domingo, 25 de setembro de 2011

90 B - A ACELGA E CEBOLINHA .............................

                                                          Pablo Picasso "Mulher nua numa poltrona vermelha"



- Cebolinha você anda comendo acelga ?
- Ando sim Mónica !
  Celga, sulda, mulda, mim nã tel pleconceitos !

Naquele dia a anedota que acabei de vos contar foi a única coisa na mesa que em comum partilhámos, rindo todos do espirito e da maldade intrínseca à coisa, pois de resto foi essa mesma coisa que, nesse mesmo dia, para além das impressões com que cada um ficou dos demais e do extremo a que as expressões de outros chegaram, tendo sobrado e no mínimo sendo suficientes para que um mais entusiasta e mais dotado, o Anacleto, tivesse dado inicio a nova cena pintando no ar e em gestos esfusiantes um quadro abstracto.

- Ou psicadélico atirou o Angélico.

Isto por na sequência da cebolinha e da acelga, o Souto que é mouco e o Saúl que é surdo, terem dado origem a um debate acerca das virtualidades da cozinha vegetariana ou vegan, recordando as receitas para diarreias (1), para a prisão de ventre (2), para a obstipação (3) a que o outro contrapunha a alfarroba para os nervos e o raciocínio célere (4). Até o apóstata do Baptista veio à liça com os orégãos e os brócolos (5), ideais para a próstata e a bexiga. - E para os rins apressou-se a acrescentar o Martins.

Ultrapassada esta querela originada pela secção senil da mesa número quatro do nosso habitual café das terças, onde participo mas não me incluo, e se querem saber do que padeço aduzirei ser simplesmente de priapismo sazonal, aliás como toda a família por parte do lado materno. Dizia eu que ultrapassada esta fase da querela hipocondríaca, o pessoal se virou então para a discussão das impressões e expressões sentidas e usadas, o que por sua vez levou a conversa para o campo do impressionismo / expressionismo, na senda das achegas introduzidas pelo Anacleto e o Angélico, que naturalmente vieram desestabilizar as coisas e gerar a habitual confusão, não sem que anteriormente tivesse ficado assente tratar-se de matéria de alta subjectividade e especialmente volúvel, nas palavras do Amável que me deu uma cotovelada capaz de meter as costelas para dentro a um urso, só porque a Micas do Quiosque Primavera veio à rua em mini-saia desatar os fardos de jornais deixados encostados ao rodapé do balcão.

- Topa-me aquelas trancas, o peito e aquelas ancas de égua ó Baião !

E eu – Xi pá ! Olha que há gente ouvindo-te, não me comprometas porra, tem modos e maneiras caraças ou saltas dessa cadeira.

E enquanto o Amável olhava para a Micas e só via o pernão, o rabo e as mamas, eu era incapaz de ver o que a ele tanto exacerbava vendo na pessoa em causa uma mulher trabalhadora, sofrida, sensível, simpática, prestável, altruísta e amável como ninguém, enfim uma pessoa com todas as qualidades para fazer um homem feliz e a quem eu jamais pensaria deixar de comprar os jornais, revistas e por vezes uma ou outra pastilha elástica só para não ficar ali pasmado olhando tão bondosa quão prestimosa figura, sem pedir nada, sem fazer despesa, sem uma qualquer desculpa por muito esfarrapada que fosse.

Logo o Duarte, que é versado em arte e lobrigando a nossa conversa, sacando do telemóvel veio com o exemplo de “Mulher nua numa poltrona vermelha”, uma tela nitidamente expressionista e em que o artista, tal qual o Amável, pintara o que o sensibilizara, pintara o que vira, pintara o que fixara, para Picasso a mulher seria reduzida a mamas e pernas, o resto eram peanuts, mulher objecto alguém diria hoje.

- E com alguma razão, atirou o Semião. - Tenham paciência mas quanto a mim só foi exaltada a beleza, disse loquaz a Leonor Beleza. – Não me sinto minimamente diminuída por essa tela, vocês homens são um poço de contradições, ou elas são umas felosas e raquíticas, pau de virar tripas ou esqueléticas sem ponta por onde se lhes pegue ou são objecto, como disse e desdisse o Duarte e o Semião. Quanto a mim o pintor pintou a beleza, uma mulher nutrida, com formas, cheia, cheiinha, como na época eram preferidas, que mais querem vocês, um atestado da paróquia garantindo o cadastro limpo, o bom comportamento e idoneidade do pintor junto com a tela ? Vão-se catar.

- Porra pá ! Esse tal Pablo faz uns desenhos do caraças ! Impressionam mesmo ! Tou a gostar ! – Isto babou o alarve do João Jessé ao ver o quadro que o Casimiro lhe mostrara no télélé, enquanto lhe repetia o caracter expressionista da pintura, mais o confundindo o facto de estar aludindo a uma pintura que o impressionara.

- Toma lá nota ó JJ para ver se entendes desta vez, o expressionismo é a expressão do que o artista captou, ele viu uma mulher e não viu, talvez fosse um tipo novo esse Pablito e estivesse na força da idade quando pintou esse quadro e então, cheio de força na verga o que ele enxerga são só pernas, cu e mamas entendes ó paspalhão, vê lá se aprendes duma vez por todas ó meu c _ _ _ _ _ _ Esta última explicação deu-lha, quer dizer enfiou-lha na mona o Ramalho, que tinha sido prof. de artes visuais e era tu cá tu lá com Picasso, Kandinsky, Monet, e outros que tais. 

Van Gogh, “Noite estrelada sobre o Ródano”

- Mas afinal o que é essa coisa do impressionismo que tanta controvérsia e confusão gera, é que não entendo, não me entrou ainda no crânio. Gritou-nos o Epifânio num apelo, agitando-se na cadeira em que se mexia e remexia visivelmente transtornado e a quem o Amado explicou e pacientemente acalmou:

Olha lá ó Epifânio, isto é fácil de entender, e uma pintura não é uma epifania e, virando-se para a Maria Surumenho, sim essa mesmo, casada em terceiras núpcias com o Barrenho, tendo-lhe solicitado cortês e amavelmente que puxasse no télélé a imagem da “Noite estrelada sobre o Ródano” de Van Gogh, o que ela fez com inusitada destreza para a idade mas uma rapidez e sageza de quem é vezeira nestas coisas dos museus, das vitrinas e patine.

- Topa aí ó caramelo, Van Gogh olhou o céu numa noite limpa e viu estrelinhas, estrelas cadentes, galáxias, planetas e cometas, e que fez, não nos pintou o céu, pintou o que o impressionou, pintou estrelas brilhando, irradiando e correndo, movendo-se na abóboda celeste, girando e rodopiando, percebeste agora ou é preciso fazer-te um desenho ou mandar-te para o Jardim da Celeste ouvir o “Na Loja Do Mestre André” ? Van Gogh pintou a impressão que colheu topas ?

Van Gogh, “Noite Estrelada”

 Estavam eles embrenhados nesta frutuosa discussão quando apareceu a Etelvina, em surdina fez-me sinal para que atirasse os olhos para o saco que trazia, lá dentro duas garrafas de aguardentes caseiras, poejo e medronho que ela sabia eu apreciar sobremaneira sobretudo no inverno. Conseguimos escapulir-nos ainda antes da chegada dos Giões, a Ana e o Hugo, os Reis da Cãozoada como carinhosamente lhes chamamos, porém um perigo para qualquer garrafeira, quer um quer outro não aguentam o inverno … Não são menos confusos nem menos difíceis de aturar que os pintores, uns pintam expressões, outros impressões, uns riem, há-os sérios, naturalistas, ou futuristas, ou ainda surrealistas, isto quando não se abstraem de todo ou ficam apanhados da psique...

 Vincent Van Gogh "O Semeador"  

 (1) Bom para diarreias - Fazer uso de alimentos obstipantes: maçã sem casca, banana prata, caju, goiaba, lima, laranja-lima, banana da terra cozida, pêra; Dar preferência a vegetais cozidos como: cenoura, batata, chuchu, beterraba, vagem, batata-doce, inhame; Preferir pão torrado, biscoitos (água e sal); Ingerir leite desnatado ou produtos fermentados; Utilizar os queijos com baixo teor de gordura.
(2) e (3) Prisão de ventre e obstipação - A ingestão de fibras é fundamental para o bom funcionamento intestinal. As fibras são carboidratos não digeríveis, ou seja, elas passam por todo o trato gastrointestinal e chegam no intestino grosso. Bactérias adoram fibras. O intestino grosso é o local do nosso corpo onde as bactérias existem em maior abundância. Assim, quando as fibras chegam no intestino grosso, as bactérias começam a "trabalhar" nessas fibras, produzindo, dentre outras coisas, glicose.
(4) Nervos e raciocínio - A alfarroba é um alimento saudável e de elevado valor nutritivo. Contém vitamina B1- colaboradora para o bom funcionamento do sistema nervoso, músculos, coração e melhora na atitude mental e o raciocínio
(5) Orégãos e brócolos - Os brócolos são uma fonte de benefícios nutricionais muito importantes, normalmente não descritos numa tabela nutricional convencional. Sendo um membro da família das crucíferas (que engloba as couves, a couve-flor), os brócolos contêm uma grande quantidade do fitonutriente sulforane, que apresenta propriedades anti-cancerígenas. O sulforane promove a actividade das enzimas desintoxicantes do organismo, o que ajuda a eliminar mais rapidamente elementos potenciadores de cancro.

Vincent Van Gogh, "O Terraço do Café à Noite"