usado, usou-me, traiu-me, traição ! 

E as palavras continuavam a soltar-se-lhe com tanta coerência quanta a que existe nas bolinhas de sabão sopradas ao ar pelas crianças.

- Para que lhe servi eu afinal ? 

Cinismo, tudo aquilo era oportunismo e cinismo.

Eu franzi o cenho. Quem o teria usado ? De quem o cinismo ? Quem o ou a oportunista ? Que traição ? Usado como e para quê ? Babou-se de novo mas deixou acender-se-lhe no rosto um mar de lágrimas. Nem me atrevi a perguntar-lhe se queria uma cerveja, tratado até demais estava ele, fui metendo umas frases soltas, umas palavras por outras para tentar cerzir-lhe o discurso ininteligível, mas foi chão que não deu uvas.

- E o Porto, o Porto há-de se outro engano, como foi o de Guimarães .
Estaria falando de futebol ? Eu sabia-o Sportinguista, mas nunca o vira lamentar tão pouco o seu clube, quanto mais outros !

– O Guimarães pois ! Foi a Guimarães ver o D. Afonso Henriques ! Dois dias de penosa viajem para ver D. Afonso Henriques, e Braga ! 
Pois ! Braga por um canudo !

E eu cada vez mais intrigado com a coisa. Peguei-lhe num braço, sacudiu-me, nem estava em condições de levantar-se, contudo consegui que ficasse numa posição mais cómoda e até que evitasse vir a sufocar no próprio vómito caso tal lhe acontecesse.

Agradeceu-me com um brigado Baião, és um amigão dos verdadeiros.

– Sou mais um Gilberto, tens tantos amigo ! 

Não queres vir sentar-te ao pé da malta ?

– Não ! Deixa-me só porra ! Deixa-me só que eu ainda sou verdadeiro ! Nem preciso de libertação ! Qual libertação nem qual c……..(pi) Mas quem é que a prendia f………..? Alguma vez a prendi ? Tu conheces-me Baião, alguma vez prendi alguém ? Alguma vez te menti ? Ou a alguém ? Não merecia isto amigo ! Eu não merecia, condicionamentos, condicionamentos uma merda, não condiciono ninguém ! 

Não prendo ninguém ! E quando digo que tenho sentimentos tenho mesmo ! Porra para isto tudo pá ! Porra pa tudo isto amigo Baião ! Ela que fique lá com a sua libertação e a sua liberdade ou o caraças pá ! Mentiras, foram tudo mentiras, sempre mentiras, sempre ilusões, eu nunca tive ilusões, ela sim, vive nelas, delas e para elas. Bom proveito lhe façam, se é mal que se cure o médico que a ature ! Ai e atura sim ! E de que maneira ! E eu que acreditei quando a ouvi estou feliz só porque te encontrei ! E agora ? Agora quem sabe, talvez um dia eu aprenda a esquecer, não sou velho, velho é quem vive do passado, de recordações, não quero, talvez custe a esquecer mas não quero.

- É o meu dia de anos Baião, é tempo de ganhar juízo. A vida é mesmo assim, quando se pensa que se conquistou é que se perde. Verdade amigo, tou triste, muito triste, nem tudo é como desejamos. Parece castigo, parece a solidão querendo acabar comigo. 

Sou forte, vou recuperar, tenho que recuperar, tenho que demonstrar alegria, até quando não a tenho né amigo ? Ser forte é calar quando o ideal seria gritar a todos a minha angústia.

– E calou-se, calou-se tão repentinamente quanto tinha começado aquela lengalenga doída, os olhos fecharam-se-lhe adormecendo de vez.

Dobrei-lhe o blusão em almofada e coloquei-lho debaixo da cabeça suada, fiz-me á vida e á festa meditabundo mas sem o perder de vista, uma dor daquelas não podia ser deixada ao acaso.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

91 - Inch allah …



Já vira aquela cara em qualquer lado. Não como agora me aparecia, magra, macilenta e mais cavada ainda pela falta de cabelo, rapado à escovinha, feições um tudo-nada famintas, aliás comuns a tantos iraquianos que todos os dias me passavam pela frente.
Por muito que me esforçasse não lograva lembrar onde e em que condições vira já aquela cara. 
Karim Saleh, assim se chamava, encontrava-se connosco ou deambulava entre nós a todo o momento, sendo mais chegado ao grupo dos franceses, língua que melhor dominava por certo, pois esse factor era muitas vezes determinante na nossa escolha do lugar à mesa, do grupo de amigos, da zona da recepção do wall do hotel, em cujos sofás perdíamos (?) tanto tempo, ou de quaisquer outras atitudes por nós tomadas.
George, o americano simpático, como lhe chamávamos, já me havia pedido camisolas, calças ou ténis 41 que servissem a Karim, que só possuía a roupa em cima do corpo e que tudo perdera no rolo compressor da guerra.
Por qualquer razão que não lembro fiquei por saber o que quereria George dizer, ou que fatalidade caíra sobre Karim privando-o dos seus bens. Muito ou pouco, naquela situação todos tínhamos roupas em excesso para as necessidades, pois ali não havia lugar para fazer valer as modas, nem tempo ou oportunidade para isso.
Muitas vezes nos deitávamos vestidos, já que era habitual o sono resumir-se a muito pouco tempo e termos que nos levantar de rompante, quer para assistir a qualquer combate ou fogo de artifício, quer para nos abrigarmos se o caso a isso aconselhasse.
As roupas, o seu corte e colorido, ajudavam muitas vezes a que, no meio daquela babel, nos identificássemos uns aos outros com maior facilidade, mesmo ao longe.
Jean Jaqques viera um dia junto de mim com idêntico pedido, de modo que lhe disparei logo as minhas interrogações. Sim, tinha motivos para recordar Karim, respondeu-me com uma certeza certeira, viramo-lo na embaixada do Iraque em Damasco, era tunisino, vivia em Paris, onde não por acaso tinha a família, mulher e duas crianças pequenas, um casalinho. Deixara um bom emprego, era licenciado em económicas, tinha uma boa vida e carreira promissora.
Karim, como bom muçulmano, respondera aos apelos à guerra santa e apresentara-se como voluntário para lutar pelo Iraque. Como ele, que me lembre, havia na embaixada centenas de outros muçulmanos. Quinze dias depois Karim Saleh perdera tudo e pedia, entre nós, quem lhe pudesse dar uma ou outra peça e um par de sapatos.
Nunca privei com Karim, Jean Jaqques sim, e dele me dizia ser um indivíduo com uma cultura acima da média, com quem gostava de falar, que não era nenhum fanático da religião e cujas ideias filosóficas gostava de partilhar. Resumindo, tratava-se de um bom homem, coerente e crente, racionalista quanto bastasse, que precisamente por isso parecia ali deslocado, lutando por uma causa que nós sabíamos não se coadunar nem com a sua honestidade nem com a sua coerência.
Todavia os preceitos da religião islâmica falaram mais alto, Karim foi incapaz de negar ajuda a um outro muçulmano que lha havia pedido.
Hoje mesmo o vi em animada conversa com o Jean Jaqques na sala de refeições, a eles me dirigi, curioso de observar as referências que sobre si o meu amigo tinha tecido. Não tive tempo para isso, antes mesmo que eu me aproximasse Karim foi chamado por dois homens que nunca ali vira, pediu desculpa a Jean Jaqques pelo facto, alegou não demorar, logo acabariam a conversa e sumiu-se pela porta da cozinha com os seus acompanhantes.
Jean Jaqques contou-me então por que razão Karim nada tinha de seu, era um dos sobreviventes de fortes combates que tinham tido lugar dias antes em Karbala e opuseram o exército americano ao iraquiano, onde tinha sido incorporado com mais duas centenas de “fedayn”, sem submissão a qualquer tipo de treino, e a quem tinha sido dada somente uma farda e uma arma.
 Karim Saleh tinha sido por graça de Alá um dos dez únicos sobreviventes da ultima batalha pelo controle daquela cidade santa, vira morrer ao seu lado quase todos os companheiros voluntários nessa luta que nem era deles, vira coisas que decerto não iria esquecer, por muito que se esforce nesse sentido, iria ficar marcado para toda a vida.
Irá interrogar-se e repreender-se infinitamente por esse esforço vão ?
Jean Jaqques e eu esperámos igualmente em vão que Karim voltasse.
Jean J. resolveu, após imenso tempo volvido, ir bater à porta por onde Karim tinha levado sumiço, nada… apenas a ameaça de não ter nada que meter ali o nariz, e o aviso de que com aqueles homens não se brincava.
Nada mais era preciso para percebermos o que se tinha passado, os serviços secretos iraquianos, por razões desconhecidas e com resultados imprevistos tinham tomado conta de Karim Saleh.
 Receámos que acontecesse o pior ao nosso amigo, metemos as mãos nos bolsos e abalámos cabisbaixos remoendo o raio da situação e como poderíamos interceder positivamente nela.
Estávamos no Iraque, estávamos em guerra, nada seria, ou deveria ser surpresa para nós, ainda assim...
Ainda assim Karim saiu vivo da desventura, encontrámo-lo no dia seguinte.
Algumas das nossas impressões estavam correctas, os serviços secretos avisaram-no de que não deveria falar com ninguém sobre o que lhe sucedera em Karbala, sobretudo com estrangeiros, e, como o sabiam um homem culto, poliglota e com uma vivência no mundo ocidental, fizeram-lhe sentir que uma derrota não é o fim de uma guerra, a sua devoção à causa islâmica poderia ainda vir a ser posta à prova, até lá, muito juízo e bico calado.
 Quero crer contudo que estas insinuações, mais que a batalha feroz a que sobreviveu em Karbala, terão aberto os olhos ao nosso amigo Karim, cujas preocupações, espelhadas no facto de mirar tudo em redor enquanto falava connosco, lhe proporcionaram a certeza de estar envolvido numa engrenagem cuja grandeza e contornos nunca terá imaginado, para a qual não estaria muito voltado e da qual não veria maneira de se libertar.
Que Deus o ajude.  
Oxalá...
Inch allah … 

in Baião, Humberto - A Guerra no Iraque - Nossos Futuro - Évora - 2005

domingo, 25 de setembro de 2011

90 B - A ACELGA E CEBOLINHA .............................

                                                          Pablo Picasso "Mulher nua numa poltrona vermelha"



- Cebolinha você anda comendo acelga ?
- Ando sim Mónica !
  Celga, sulda, mulda, mim nã tel pleconceitos !

Naquele dia a anedota que acabei de vos contar foi a única coisa na mesa que em comum partilhámos, rindo todos do espirito e da maldade intrínseca à coisa, pois de resto foi essa mesma coisa que, nesse mesmo dia, para além das impressões com que cada um ficou dos demais e do extremo a que as expressões de outros chegaram, tendo sobrado e no mínimo sendo suficientes para que um mais entusiasta e mais dotado, o Anacleto, tivesse dado inicio a nova cena pintando no ar e em gestos esfusiantes um quadro abstracto.

- Ou psicadélico atirou o Angélico.

Isto por na sequência da cebolinha e da acelga, o Souto que é mouco e o Saúl que é surdo, terem dado origem a um debate acerca das virtualidades da cozinha vegetariana ou vegan, recordando as receitas para diarreias (1), para a prisão de ventre (2), para a obstipação (3) a que o outro contrapunha a alfarroba para os nervos e o raciocínio célere (4). Até o apóstata do Baptista veio à liça com os orégãos e os brócolos (5), ideais para a próstata e a bexiga. - E para os rins apressou-se a acrescentar o Martins.

Ultrapassada esta querela originada pela secção senil da mesa número quatro do nosso habitual café das terças, onde participo mas não me incluo, e se querem saber do que padeço aduzirei ser simplesmente de priapismo sazonal, aliás como toda a família por parte do lado materno. Dizia eu que ultrapassada esta fase da querela hipocondríaca, o pessoal se virou então para a discussão das impressões e expressões sentidas e usadas, o que por sua vez levou a conversa para o campo do impressionismo / expressionismo, na senda das achegas introduzidas pelo Anacleto e o Angélico, que naturalmente vieram desestabilizar as coisas e gerar a habitual confusão, não sem que anteriormente tivesse ficado assente tratar-se de matéria de alta subjectividade e especialmente volúvel, nas palavras do Amável que me deu uma cotovelada capaz de meter as costelas para dentro a um urso, só porque a Micas do Quiosque Primavera veio à rua em mini-saia desatar os fardos de jornais deixados encostados ao rodapé do balcão.

- Topa-me aquelas trancas, o peito e aquelas ancas de égua ó Baião !

E eu – Xi pá ! Olha que há gente ouvindo-te, não me comprometas porra, tem modos e maneiras caraças ou saltas dessa cadeira.

E enquanto o Amável olhava para a Micas e só via o pernão, o rabo e as mamas, eu era incapaz de ver o que a ele tanto exacerbava vendo na pessoa em causa uma mulher trabalhadora, sofrida, sensível, simpática, prestável, altruísta e amável como ninguém, enfim uma pessoa com todas as qualidades para fazer um homem feliz e a quem eu jamais pensaria deixar de comprar os jornais, revistas e por vezes uma ou outra pastilha elástica só para não ficar ali pasmado olhando tão bondosa quão prestimosa figura, sem pedir nada, sem fazer despesa, sem uma qualquer desculpa por muito esfarrapada que fosse.

Logo o Duarte, que é versado em arte e lobrigando a nossa conversa, sacando do telemóvel veio com o exemplo de “Mulher nua numa poltrona vermelha”, uma tela nitidamente expressionista e em que o artista, tal qual o Amável, pintara o que o sensibilizara, pintara o que vira, pintara o que fixara, para Picasso a mulher seria reduzida a mamas e pernas, o resto eram peanuts, mulher objecto alguém diria hoje.

- E com alguma razão, atirou o Semião. - Tenham paciência mas quanto a mim só foi exaltada a beleza, disse loquaz a Leonor Beleza. – Não me sinto minimamente diminuída por essa tela, vocês homens são um poço de contradições, ou elas são umas felosas e raquíticas, pau de virar tripas ou esqueléticas sem ponta por onde se lhes pegue ou são objecto, como disse e desdisse o Duarte e o Semião. Quanto a mim o pintor pintou a beleza, uma mulher nutrida, com formas, cheia, cheiinha, como na época eram preferidas, que mais querem vocês, um atestado da paróquia garantindo o cadastro limpo, o bom comportamento e idoneidade do pintor junto com a tela ? Vão-se catar.

- Porra pá ! Esse tal Pablo faz uns desenhos do caraças ! Impressionam mesmo ! Tou a gostar ! – Isto babou o alarve do João Jessé ao ver o quadro que o Casimiro lhe mostrara no télélé, enquanto lhe repetia o caracter expressionista da pintura, mais o confundindo o facto de estar aludindo a uma pintura que o impressionara.

- Toma lá nota ó JJ para ver se entendes desta vez, o expressionismo é a expressão do que o artista captou, ele viu uma mulher e não viu, talvez fosse um tipo novo esse Pablito e estivesse na força da idade quando pintou esse quadro e então, cheio de força na verga o que ele enxerga são só pernas, cu e mamas entendes ó paspalhão, vê lá se aprendes duma vez por todas ó meu c _ _ _ _ _ _ Esta última explicação deu-lha, quer dizer enfiou-lha na mona o Ramalho, que tinha sido prof. de artes visuais e era tu cá tu lá com Picasso, Kandinsky, Monet, e outros que tais. 

Van Gogh, “Noite estrelada sobre o Ródano”

- Mas afinal o que é essa coisa do impressionismo que tanta controvérsia e confusão gera, é que não entendo, não me entrou ainda no crânio. Gritou-nos o Epifânio num apelo, agitando-se na cadeira em que se mexia e remexia visivelmente transtornado e a quem o Amado explicou e pacientemente acalmou:

Olha lá ó Epifânio, isto é fácil de entender, e uma pintura não é uma epifania e, virando-se para a Maria Surumenho, sim essa mesmo, casada em terceiras núpcias com o Barrenho, tendo-lhe solicitado cortês e amavelmente que puxasse no télélé a imagem da “Noite estrelada sobre o Ródano” de Van Gogh, o que ela fez com inusitada destreza para a idade mas uma rapidez e sageza de quem é vezeira nestas coisas dos museus, das vitrinas e patine.

- Topa aí ó caramelo, Van Gogh olhou o céu numa noite limpa e viu estrelinhas, estrelas cadentes, galáxias, planetas e cometas, e que fez, não nos pintou o céu, pintou o que o impressionou, pintou estrelas brilhando, irradiando e correndo, movendo-se na abóboda celeste, girando e rodopiando, percebeste agora ou é preciso fazer-te um desenho ou mandar-te para o Jardim da Celeste ouvir o “Na Loja Do Mestre André” ? Van Gogh pintou a impressão que colheu topas ?

Van Gogh, “Noite Estrelada”

 Estavam eles embrenhados nesta frutuosa discussão quando apareceu a Etelvina, em surdina fez-me sinal para que atirasse os olhos para o saco que trazia, lá dentro duas garrafas de aguardentes caseiras, poejo e medronho que ela sabia eu apreciar sobremaneira sobretudo no inverno. Conseguimos escapulir-nos ainda antes da chegada dos Giões, a Ana e o Hugo, os Reis da Cãozoada como carinhosamente lhes chamamos, porém um perigo para qualquer garrafeira, quer um quer outro não aguentam o inverno … Não são menos confusos nem menos difíceis de aturar que os pintores, uns pintam expressões, outros impressões, uns riem, há-os sérios, naturalistas, ou futuristas, ou ainda surrealistas, isto quando não se abstraem de todo ou ficam apanhados da psique...

 Vincent Van Gogh "O Semeador"  

 (1) Bom para diarreias - Fazer uso de alimentos obstipantes: maçã sem casca, banana prata, caju, goiaba, lima, laranja-lima, banana da terra cozida, pêra; Dar preferência a vegetais cozidos como: cenoura, batata, chuchu, beterraba, vagem, batata-doce, inhame; Preferir pão torrado, biscoitos (água e sal); Ingerir leite desnatado ou produtos fermentados; Utilizar os queijos com baixo teor de gordura.
(2) e (3) Prisão de ventre e obstipação - A ingestão de fibras é fundamental para o bom funcionamento intestinal. As fibras são carboidratos não digeríveis, ou seja, elas passam por todo o trato gastrointestinal e chegam no intestino grosso. Bactérias adoram fibras. O intestino grosso é o local do nosso corpo onde as bactérias existem em maior abundância. Assim, quando as fibras chegam no intestino grosso, as bactérias começam a "trabalhar" nessas fibras, produzindo, dentre outras coisas, glicose.
(4) Nervos e raciocínio - A alfarroba é um alimento saudável e de elevado valor nutritivo. Contém vitamina B1- colaboradora para o bom funcionamento do sistema nervoso, músculos, coração e melhora na atitude mental e o raciocínio
(5) Orégãos e brócolos - Os brócolos são uma fonte de benefícios nutricionais muito importantes, normalmente não descritos numa tabela nutricional convencional. Sendo um membro da família das crucíferas (que engloba as couves, a couve-flor), os brócolos contêm uma grande quantidade do fitonutriente sulforane, que apresenta propriedades anti-cancerígenas. O sulforane promove a actividade das enzimas desintoxicantes do organismo, o que ajuda a eliminar mais rapidamente elementos potenciadores de cancro.

Vincent Van Gogh, "O Terraço do Café à Noite"

90 A ................... MAHINGA MAMI * .......................


Os últimos dois botes a tocar a praia. 

Tudo começou durante as compras de Natal ao queixar-me à Margarida, numa resposta que curiosamente era até concordante com a posição dela;

- Pois ! Por isso detesto o Natal, tudo que nem um louco comprando o que pode e o que não pode... Eu tenho lá paciência... Imagina tu que uma amiga até tentou engatar-me há quinze minutos ali atrás no corredor das águas e dos Ice Tea... Eu seria a prenda de Natal dela... Não fosse ela ter mau hálito e ainda a teria ouvido até ao fim mas detesto maus cheiros sobretudo desde que andei com um preto morto nas traseiras dum Unimog quase uma semana.

Nós nem dormiu, por uma semana toda inteira eles e os brancos terem dado reboliço na sanzala. Ele veio soldados e armas, e jipes, tudo em carradas, todos em festa, brancos e negros todos bebendo e enxotando nós para longe. Nem soba tinha mão nos festivaleiros e quando a xaranga calou-se nós todos desconfiados né ? Por isso hoje ter acordado cedinho p’ra juntinhos seguir eles, que estão todos se levantando no silêncio e se metendo ao caminho sem estrampido que acorde um babuíno e todo mundo sabe dormir ele cum olho fechado e outra orelha levantada. Nós entreolhámos entre a neblina e nós viu, soldados em barcos saindo do mar como feitiço e pisando no areia e abraçando os nossos sem pio, tudo ali pela calada por isso a Djá estava desconfiando-se e cuidando de nós não piar. Uns dias atrás Kima ameaçara e assustara ela lhe dizendo que se gaiato nom dispersar vai levar ai vai vai e nós saber que ele ser duro e bruto como búfalo em desvario. Tipo aquele grande e alto ali no meio do negros dando ordens é m’ermão Zé Rosa por isso cala gaiato e cuida de não dar estrilho agora ou m’ermão vai afogar a gente p’ra ficar calados. Quando gente for grande gente vai lutar como ele e honrar esta nossa terra pátria mãe e enxotar branco daqui p’ra longe.

No entretanto ondulávamos ao sabor das vagas mansas e apressávamo-nos a remar em direcção a terra antes que o sol rompesse e nos pudesse denunciar. Quatro pneumáticos por pequenos que sejam seriam uma mancha negra no mar azul e passível de ser vista a milhas de distância por isso havia que remar direitinhos ao grupo dos Unimogues que nos esperava na praia. Para trás era impossível voltar e as ordens tinham sido bem claras, submergir e zarpar mal largados os homens, um submarino ali se descoberto daria um escândalo de nível mundial.        
               
                               Rasto dos jipes  numa das extensas praias.

Vista do mar a costa da Namíbia era linda, praias douradas escondidas entre falésias negras, orla costeira com milhas e milhas a perder de vista ou penhascos caindo abruptamente sobre o mar. Não fosse o receio de sermos descobertos, os Unimogues poderiam atingir quase cinquenta milhas por hora, e galgaríamos imenso terreno em pouco tempo. Em vez das praias e do areal a prudência aconselhou contudo o caminho pela savana, o resguardo do capim alto e das árvores, ainda que poucas, por entre as quais a coluna de Unimogues serpenteava lentamente com paragens escassas, a fim de aferirmos a posição, calcularmos a distância ao alvo e os tempos de deslocação necessários para o alcançar. O objectivo era um acampamento militar a partir do qual os sul-africanos lançavam raids que massacravam toda a zona da fronteira sul. Os serviços secretos cubanos não tinham falhado, o acampamento, cuja acção mortífera se fazia sentir em todo o sul da província estava agora sinalizado, marcado. Contávamos com o efeito surpresa de uma operação relâmpago e o êxito da nossa missão estava pouco menos que exclusivamente dependente disso. 
              
                         O fantástico todo o terreno Unimog. 

O facto de sermos em menor número que aqueles contra quem nos esperávamos confrontar seria contrabalançado pelo efeito surpresa, pelo moderno equipamento e armamento indicado que carregávamos e pela superior preparação, treino e capacidade dos homens da nossa coluna, todos eles seleccionados entre os melhores, eles e elas. Não poderíamos dar-nos ao luxo de correr o menor risco ou a nossa retirada estaria comprometida. Todas as vozes daquele acampamento teriam que ser caladas, os hélis sabotados e o posto de rádio destruído sem que restasse a mínima dúvida. Um clique do rádio e teríamos os hélis do South African Army à perna e isso era o que todos nós mais temíamos.
           
                             Rasto dos jipes  noutra das extensas praias.

Após meia semana de penosa e sigilosa marcha passámos a avançar a coberto da noite, a pé e com a segurança de dois batedores duas horas à frente do grupo de guerrilha. Finalmente ao quinto dia ainda o sol não tinha despontado e o objectivo estava à nossa frente, nem escondido a coberto do mato, na orla do Calaári e fora da savana, inconcebível, todos naturalmente o buscariam e esperariam encontrar rodeado de mato. Optámos por não atacar ao amanhecer como seria normal, com toda a gente dormindo e as sentinelas cansadas e sonolentas. A nossa coluna estava exausta, homens e mulheres necessitavam de descanso, de recuperar forças, e as armas de limpeza, manutenção, pelo que unanimemente escolhemos atacar ao cair da noite e quando todos eles, obedecendo às ordens de recolher estivessem já deitados e adormecidos. As sentinelas seriam silenciadas à vez. A táctica surtiu efeito, o ataque foi desencadeado e uma hora depois gritávamos êxito. Fiz soar um assobio para rescaldo, concentração e reunião do pessoal.

Quando grande mim querer ser guerrilheiro, Djá e Cila Cumaio também quererem ser como meu grande ermão Zé Rosa. Família Rosa lutar há vinte anos sempre com seus melhores filhos e guerreiros na luta e na frente. Família ter pergaminho desde tempo do avô Rosa que ser dos primeiros a ter dado corpo nas balas e primeiro caindo na honra da Pátria mãe, avô Rosa se finou em confrontos de má memória lá no ano longe de 61. Depois da vez dele família sempre seguiu na sua coragem e exemplo se valorando e se adentrou sempre na luta portanto subiu alto na disciplina e na escala ascendente do coturno do partido. 
             
        Unimogues todo terreno utilizados nas guerras de Àfrica.

Uma vez reunidos contámo-nos e recontámo-nos, foi feita chamada e apreciação de danos, Micolo, Chicoti, Gourgel, Mutinde e Canga estavam feridos ainda que sem gravidade, elas tiveram menos sorte, Kussumua e Muandumba apresentavam ferimentos que exigiam mais atenção e inspiravam maiores cuidados. Dificuldade acrescida para chegarmos de novo aos Unimogues, escondidos na mata e a um dia de viagem a pé. Zé Rosa o grande não aparecia, dez dos mais novos foram colocados de vigilância e os restantes empenhados na busca apesar da noite de breu. O gigante negro foi encontrado passado algum tempo, pelo cenário defendeu cara a vida mas acabou esventrado, por baixo dele um oficial do SAA jazia morto, mas antes de morrer estripara-o. Dei ordens para que lhe metessem tudo no buxo e o corpo fosse levado numa padiola, alguém a improvisasse com dois paus e lona das tendas. Que aproveitassem parte da lona para cobrirem o corpo. Aquela baixa ditara uma vitória amarga, levar o corpo, que carregámos durante quase uma semana num jipe para entregar ao soba e à família a fim de lhe darem descanso à alma e fazerem o luto foi o mínimo que a decência, consciência e solidariedade exigiam...

Passado ano e meio, famintos, sedentos e cansados, a bem dizer fugidos duma outra operação que ao contrário desta correra mal** e em que perdêramos dois homens, todas as viaturas e muito material, embora tivéssemos safado o coiro, revisitámos a mesma aldeia donde Zé Rosa o grande era natural e fora enterrado. Notava-se ainda no ar a dor da sua perda, noite dentro e ignorando a bela voz que a cantava ouvi pela primeira vez cantar "Mahinga Mami" (Meu Sangue) uma velha canção de dor e de saudade. 

           Hoje passados cerca de 40 anos é cantada por Jorge Rosa* que a retirou do Youtube sendo cantada por ele somente em privado. Compreenderão porque não consigo ouvi-la sem que me cheguem as lágrimas aos olhos.

Atenção ! Submergir !


* Num vídeo cuja canção é aparentemente filmada e cantada nas praias e falésias onde há 40 anos um grupo de guerrilheiros desembarcara de madrugada a partir de um submarino para fazerem frente à África do Sul que nunca apresentou publicamente protestos pelo ataque de que o SAA foi alvo. Por seu lado o ataque embora com inegável e incomparável sucesso também nunca foi reivindicado por ninguém pelo que tecnicamente a história que acabou de ler nunca teve lugar. Uma das primeiras versões desta canção, cantada por Fernando Sofia Rosa pode ser ouvida neste link: - https://youtu.be/haN4r-zIqeo  A versão de Jorge Rosa, mais sentimental vi-a e ouvi-a há alguns dias no programa RTP África, foi essa a razão na origem do desenterrar destas saudosas e penosas recordações.  




Um perigoso desembarque.