segunda-feira, 14 de novembro de 2011

93 - S. MARTINHO.......


                            
" Pelo S. Martinho, vai á adega e prova o vinho "...

Convidado por amigos para a festa do S. Martinho, apressei-me a adquirir a parte que me caberia no bodo ao santo, bodo que pagaríamos entre todos.

Levantara-me preguiçosamente tarde no sábado anterior, por a noite de sexta ter sido intensa, e, coçando as ramelas, rumei ao tão badalado mercado da reforma agrária, ali às Corunheiras, mercado que pensara ter acabado, como aliás se acabaram tantos direitos adquiridos e promessas prometidas pelo 25 de Abril, e hoje não mais que ilusões para enganar os papalvos.

Ainda recordo os tempos áureos do Rossio de S. Braz pleno de tractores, bancas, quintaneiros e agricultores desses tempos memoráveis em que, a par dos produtos genuinamente hortícolas, se adquiriam muitos mais frescos e hortaliças, e bem mais baratos pela dispensa do intermediário, vulgarmente apelidado de reaccionário, especulador e fascista, ou simplesmente de facho.

Hoje, Belmiros e cª são empresários encadernados e condecorados, exemplos maiores e internacionalizados da distribuição organizada, num país que se lhes devia entregar de vez e de bandeja, ao invés da bagunçada em que parlamentos e parlamentozinhos, cheios de boas intenções, nos metem a cada dia que passa.

Encontrei às Corunheiras não um rossio mas um terrado, e se teimam chamar mercado da reforma agrária aquilo, hão-de explicar-me por que, tantos anos após as riquezas prometidas, me encontro cada vez mais pobre. PPC tinha razão, iríamos empobrecer, eu é que, crente e parvo como sempre, nunca julgara que tanto....

Contudo avancei decidido a não aparecer de mãos abanando na festa do S. Martinho. E para ser franco terei que admitir ter-me deliciado mais com o inusitado passeio que com as compras efectuadas.

Adquiri na casca umas magnificas castanhas de Marvão, mais atraído pela embalagem plástica em que vinham, e cujo logótipo, uma espanhola colorida gritando “olé” e ensaiando um passe de qualquer moda Andaluza me seduziu, que pelo aspecto das ditas, até porque, misturadas no braseiro com as demais por outros levadas, nem cheguei a saber se as bichosas eram as minhas.

Exultei com as variedades de feijão, branco, castanho, manteiga, encarnado, catarino, frade, preto, todas bem arrumadinhas em higiénicos alguidares de plástico e vendidas por casais que anteriormente conhecera de fábricas, lojas e escritórios da cidade e entretanto falidos, agora honrosa e forçadamente arrancados à sua zona de conforto e reciclados em quintaneiros de ocasião, aos quais apenas faltavam as mãos rugosas e calejadas da minha lembrança sobre as gentes ligadas à terra.

Mas aceitei o facto, combalido mas aceitei, todos temos ou têm direito às novas oportunidades que diariamente se nos abrem.

Delirei com a visão de cebolas e cabeças de alhos entrançadas, as quais me lembraram a Lúcia dos meus tempos de adolescente e do bairro da Comenda, amor que me fora roubado pelo Inácio Granja e par que nunca mais vi desde esses tempos tão remotos. Será que ela ainda usa as tranças até à cintura e pelas quais em tempos idos eu me perdera ?

Não sei se pela Lúcia, se das cebolas, dei com os olhos rasos de lágrimas, de tal modo que me apressei a disfarçar mirando as clementinas das quintas dos arredores, também elas enfeitadas com a tal espanhola do “olé”, que aliás estava por todo o lado, das peras às romãs e dióspiros, o que, misturado com os clamores das gentes, me lembrou mais os mercados da Jordânia, do Iraque, da Síria e de Marrocos, (esses sim, verdadeiramente genuínos, sem espanholas nem embalagens acusando vácuo, e muito menos o luxo de multicoloridos alguidares plásticos), que recordações dos mercados da Ribeira ou do Bolhão...

Adorei a imagem de alguns pseudo-intelectuais da nossa praça, de cestinha de verga abarrotando de produtos pseudo-biológicos e calçando alpargatas muito “in”, bamboleando-se para se desviarem da populaça suada, de ar casto e sério mas giríssimos.

É de gente assim que aquele mercado precisa, compram muito e dão-lhe um ar chiquérrimo que nem um mercadinho que visitei em Bruxelas juntinho ao edifício da UE alguma vez logrará alcançar.

Mas para que não digam que estou a ser faccioso, garanto-vos que me apliquei a sério numa de integração social no dito cujo, tanto que até compras fiz a dois jovens maricas, (pelo menos assim me pareceram e eu gosto de ser vero e honesto nas minhas apreciações e opiniões) e lindos nas suas camisolas cavadas, em pleno Novembro, umas taras de homens, músculos e tatuagens à mostra, uma delas muito sensibilizadora, apelando ternamente ao “amor de pai”, no bracinho do lado do coração, contrastando com uma outra, mais máscula, um dragão vomitando corações de fogo, no ombro direito...

Fiquei impressionadíssimo !

E tão empático que não me fui sem lhes comprar uns queijinhos alentejanos, muito bem embalados e com um selo de garantia lindo, prateado, com a palavra “Mérida” gravada em relevo e em itálico.

Tudo tinham tão bem acondicionado num balcão frigorífico que nem a ASAE se atreveria a questionar, a menos que embirrasse com a EDP pela falta de corrente no lugar.

Claro que vim de lá embevecido, como poderão calcular, tão embevecido que fui incapaz de não mandar uns olhinhos de carneiro mal morto a uma quintaneira camponesa e afogueada com os ramos de crisântemos que não tinha mãos a medir e a vender, e me presenteou com a visão miraculosa de dois seios criados no campo e que, aposto, deleitavam qualquer um que se chegasse à sua banca, contudo, todavia, mas porém só devia ter aqueles e decerto já guardados para algum cliente mais madrugador, pelo que me atravessou com tal olhar que dei as compras por terminadas e fui à minha vida com os olhos orbitando e encalhando em tudo que eram espias a segurar as barracas, até me estatelar no chão, para minha vergonha, e risota de toda a gente.

O S. Martinho correu melhor que as torneiras nos garrafões de água-pé e, se querem saber, as arranhadelas que tenho no queixo e no nariz devem-se a ter encalhado num copo deixado por ali ao acaso, mas essa é outra história que talvez um dia vos conte.

E o vosso S. Martinho ?
Como foi ?
Como correu ?

Do meu nem me lembro !